O programa Erasmus celebra 30 anos de existência. Nele já participaram mais de nove milhões de pessoas por todo o mundo. Sérgio Quelho foi um deles. O presidente da Erasmus Student Network Minho afirma que o Erasmus é um sucesso, no entanto nota que o programa ainda “está um bocado retrógrado”.

Qual é o papel da Erasmus Students Network (ESN) no projeto Erasmus?

A ESN tem como papel principal auxiliar os estudantes de mobilidade, desde o momento em que eles chegam até ao momento em que eles vão. Aliás, muitas vezes, até auxiliámos maioritariamente ainda antes de eles chegarem, na procura de alojamento. E depois é fazer com que a integração deles quer na cidade, quer no meio académico seja a melhor possível. É fazê-los sentir em casa, não estando em casa.

Quando surgiu a ESN?

A ESN já tem 28 anos, julgo. Surgiu na Holanda, um ano após a criação do programa Erasmus e da necessidade de criar uma organização que desse apoio aos estudantes de mobilidade. Foi crescendo ano após a ano. Atualmente, somos cerca de 530 secções. Está sempre a crescer, quase de semana para semana.

De que forma é que a ESN presta apoio aos estudantes Erasmus?

O apoio principal que nós damos é no alojamento. De facto, há cidades em que esse processo é mais fácil, mas noutras já não é bem assim. Por exemplo, Braga, apesar de ser já uma cidade grande, não é fácil de encontrar, sobretudo, para alguém que vem de fora. Por isso, recorrem muito a nós para contactos e sugestões de alojamento. Depois, durante o tempo que eles cá estão, damos qualquer tipo de apoio que necessitem e realizamos atividades, sejam elas sociais, desportivas, culturais, recreativas. Tentámos tornar a experiencia deles cá, o mais dinâmica possivel.

Na Universidade do Minho, o número de alunos Erasmus tem aumentado?

Não temos exatamente o número de estudantes que recebemos, porque não nos é facultado esse número pelos Serviços Internacionais (SRI). No entanto, não acho que tenha vindo a aumentar, tem estado até muito estagnado. O que me dá impressão é que o número de estudantes que saem de cá da universidade para outras tem aumentado, mas que o inverso não se tem registado, infelizmente.

A nível nacional, como estão espalhados os alunos Erasmus?

A ESN Portugal está distribuída em 14 secções por 15 cidades. A do Minho é a única que está presente em duas cidades, dada a estrutura da universidade. Maioritariamente, estamos a falar de Porto e Lisboa, que é onde encontramos mais estudantes Erasmus. O Porto tem 3500, Lisboa já vai para os 4000. Depois temos Coimbra também com um grande número. Aveiro e Braga têm números semelhantes. Está muito relacionado com o tamanho das cidades e também com a importância da  universidade.

Desde o início do programa que cada vez mais alunos saem e vêm para Portugal realizar o seu período de mobilidade. Porque é que achas que tal acontece?

O programa tem vindo a aumentar, por isso é normal que aumente também o número de estudantes. Portugal é um país atrativo para estudantes de mobilidade, quando falo de estudantes de mobilidade falo de Erasmus e também englobo os estudantes dos intercâmbios quer no Brasil, quer no México, etc.

O impacto que Portugal tem tido internacionalmente tem sido relevante para o incremento do número de estudantes Erasmus cá. E acho que é o passa palavra também. Por incrível que pareça, muitas vezes, temos Erasmus que vêm para cá porque amigos deles tiveram cá há dois anos ou há um ano. E é o passa palavra que às vezes conta muito, aquela experiência, o testemunho.

Depois, eles quando estão cá dizem que gostaram imenso, que gostaram da experiência. Não esperavam porque Braga e Guimarães, falando do nosso caso, não são cidades assim tão conhecidas internacionalmente. Sendo assim, eles nem sabem bem para o que vêm, mas o que eles levam daqui é uma experiência ótima. Eles saem com um boa opinião.

O que é que Portugal tem beneficiado com o projeto?

Eu falo por mim, que sou de Economia, consigo ver que, economicamente falando, as receitas que tiramos daí são bastantes relevantes, assim como, a cada vez maior internacionalização de Portugal. Um projeto destes se tem vindo a aumentar no nosso país, tem levado, cada vez mais, o nome de Portugal para fora e o aumento dos estudantes estrangeiros que vêm para cá faz com que isto também aumente. Porque quando uma pessoa vai de Erasmus, fica muito apegada aquele país. É o segundo país. Então quem vem para cá, leva, certamente, Portugal na bagagem.

Ao longo dos 30 anos  de existência do programa já participaram mais de 9 milhões de estudantes. O Erasmus é, então, um programa de sucesso?

Sim, sem dúvida. Tem vindo a crescer bastante nos últimos anos. Creio que o Erasmus ainda vai crescer mais. Está-se a fazer uma enorme divulgação, que é muito importante, e acho que os estudantes devem experimentar este programa. É certo que para algumas pessoas com mais dificuldades não é tão fácil participar, mas não é um impedimento. Hoje em dia temos as bolsas de Erasmus e, para quem tem dificuldades extra, ainda há a bolsa de estudos que recebe da universidade. Por isso, eu acho que já não é um programa de elites. Está acessível a todos.

É comum ouvirmos daqueles que fazem Erasmus, que o projeto lhes mudou a vida. De que forma é que o Erasmus muda a vida de alguém?

O Erasmus muda, primeiro, porque as pessoas saem da zona de conforto. Sei que é cliché, mas é verdade. Os estudantes estão seis meses, um ano fora. Aprendem, forçosamente, a desenrascarem-se. Não vêm a casa durante esse período, se vêm, vêm uma vez. Segundo, é estar em contacto com uma nova cultura. Uma coisa é viajar para certo país, outra coisa é viver nesse país. Essa experiência do desenrasque, de ir ao supermercado e não saber o que fazer, não conseguir comunicar com os outros, cria uma mudança que, até então, não teria sido possível para a maioria das pessoas.

Segundo o Relatório do Impacto Erasmus +, realizado pela Comissão Europeia em Janeiro de 2016, “a mudança alcançada em seis meses no programa Erasmus pode ser considerada equivalente à mudança de personalidade que normalmente aconteceria em quatro anos de vida sem a experiência Erasmus”. Acreditas que sim?

Não sabia desse estudo, é interessante. Não sei se em quatro anos, mas de facto muda. Falando por experiência própria, que fiz um ano de Erasmus, quando voltei senti que estava totalmente diferente. A abertura de uma pessoa é totalmente diferente.

Está comprovado que cinco anos após a graduação, a taxa de desemprego dos que tiveram formação no estrangeiro é inferior em 23%. Consideras que o Erasmus é uma mais valia a nível profissional?

Sim, sem dúvida. Noto, cada vez mais, que o mercado de trabalho e os empregadores valorizam a experiência internacional. Muitas vezes, a entidade empregadora pergunta se tem alguma experiência internacional. Sem dúvida que o Erasmus é um incremento e uma mais valia para um trabalhador.

O que falta melhorar no projeto?

Muitos aspetos. Noto que o programa está um bocado retrogado, como, por exemplo, na questão dos planos de estudos, que ainda é em papel. É algo que se tem de digitalizar e enviar por correio do país de acolhimento. Não faz sentido, nos dias de hoje, estarmos com este processo. É necessário que seja digital. Quando vamos fazer Erasmus, o maior problema é logo no início, que é o plano de estudos, porque nunca coincide com o que nós assinamos no país de origem. Nunca são os mesmos, há sempre problemas. Tem que se fazer uma plataforma digital para questões como estas, que já está a ser feita.  A ESN está envolvida nesse processo.

 

Por: Inês Moreira e Mafalda Souto