D’Os Azeitonas aos Coliseus onde, com António Zambujo, atingiu a marca das 28 datas no ano passado, a carreira de Miguel Araújo tem sido pautada pelo sucesso. A menos de uma semana do lançamento no novo álbum, “Giesta”, o cantor fez uma pausa nas apresentações que têm esgotado teatros e auditórios por todo o país e animou a segunda noite do Enterro da Gata. Apesar de já ter pisado o palco do Gatódromo há dois anos, garante que, talvez com uma ajudinha de Salvador Sobral, deu ontem um dos concertos ao ar livre de que mais gostou.

Já atuou no Enterro da Gata em 2015. O que achou do concerto desta noite?

Miguel Araújo (MA): Foi espetacular. A última vez que toquei cá foi o concerto da minha vida em que eu estava mais afónico, coisa que geralmente nunca estou. A voz pode estar pior ou melhor, mas zero voz foi quando vim cá há dois anos. Foi fixe o concerto, mas eu estava ali aos gritos. Hoje adorei, foi o melhor dia de todos. Para mim, pelo menos.

O que é que mudou em si e na sua forma de fazer música de há dois anos para cá?

MA:  Cada música têm a sua motivação própria, eu não sei muito bem responder a isso. Quando estou a fazer uma música não estou a pensar em editá-la ou em que ela sirva algum propósito. Em cada dez músicas que faço, só uma é que acaba por sair e ser cantada por mim ou por outras pessoas. As outras nove, em princípio, vão para o lixo. É uma coisa que eu faço, que me entretém, gosto de estar a fazer uma música pela música em si. Nesse aspeto, nada mudou porque é sempre isso, é a música que pede, é uma historieta que pode ser o “Pica do 7” ou “Os Maridos das Outras”. É uma história na minha cabeça, uma imagem, e eu entretenho-me com aquilo uma tarde inteira, uma semana, um mês, às vezes ando um ano com as músicas…

Torceu muito pelo Salvador e a Luísa Sobral na Eurovisão, até parou um concerto ontem para entrar em direto na RTP. Acha que esta vitória pode significar alguma coisa para o futuro do concurso e para um maior reconhecimento da música cantada em português?
MA:
Torci muito, foi das coisas mais incríveis que já vi na minha vida. A Eurovisão tem a sua própria agenda e eu não iria estranhar se aparecessem imitadores do Salvador Sobral no próximo ano. Agora, acho que o que o Salvador Sobral fez foi muito superior ao Festival da Canção. Quem é que gosta de canções e liga ao Festival da Canção? Ninguém. Aquilo é uma fantochada há anos. O que aconteceu foi que uma música portuguesa, feita pela Luísa, tornou-se mítica “à pala” daquela história toda. Dei por mim a ver o Festival da Canção, coisa que nunca tinha feito na minha vida inteira, que nem sabia como funcionava, os votos e tal, e a vibrar com aquilo. Acho que foi uma coisa absolutamente incrível.

O que guarda do festival?

MA: O que mais levo é inspiração. Hoje mandei uma mensagem à Luísa a dizer “Obrigado porque a simples imagem de ver o teu irmão e tu a cantar quando receberam o prémio inspirou-me”. Aquela alegria, aquela verdade toda, inspira-me a cantar. Eu hoje dei um melhor concerto por causa disso, tenho andado a dar melhores concertos porque aquilo me inspirou a escrever melhor, a compor melhor, a cantar melhor, a tocar melhor. Aquilo devolveu uma certa importância à música, na minha opinião, importância de que os próprios músicos, que andam pelo país todo a tocar todos os dias, se esquecem. Para mim foi muito inspirador aquilo que aconteceu, muito mesmo. Foi uma coisa incrível, chorei. Choro de dez em dez anos e essa foi uma das vezes em que eu chorei.

O seu novo álbum, “Giesta”, sai já na próxima sexta-feira. Acha que estas doze novas canções, cheias de memórias de infância e adolescência, vão fazer com que as pessoas o fiquem a conhecer melhor?

MA: Não sei, o disco não é muito revelador de mim próprio. O disco não é de histórias da minha infância, isso faria com que fosse um disco infantil ou assim e não é. Há personagens da minha família absolutamente fascinantes, que morreram quando eu tinha seis anos, mas, ouvindo as histórias do que essas pessoas eram e fizeram, fiz músicas sobre isso. Uma visão adulta sobre esses acontecimentos, sobre essas pessoas, sobre essa realidade. Então, não é muito sobre mim próprio, eu sou um mero observador no meio daquela história toda. O que as pessoas vão saber é que eu nasci num lugar chamado Giesta em Águas Santas, mas acho que isso já sabiam, bastava ir ao Wikipédia e estava lá isso tudo escrito. Às vezes perguntam-me “Não tens medo de te expor com isto ou aquilo?”, eu acho que uma pessoa que faz esta vida de autor de músicas e cantor se está a expor desde o primeiro momento. Durante muitos anos tive medo de me expor, agora já não tenho.

Está em digressão neste momento e já passou por várias salas em todo o país. Quais são as diferenças entre tocar num auditório, como um coliseu, e ao ar livre, num Enterro da Gata?

MA: É diferente. Aqui é campo de batalha, não há “take no prisoners”, é granadas e morteiros para a frente. Aqui as pessoas não estão por minha causa, vieram aqui para festejar a Semana Académica e eu tenho que me impor “à cacetada”. Num coliseu em princípio as pessoas pagaram, e não foi pouco, para me ver e, por isso, é mais fácil. É uma coisa mais natural para mim, muito mais do que isto, mas adorei hoje! Não sei se não terá sido dos concertos ao ar livre que mais gostei em toda a minha vida porque, de facto, o pessoal estava ao rubro. Mas geralmente é mais natural para mim estar a falar para um público que pagou bilhete, com quem posso conversar, contar histórias…. Aqui não dá para conversar, é só “Boa noiteeeee”. Ali posso conversar com calma, é mais a minha natureza um teatro do que isto. Mas hoje realmente foi excecional, o pessoal estava ao rubro, a “mochar”, e eu passei-me, foi altamente.

Que mensagem deixa aos estudantes da Universidade do Minho?

MA: Mensagem não sei, as músicas que deixem as mensagens. Eu não tenho mensagem nenhuma para mandar, que cada um encontre o seu caminho na vida e seja feliz.