Após uma breve caminhada chegamos. Apesar de ainda termos algumas dúvidas sobre a localização do Museu do Traje Dr. Gonçalo Sampaio, apercebemo-nos que se situava num edifício discreto, de porta fechada. O facto de, aparentemente, não estar aberto, gerou alguma confusão. Durante poucos minutos envolvemo-nos no mistério de imaginar o que estaria para além daquela porta. Mas havia, afinal, uma campainha. Mal lhe tocamos, a porta mostrou um espaço temporal diferente, apesar do seu aspeto moderno. Duas pessoas receberam-nos com boa disposição, como se estivéssemos a entrar numa casa particular.

Ecoava pela sala uma música de um grupo de folclore. Uma leve brisa e a luz do sol davam um ambiente de casa portuguesa no descanso a seguir ao almoço. A diretora do museu, Manuela Sá Fernandes, convida a explorar a sala principal livremente, as entrevistas ficam para depois.

Há três anos, nasceu aquele que é “o único museu em Braga ligado à etnografia”, afirma Manuela Sá Fernandes. O grande objetivo da sua criação prende-se com o preenchimento de uma lacuna existente há vários anos. “Sempre houve essa necessidade de criar um museu porque o espólio do Grupo Folclórico Dr. Gonçalo Sampaio era muito grande e original, por isso havia muita gente interessada em ver as peças”, conta a diretora.

Tudo começa com o sonho de dois homens em contribuir de alguma forma para a cultura tradicional de Braga. O doutor Gonçalo Sampaio, quem dá nome ao museu, queria criar um grupo folclórico, e o professor Mota Leite, que se encarregou de o auxiliar a criar o grupo folclórico e de ainda recolher por terras minhotas o espólio do museu. Uma tarefa que não foi fácil, uma vez que a maioria das pessoas era enterrada com os seus trajes. O trabalho demorou décadas, entre passa-palavra com gente na casa dos 90 anos, para encontrar as raras exceções de pessoas que, de facto, não foram enterradas com a sua roupa.

“Tudo o que há neste museu é trabalho do professor Mota Leite”, declara Manuela.
Hoje, o sonho é alimentado por Manuela Sá Fernandes e toda uma equipa dedicada à dinamização do museu e preservação dos trajes. Todos dividem o tempo entre as suas profissões e o cuidado do museu, mais não é possível ser feito devido à falta de apoios. “Toda a gestão do museu é feita pelo grupo folclórico, é tudo voluntariado. Por isso é que temos certas limitações, quer de horários, quer de semanas de abertura. Não é possível ficarmos cá a tempo inteiro”.

Nem todos partilham do mesmo sonho e, segundo a diretora do museu, “durante estes últimos 30 anos não houve desenvolvimentos, a etnografia sempre foi o parente pobre”. Da câmara municipal só receberam o espaço do museu, é o único apoio com que contam.

Para dinamizar o espaço, Manuela refere que apostam “sobretudo no passa-palavra. Não há capacidade para publicidade e melhor divulgação”. Visitas de lares de idosos, escolas e alguns turistas estrangeiros são os públicos mais frequentes. A diretora do museu lamenta ainda assim a falta de visitantes bracarenses, apontando o desinteresse das pessoas em conhecer a cultura tradicional, “sobretudo os jovens”, acrescenta. Um preconceito criado ao longo dos anos à volta daquilo que é o folclore afasta a juventude da cultura tradicional da sua cidade, segundo Manuela, que refere que no museu tentam “desmistificar um bocado isso, mostrando que o folclore não tem que ser parolo”.

Um preconceito que não se verifica quando o grupo folclórico Dr. Gonçalo Sampaio atua noutros países: “É um furor. Os estrangeiros ficam maravilhados com as nossas roupas e com o espetáculo”, comenta a diretora.

Braga é uma cidade com grande conexão ao seu passado e às suas tradições, mas isso revela-se insuficiente quando se trata do estudo da etnografia. “Braga tem muitos grupos folclóricos, mas não há muito mais cultura etnográfica para além disso e a etnografia é muito mais que folclore”.

Somos guiadas até ao “coração” do museu, uma sala com trajes minhotos centenários, onde a sua essência é explicada. O traje masculino pouco varia, sendo generalizado em todas as regiões, já o feminino vai mudando consoante a origem. “Os trajes mais ‘leves’, por exemplo, são os das senhoras que viviam próximas do mar”, explica Manuela. As palavras da diretora do museu descrevem pormenorizadamente cada traje, dando-lhes vida e mostrando todo um espaço temporal completamente diferente. “As roupas acompanhavam as várias fases da vida, desde o namoro, ao casamento e à mortalha”. As adolescentes faziam aquela que iria ser a única roupa que usariam para o resto da vida. Roupas que hoje são relíquias, cada uma com uma história com mais de cem anos para contar, por isso, todo o cuidado é pouco. As peças têm de ser mudadas com frequência e só duas pessoas têm o direito e a responsabilidade de lhes tocar.

Manter a tradição são as palavras de ordem. Não se misturam peças de regiões ou épocas diferentes. Todo um trabalho voluntário feito, nas palavras de Manuela, “com muito boa vontade”, com muitos anos para evoluir e mudar mentalidades.