O Minho serve de refúgio para quem quer começar de novo. Carmen e Julio deixam para trás uma Venezuela onde impera a lei do mais forte. Saem de um país em protesto, com situações que “parecem saídas de um filme”

Reportagem: Paulo Costa, Pedro Esteves, Pedro Gonçalo Costa e Tiago Ramalho

No “100 Montaditos” de Braga é normal ouvir falar castelhano. Afinal, quem gere o negócio tem sangue venezuelano. Mas hoje, o restaurante virou uma espécie de mini-embaixada do país sul-americano.

Quem vem até pode vir para comer, mas também vem para votar. Sim, votar. A oposição a Maduro marcou para domingo, 16 de Julho, um referendo que visa atestar o grau de descontentamento com o presidente venezuelano e a decisão de redigir nova constituição. Neste dia, vota-se na Venezuela e em mais de 500 centros de voto por todo o mundo.

Em Portugal há oito. Um deles é o “100 Montaditos”, gerido pela família Bernardo. Embora o desfecho deste voto seja meramente simbólico, Julio Bernardo não esconde que a afluência “está a superar, em muito, as expectativas”. Ao fim da tarde tinham sido mais do que 320 votantes. “Surpreendeu-nos imenso. Mais de metade das pessoas nós nem conhecíamos, vêm de todo o distrito”, afirma Julio. As contas finais confirmam os mais de 300 votantes. Foram 344, todos com a mesma orientação de voto.

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A esplanada lá fora enche-se de vermelho, azul e amarelo. Cá dentro tiram-se fotografias e selfies para mais tarde mostrar. “Gracias por venir”. A expressão ouve-se com mais frequência à medida que a tarde avança.

A votação está a ser auxiliada pela Venexos – uma associação de apoio a venezuelanos em Portugal – que apontava para a marca dos 5000 votantes. Julio, atrás da mesa de voto, mostra-se confiante. Um telefone toca. É de Lisboa. “Avisara-me agora que já chegaram às 1500 pessoas em Lisboa”.

Os venezuelanos têm até às 19h00 para aparecer, hora em que fecham as urnas. Nos “100 Montaditos” cabe uma Venezuela bem grande. “Português ou venezuelano?”, pergunta-se a quem chega, quem pergunta vai brincado: “Hoje tenho que fazer esta pergunta!”.

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Votou-se em Portugal, mas não só. Ao todo, conta a comissão encarregue de organizar o sufrágio, superaram os sete milhões de eleitores, 98% dos quais rejeitaram a Constituinte. Apesar de tudo, este número não chega a representar metade dos eleitores venezuelanos, ficando inclusive pela metade dos votantes para as parlamentares de 2015. Ao mesmo tempo, no outro lado da barricada, testava-se o processo para a eleição da Assembleia Constituinte que terá lugar no final de julho. A “maravilhosa festa popular”, como lhe chamou o n.º 2 do regime Diosdado Cabello, ou a “maior participação numa simulação da história do país”, como referiu a presidente do Conselho Nacional Eleitoral, apesar de sem números, foi o contraponto a um referendo que não deverá travar a formação da Constituinte.

Até dia 30 de julho, ainda se espera o resultado deste exercício de “rebeldia”, como lhe chamou a oposição, ao governo de Maduro.

Venezuela

Mais uma viagem para Portugal. Agora, sem vontade de voltar

Quando o avião descolou de solo venezuelano, Julio Bernardo chorou. Aconteceu o mesmo com todos os que iam a bordo naquele dia. Era um choro agridoce de quem deixa uma casa que não se quer deixar e, ao mesmo tempo, o alívio de já só ver no que a casa se tornou a muitas milhas de altitude.

O avião saiu de Caracas e aterrou em Portugal no dia 4 de dezembro de 2014. Hoje, relembra tudo o que passou, sentado no negócio que abriu em Braga. Está grato à cidade de Braga e a tudo o que Portugal lhe deu. No “100 Montaditos” estacionado junto à Universidade do Minho, só se fala espanhol. Enquanto Julio relembra, a casa trabalha. São todos família.

“Saímos da Venezuela por causa do problema politico e económico nos anos de Maduro. Chegamos 28 pessoas, quatro cães e um gato. Tivemos que fugir de um país bonito como a Venezuela devido à insegurança política, económica e social”, explica.

Foram saindo às pinguinhas. A fugida de Julio foi, nas palavras do luso-venezuelano, uma “cena de filme”. Estava tudo a postos para partir. Julio tinha comprado bilhetes de ida e volta para não levantar suspeitas e já estava no avião, até aparecerem guardas que suspeitavam da quantidade de malas que levava. Uma “negociação” com os guardas bastou para fazer o avião descolar. “Nós temos a sorte de ter dupla nacionalidade. Muitos simplesmente não podem sair da Venezuela”, conta.

Julio é filho de pais portugueses e costumava vir com a família nos meses de junho passar férias. Portugal não é novidade. “A principal diferença dessas viagens para a última era a vontade de voltar. Queríamos sempre regressar à Venezuela”

À medida que o luso-venezuelano fala e relembra, cresce a resignação, sempre bem patente no seu discurso. O passado aparece a espaços e os elogios ao país são feitos com um “era” atrás.

O passado que Júlio elogia é o de antes de Maduro e da instabilidade, no tempo em que não havia “filas nos supermercados” ou “pessoas a procurar comida no lixo”. Uma realidade demasiado presente no quotidiano do país. Segundo o estudo “Encuesta Sobre Condiciones de Vida en Venezuela”, realizado pelas principais universidades do país, que entrevistou perto de 6500 agregados familiares venezuelanos, ¾ dos inquiridos registaram “perdas de peso involuntárias”.

Num país onde tudo falta, também não há tempo

A descrença no atual Presidente da Venezuela alastra-se ao resto da família. A irmã Susana anda às voltas na cozinha do restaurante, mas vai dando umas achegas ao discurso do irmão. Recorre ao telemóvel para mostrar o que as palavras não conseguem (descrever).

É lá que guarda as fotos que recebe de quem por lá ficou. Mostra um dos muitos vídeos que guarda na memória da máquina para explicar o que se passa no país que deixou há três anos. É um relato de um venezuelano que, tal como os Bernardo, saiu do país. A meio é dito que a Venezuela foi considerada o país mais feliz do mundo. “Quando só pensas como sobreviver, ou onde vais arranjar dinheiro para comer, não tens tempo para pensar no quão infeliz realmente és”, explica.

O jornal americano “The New York Times” fazia em Março um apanhado do panorama do país, que como conta o diário, já foi “um dos mais ricos da América do Sul”. Segundo dados recolhidos pelo jornal, a economia encolheu 10% em 2016, no mesmo ano em que a inflação chegou aos 720%.

Se na Venezuela não havia o tempo que Susana reclama, a família foi conseguindo escavá-lo em Portugal. Mais tempo para pensar abriu portas a informação ainda desconhecida. A informação de meios portugueses e internacionais que a família Bernardo lê sobre  a Venezuela é transmitida via Whatsapp a quem ficou na América do Sul.

Estes contactos semanais com amigos que deixou do outro lado do Atlântico são um misto de tristeza e alívio para Julio: “No outro dia estava num supermercado e tinha 15 variedades de pão, depois à noite ligo a um amigo e ele diz-me que já não come pão há dois ou três meses”.

Muita informação que Julio envia para o país natal é novidade para os que lá ficaram. Mas se a quantidade de informação que acatou depois de descolar do solo venezuelano o impressionou– “a internet lá é muito ‘fraquinha’”, lamenta – agora coloca a esperança na “oposição feita por gente jovem”, encabeçada por Henrique Capriles e Leopoldo López.

E se na Venezuela a esperança recai nos jovens, em Portugal, a nova vida de um ex-bancário também. Julio está agradecido aos estudantes que enchem a casa e dão vida a um negócio a poucos metros da Universidade do Minho, pela possibilidade de endireitar a segunda vida, longe da implosão da primeira que o venezuelano deixou a 7000 km de (distância).

E são cada vez mais os que se dispõem a criar essa segunda vida, muitos deles em Portugal. Segundo dados da Venexos – uma associação que ajuda a integração de venezuelanos em Portugal – relatados à agência Lusa em 2016, são cerca de 100 mil imigrantes em Portugal (números não oficiais). Mais de metade desses têm, como Julio, dupla nacionalidade.

É justo afirmar que o Julio da restauração português não é o mesmo que o Julio bancário venezuelano. O primeiro é consequência do último. O acontecimento que facilitou a decisão de embarcar naquele avião em dezembro de 2014? Uma tentativa de rapto.

Nas palavras do empresário, a perseguição feita a detentores de dupla-nacionalidade fez com que um dia o metessem numa carrinha. Está convencido que o objetivo seria deixá-lo “debaixo da terra”. Curiosamente, a sua sorte foi ser dia de eleições, porque “havia muita gente na rua” que terá visto um homem a chorar dentro de um carro. Conseguiu escapar, à imagem do que faria passado algum tempo.

Depois da tempestade vem a incerteza

Carmen já conhece bem o Centro de Emprego de Barcelos e a Loja do Cidadão de Braga. Ora para procurar emprego, ora para obter a nacionalidade portuguesa. Hoje, foi dia de procurar emprego. Neste momento, é o seu maior desejo.

Na hora da procura, dizem-lhe sempre o mesmo: sem tratar da nacionalidade não se pode fazer nada. Nem com os papéis a comprovar que o processo está em curso.

O principal entrave está num erro nos registos, em que o nome do seu pai, madeirense, está mal escrito. Este problema junta-se à situação algo caótica dos serviços na Venezuela. Até lá, tem de esperar.

Os entraves ao trabalho deixam-na revoltada. “Podiam ser mais flexíveis, pelo menos ao dar a oportunidade de trabalhar, porque senão como produzes, como ganhas dinheiro? Estás amarrado, não podes fazer nada”.

Tem uma licenciatura em Comércio Internacional, é técnica superior em Produção Industrial e em Alfândega. Trabalhava em Puerto Cabello, a gerir 35 trabalhadores e também tinha uma empresa própria na área dos portos. “Trabalhei muito, estudei muito, tenho um currículo… Acho que em qualquer parte do mundo isso devia ser respeitado”.

Veio para Portugal devido à sua descendência madeirense, mas está desiludida com o que encontrou a nível institucional. “O ser humano não vale nada se não tiver uma nacionalidade? Parece-me muito cruel e triste”.

Das pessoas, só tem bem a dizer. Depois da ida ao Centro de Emprego espera-a uma boleia até casa. Carmen tem o apoio de alguns portugueses que lhe têm ajudado desde que chegou. Arranjaram-lhe uma casa, frigorífico, roupa e comida.

À espera dela está Roxana, a sua filha mais velha. Chegou há cerca de um mês. Do outro lado do Atlântico ficaram o marido, filha, neta e genro. Querem todos vir para Portugal, mas Carmen tem de trabalhar para comprar os bilhetes de avião. “Na Venezuela, não há trabalhos e as passagens são muito caras”.

Os confrontos nas ruas, entre a polícia que protege o regime e os manifestantes que querem a mudança, que estão nas televisões, não chegam à pequena cidade portuária onde vivia e trabalhava. Mas está longe de ser um mar de rosas e o que passa na televisão é uma pequena parte da realidade, avisa. “Há muita violência, perderam-se os direitos, não tens direito a nada, se falas mal do governo não te vendem comida”.

Apesar da brutalidade do número de assassínios daqueles que lutam contra a situação que o país chegou, Carmen não tem dúvidas que o país é “pacífico” e o povo é sereno. “Por toda a situação que vivemos, estamos muito tranquilos”.

Os barcos e os contentores de mercadorias fazem a paisagem de Puerto Cabello. Foi nela que Carmen viu a Venezuela desabar. “Fechou-se o sistema produtivo, as empresas perderam a credibilidade na Venezuela e as multinacionais começaram a sair”. O êxodo atirou muitos para o desemprego. Carmen foi uma delas.

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Tudo começou a piorar há cerca de cinco anos, segundo a mulher de 48 anos. “Cada dia era pior”. Não refere uma única vez o nome de Nicolas Maduro, nem aponta diretamente aos políticos. Mas acredita que o problema do país foi “má administração”.

Em casa, a hora de jantar apressa-se a chegar, preparam-se “arepas” – um prato tradicional venezuelano. É feito com farinha de milho, amassado com água e sal, à mão, dentro de uma bacia vermelha. O pão espalmado vai à frigideira, sem gordura, só para preparar a ida ao forno a gás.

Um saco de um quilo desta farinha de milho custa cerca de dois euros, em Portugal. Na Venezuela, é impossível, neste momento, comprar o produto, conta Carmen.

À mesa, com queijo, fiambre e manteiga para colocar dentro do pão saído do forno, a conversa viaja até à América Latina. Lá “trabalhava muito, tinha uma casa, um apartamento na praia e um bom carro”. Estava bem “economicamente”. Cá, vive numa pequena casa nos subúrbios de Barcelos. Mas isso não a inquieta e gosta de cá viver. “É um país muito calmo e organizado, onde se respeitam as leis e é muito importante que haja respeito”.

A conversa volta sempre ao emprego que não tem e aos documentos que tardam em chegar. “Uma coisa leva à outra, é cada vez mais difícil”. As suas palavras revelam alguma ingratidão por parte das instituições portuguesas para com o país onde nasceu.

Lembra os anos dourados da Venezuela em que foram muitos os portugueses que lá construíram vida. “A Venezuela abriu-lhes a porta e a oportunidade de trabalhar, de fazer negócios e família”. Hoje, a mesma porta ainda não lhe foi aberta.

Mas não perde a esperança e quer ser portuguesa. “Acredito em Portugal”.

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Perguntas e Respostas sobre uma Venezuela confusa

  • Quando começaram estes confrontos?
Os mais recentes protestos contra o governo de Nicolás Maduro não surgem do nada. No final de março deste ano, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) – que a oposição venezuelana considera controlado pelo governo – destitui a Assembleia Nacional, onde a oposição é maioritária, tomando as suas funções e eliminando qualquer separação de poderes. Dois dias depois, a decisão era anulada, mas manteve-se a desconfiança.
Contudo, os problemas na Venezuela não começaram em 2017. Desde a morte de Chávez, em 2013, que a estabilidade do regime bolivariano tem sido afetada. Maduro ganhou as eleições em 2013, com pouco mais de 50% dos votos. No entanto, os problemas económicos – com a instabilidade nos preços do petróleo (principal motor económico do país) –, o aumento da criminalidade e da violência, bem como da corrupção, conduziram aos primeiros protestos em 2014.
Seguiram-se manifestações estudantis, depois os protestos pela falta de alimentos e os confrontos mais recentes, com o objetivo de antecipar as eleições presidenciais – que estão previstas para 2018.
  • Então para que são as eleições de 30 de julho?
Antes do referendo popular de 16 de julho – marcado pela oposição Mesa da Unidade Democrática (MUD) -, já estavam marcadas eleições para o final do mês, para um novo órgão de poder: a Assembleia Constituinte. Maduro anunciou a 1 de maio a convocatória para 545 lugares, que terão a capacidade para alterar a Lei Fundamental. A nova Assembleia Nacional Constituinte serve “para reformar o estado e redigir uma nova constituição”, defendeu o presidente venezuelano. A marcação desta eleição foi fortemente criticada pela oposição, que acusa Maduro de querer prolongar o ‘chavismo’ à força, visto a eminente perda de poder – demonstrada nas últimas eleições legislativas, em 2015, onde a MUD garantiu a maioria do parlamento.
A nova constituição não será, no entanto, determinada somente por este órgão a eleger. De acordo com as palavras de Maduro, assim que a nova constituição esteja terminada, será submetida a consulta popular, para ser aceite ou rejeitada.
O presidente venezuelano invocou o terceiro capítulo da constituição formada em 1999, na altura de Hugo Chávez, com os artigos 70, 347 e, principalmente, 348 a darem poderes a Maduro para lançar o decreto 2.380, no início de maio.

Gacetaoficial, decreto2380

  • E quem decide a nova constituição?
O decreto firmado pelo presidente venezuelano estabelece a eleição dos membros desta assembleia através de voto universal, direto e secreto, sendo fiscalizado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). São mais de 20 milhões de venezuelanos inscritos, de acordo com o CNE, que poderão votar num candidato territorial (são eleitos 364 e correspondem ao sufrágio em cada município) e num candidato sectorial (são eleitos 173 e correspondem a várias áreas sociais, desde estudantes, agricultores e pescadores, empresários ou pensionistas, por exemplo). Além destes 537 lugares, acrescentam-se oito lugares dirigidos aos indígenas.
  • Por que razão se critica a formação da Assembleia Constituinte?
A oposição venezuelana considerou o anúncio do decreto 2.380 como um “golpe de estado”. Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional e opositor de Maduro, afirmou mesmo que o líder venezuelano com este anúncio “mata e assassina o legado de Hugo Chávez”. As manifestações não tardaram, com lugar logo no dia 3 de maio.

A marcação de um plebiscito, que não terá efeito vinculativo, é anunciada como uma “rebeldia” perante a formação da Assembleia Constituinte. O principal motivo de contestação está na mudança da legislação que poderá permitir o prolongamento da estadia de Maduro no poder. O presidente venezuelano termina o mandato em janeiro de 2019 e os baixos índices de popularidade – o presidente da empresa de estudos de mercado Datanálisis afirmou em março que o apoio a Maduro estava entre os 17 e os 20% – deixam uma janela de esperança para a MUD que, com a vitória nas legislativas de 2015, vê nas próximas eleições uma oportunidade para garantir a presidência.
Daí que a solução tenha sido eleições antecipadas para marcar terreno e limitar a corrida às urnas no final do mês. Embora a oposição acredite que  esta eleição – não reconhecida pelo CNE – possa travar uma nova constituição, a generalidade dos especialistas tem afirmado nos média que isso não será suficiente, visto que o executivo tem a última palavra. Após a esmagadora vitória – apesar de apenas mais de sete milhões de votos – da oposição no referendo, a greve geral marcada para esta quinta-feira é o próximo passo, ainda com a criação de um governo paralelo – “Na quarta-feira [19 de julho], anunciaremos as bases para formar um Governo de unidade nacional”, disse o deputado do MUD, Francisco Guevara.
  • Mas onde encaixa a Venezuela politicamente?
Essa é a grande questão. Para uns é uma ditadura dominada pelo chavismo há quase 30 anos, oriunda de um golpe de estado. Para outros é uma democracia afetada por sucessivas crises e que continua a ter eleições livres, imprensa livre e onde a votação tem pendido para quem conseguiu criar riqueza através do petróleo durante todo este século.
A Venezuela, desde o regresso à democracia em 1958, que sempre houve diversas crises no país sul-americano. Ora as crises petrolíferas, ora motins, ora “Caracazo”. Até chegar Hugo Chávez. Golpista em 1992 (liderou uma das tentativas de golpe de estado contra Carlos Andrés Pérez), foi perdoado em 1994 por Rafael Caldera (que sucedeu a Pérez, destituído por impeachment). Em 1998, Chávez é eleito presidente e lança a aclamada “Revolução Bolivariana”, com a formação de uma Assembleia Constituinte e, consequentemente, uma nova constituição (até agora em vigor). Apoiado pela força da exportação de petróleo, foi reeleito em 2006 e 2012, tendo estado 15 anos no poder (apesar de brevemente afastado no golpe de 2002), até à sua morte em 2013. Entrou Maduro, eleito nesse mesmo ano contra Henrique Capriles, com pouco mais de metade dos votos.
O mandato tem sido marcado pelas críticas internacionais e por diversos problemas económicos e sociais (escassez de alimentos, manifestações e confrontos entre oposição e polícia).
A oposição apelidou, a 30 de março, Maduro de “ditador”, mas não há consenso. Uns ainda consideram o regime venezuelano uma democracia, outros já afirmam o país como autoritário e ditatorial, e ainda há os que colocam a Venezuela a meio caminho.
Podemos analisar diversos fatores para tentar tirar conclusões mais fundamentadas. Por um lado, a participação eleitoral é elevada entre os venezuelanos. Em 2013, no duelo entre Maduro e Capriles, 79% dos eleitores foram às urnas, e, em 2015, nas legislativas, a participação continuou elevada, com mais de 73% de votantes. Aqui podemos ainda trazer a palco as eleições. Serão livres? Apesar de toda a contestação, o sufrágio conta com a presença de peritos internacionais que têm dado parecer positivo às eleições, como em 2013.
Por outro lado, as prisões políticas (célebres os casos de Leopoldo López ou Antonio Ledezma) têm abalado a confiança internacional no regime bolivariano, levando a vários avisos de órgãos como as Nações Unidas, a União Europeia ou mesmo países, como os Estados Unidos da América.
Apesar da multiplicidade partidos políticos inscritos – existem 14 partidos representados na Assembleia Nacional, divididos em dois grandes grupos: MUD e o Grande Pólo Patriótico (favorável ao governo), a liberdade de imprensa não acompanha os bons ventos. A Repórteres Sem Fronteiras coloca mesmo a Venezuela na linha vermelha do silenciamento mediático, abordando o controlo sobre os média, a frequente referência a “guerra mediática” ou ameaças relatadas.
A própria existência de uma constituição  – estando a caminho da terceira – e a ausência de uma figura determinada como “o ditador”, no qual concentrasse os poderes totalmente, abalam as posições “democráticas” ou “autoritárias”. No entanto, a fundamentação pende para ambos os lados e as acusações, de parte a parte, devem continuar até às próximas presidenciais.