De todos os tipos de comédia o que me parece mais difícil e, consequentemente, mais interessante e desafiante é a comédia de improviso. Do nada, cria-se algo. De notar que fazer improviso já é suficientemente difícil, mas juntar-lhe a capacidade de criar estruturas narrativas que contenham valor cómico, é algo que deve ser imensamente exigente. Mas então o que é improviso?
Improvisar, segundo o dicionário Priberam da língua portuguesa, é fazer improvisos. Sempre muito útil, este dicionário. Seguindo o link, descobrimos que improviso é uma poesia, discurso ou peça musical que se inventa de repente. Aqui a palavra-chave é “de repente” (são duas palavras, mas vocês percebem a ideia). Do nada, no momento, cria-se algo. A diferença entre comédia de improviso e um espetáculo de comédia é que, no primeiro, temos de ter a capacidade de observar e absorver tudo o que está à nossa volta e ir construindo a partir daí, enquanto no segundo temos muito mais tempo para pensar e o processo de escrita pode levar dias, meses ou anos.
Se pensarmos no improviso musical, apesar de se criar no momento, há regras e escalas que se seguem, de modo a que tudo soe bem. Também o é assim na comédia. Há regras e guias que se têm de seguir para, narrativamente, uma história funcionar. Normalmente, começamos a meio da história, sem apresentação nenhuma e vamos dando pistas à audiência sobre o local, as personagens, o tempo e a história, sendo que qualquer um destes elementos pode conter o carácter cómico da performance. O objetivo do improviso é, colocando-nos fora da nossa zona de conforto, obrigar-nos a pensar fora da caixa e fugir ao cliché.
Posso ficar aqui a filosofar sobre o que é o improviso e as vantagens que traz na nossa maneira de pensar e decidir em situações de pressão, mas é mais útil mostrar-vos a opinião dos meus ‘ídolos’ do improviso que acabam por ter um pouco mais de experiência no ramo.
Keegan-Michael Key: “People always go: I can’t think that fast. Don’t think that fast. Just listen the last thing the other person said”
Keegan-Michael Key, ator e 50% da dupla Key and Peele, explica que o improviso é saltar de um penhasco e pensar numa solução enquanto caímos. Ele contraria a ideia geral de que o improviso é começar do nada e ir andando para a frente. Para ele, é andar para trás, isto é, começar no particular e, ao andarmos para trás, começarmos a ver um plano mais geral que nos ajuda a explicar a situação. Não precisamos de ser bons a pensar rápido. Apenas precisamos de estar com atenção ao que os outros dizem e fazem.
Outro aspeto interessante que Keegan aborda é a entreajuda que existe no mundo do improviso. Antes de cada espetáculo de improviso, normalmente, os atores dizem uns aos outros: “I’ve got your back”. Isto é, eu estou aqui para ti, para te ajudar. Se não existe esta ajuda e um dos actores começa a improvisar só para ele e para a audiência, os outros vão ter uma dificuldade muito acrescida de seguir o seu contexto e a sua narrativa.
Robin Williams: “The world is open to play. Everything is mockable.”
Robin Williams é um dos grandes nomes da comédia e da comédia de improviso. Há pouco escrevia que não é preciso pensar rápido para se fazer comédia de improviso, mas com certeza que também ajuda. Os seus reflexos mentais são extraordinários, apresentando-nos, em breves instantes, uma quantidade interminável de personagens, situações, locais, contextos e narrativas que nunca tínhamos sequer imaginado. A nossa sociedade é construída de tal forma que, se a conseguirmos entender como Robin a entendia, a linguagem e as construções sociais são fluídas o suficiente para as podermos navegar como se fossem oceanos.
Apesar do que já disse sobre Robin Williams, aquilo que mais me impressiona nele e na sua comédia de improviso é o facto de, para ele, tudo ter valor cómico. Esta ideia vem um pouco do seu mentor e ídolo e também grande mestre no improviso, Jonathan Winters. “The world is open to play and everything is mockable”. A partir do momento em que hesitamos e pensamos se devemos brincar com certo assunto não o dizemos com tanta confiança. Tudo, se trabalhado de forma inteligente, tem valor cómico.
Robin tem ainda outra dica para o mundo do improviso. Porquê dizer, quando podes fazê-lo? Para ele não fazia sentido contar histórias, mas sim representá-las. Aqui vê-se que, além de cómico, Robin Williams era um grande ator.
Craig Ferguson
Craig Ferguson é um ator, nascido na Escócia, e foi, durante muitos anos, apresentador do “The Late Late Show with Craig Ferguson”, na CBS. Se, normalmente, os talk shows americanos são “scripted”, isto é, são programados e ensaiados, onde as perguntas se sabem de antemão, porque é que coloquei nesta lista um apresentador de um talk show? A resposta é muito simples: vejam um episódio do “The Late Late Show with Craig Ferguson” e depois voltem aqui.
Se repararem, quando um convidado se senta, a primeira coisa que Craig faz, ainda antes de começar a colocar questões, é rasgar os cartões de apoio, que normalmente ajudam um apresentador com pontos e guias de como se deverá processar a entrevista. Esta ação é uma crítica social à imagem pública que os atores são muitas vezes obrigados a colocar, e é também uma celebração do improviso. Toda a entrevista, a partir do momento em que o convidado entra até que Craig se despede, é improviso, apesar de, obviamente, Ferguson ter na sua mente algumas perguntas preparadas, para o caso da conversa “morrer”.
Uma vantagem enorme que o improviso traz ao mundo das entrevistas é o fio condutor, isto é, como Craig ouve realmente o que as celebridades estão a dizer (o que muitos apresentadores não o fazem) consegue pegar nisso e levar para o próximo tema, tema este que pode ser algo completamente estapafúrdio, sendo que muitas vezes nem acabam por fazer a típica promoção dos filmes e músicas que se costumam fazer. Se tiverem oportunidade vejam os episódios em que Ferguson entrevista o Harrison Ford, o Robin Williams, o Steve Carell ou o Anthony Hopkins.