Escrevo este editorial de olhos postos no Passal. É assim todos os dias. Este relvado, pisado durante cinco décadas pelo Grupo Desportivo de Ribeirão (GDR), serviu de palco para grandes estrelas brilharem e saltarem para o estrelato. Aqui, bem no cantinho do concelho de Vila Nova de Famalicão, causávamos inveja àqueles que se diziam maiores do que nós. Faço parte do lote de adeptos que viu um clube pequeno a querer ser grande e que, por pensar demasiado alto, morreu num piscar de olhos.

O que recordamos ninguém pode apagar. Dizíamos com gargantas carregadas de esperança que éramos o “orgulho do concelho”. De tão orgulhosos, nunca fomos capazes de questionar às entidades competentes por que motivo chegamos ao fim. O “fomos enganados por pessoas que se diziam sérias” – refiro-me, claro está, à Soccer Champions – não pode servir de justificação. Resumir em oito palavras o fim de um clube que anunciou ao mundo do futebol nomes como Ederson, André Moreira, Tiago Mesquita e Pizzi é muito curto.

Da janela do meu quarto vi um cordão humano estender-se pela rua principal da vila. Ninguém ficava indiferente à boa campanha que a formação de Daniel Ramos realizava na época 2012/2013 na 2ª Divisão B Zona Norte, agora Campeonato Prio. Até os anti futebol cantavam o “nós acreditamos em vocês”, frase entoada com crença, próprio de quem está perto de realizar um sonho. Centenas de pessoas acreditavam num projeto que faria o GDR chegar aos principais escalões do futebol nacional. Foi uma vila inteira a questionar: se ganharmos ao Chaves somos obrigados a melhorar o estádio, não somos? Mítico jogo com a subida de divisão no horizonte, bem lá no cimo de Trás-os-Montes. Tudo correu bem à turma flaviense.

Foi da mesma janela que vi Jorge Mendes – e seus parceiros – estacionar no pequeno parque do Passal. Pelas ruas, os poucos que souberam da aparição do empresário em Ribeirão, diziam que vinha para comprar o clube que, depois de ter tocado o céu em Chaves, aproveitou um dia de tempestade para cair na bancarrota em velocidade relâmpago. Culpam os brasileiros da Soccer Champions pelo fim do sonho, pela chamada à realidade. Enquanto ajudaram a construir cantina, sala de audiovisual e a pagar salários acima da média, não foram capazes de desfazer o país das maravilhas em que viviam. Ninguém ficava indiferente às condições do pequeno GDR. Jogadores cotados no futebol, adeptos rivais e jornalistas enalteciam a direção pelas boas instalações. Os adeptos da casa envaideciam-se com as frases de apreço que ouviam no café.

Foi através da mesma janela que percebi que o futebol é uma mentira em que todos acreditam. Como pode um clube como o GDR atingir uma dívida a rondar um milhão de euros? Ao contrário do futebol, isto é verdade e ninguém quer saber. Dívida difícil de contrair e ainda mais difícil de liquidar. Bater com a porta foi a solução e aí surgiu em mim a remota vontade de fechar a persiana.

“Bardamerda” para a janela e para as coisas que ela me conta. Preferia não ter visto nada se soubesse que o fim estava anunciado e que tudo não passava de mera ilusão. Fui o Inácio das bancadas, que para não pagar meia dúzia de euros por um bilhete, ia à bola sem sair de casa. Não seriam os meus seis euros a fazer diferença num clube que se dizia estável.

A Adriano Pereira sucedeu Paulo Figueiredo que tem a difícil tarefa de fazer os ribeirenses acreditarem num novo Ribeirão. Enalteço sempre quem é capaz de começar um projeto do zero. Hoje, um novo clube ergue-se para animar os meus domingos. O nome mudou, a direção também, mas o sítio é o mesmo. Agora, ver um jogo no Passal é mais económico, próprio de um clube que milita na 1ª Divisão da distrital de Braga (subida assegurada para a Divisão de Honra).

Sem Ederson, Pizzi, Marcelo e salário ao fim do mês, mas com Vitinha, Carvalinho, prémios de jogo, croissants e sumos no fim da partida. Esta é a realidade do Ribeirão Futebol Clube, um clube sóbrio e ciente do caminho longo que tem pela frente. Enquanto houver futebol a ocupar o Passal, cá estarei, sentado na “tribuna presidencial” a ver tudo através da janela.