1993, o ano em que tudo começou. Um público composto por duas mil pessoas, nove dias de preparação, um cartaz inteiramente nacional. Uma brincadeira de amigos que se transformou num legítimo ícone para os festivais de música em Portugal. 25 anos depois, lá estivemos para celebrar as bodas de prata, com o mesmo entusiasmo pela música, e com o mesmo apreço de sempre, para sempre. Não dá para falar desta edição sem um pequeno toque de pieguice irritante, nem dá para disfarçar o sentimentalismo coletivo que se fez sentir no anfiteatro natural.

©Hugo Lima www.fb.me/hugolimaphotography

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Quando as expectativas não são as mais elevadas, o inesperado sabe melhor. Sendo esta a 25ª edição do Vodafone Paredes de Coura, muitos estavam à espera de um cartaz popular e sonante em nomes, algo que, na opinião maioritária, não se realizou por completo. Mas que houve boa música, isso houve. Deixando o público em êxtase com atuações imprevisivelmente singulares, muitos foram os artistas que passaram pelos variados palcos, ficando na memória dos festivaleiros.

Não é de todo fácil eleger o melhor concerto desta edição. Na verdade, existirá mesmo um “vencedor”? Provavelmente, muitos nomearão Foals, que sem dúvida merecem um enorme destaque, e porque são OS Foals. Mas onde se inserem, então, as atuações de Benjamin Clementine? BADBADNOTGOOD? King Krule? Lightning Bolt? Young Fathers? Future Islands? A qualidade musical, a presença em palco, a destreza dos instrumentistas, as vozes inconfundíveis, são alguns dos fatores que impossibilitam a habitual eleição de um “melhor concerto”.

O talento indubitável fez-se escutar ao longo de todo o festival, de forma constante. Os Mão Morta, a banda que mais vezes passou por Paredes de Coura, aproveitaram a ocasião para celebrar os 25 anos do histórico “Mutantes S.21”, álbum de culto do grupo. Adolfo Luxúria Canibal entoou os parabéns ao festival, em forma de agradecimento. Apesar das habilidades do multi-instrumentista Geoff Barrow, dos Beak>, sentiu-se uma quebra vertiginosa, com a sua atuação, a seguir aos Mão Morta. Os Future Islands demonstraram uma energia incansável, sendo o protagonista Samuel T. Herring, vocalista da banda. Entretendo o público do início ao fim, Herring comprovou ser um verdadeiro atleta vocal, com os meus moves de dança bem reconhecíveis: “let’s fuck around!”, comandou o cantor. A londrina Kate Tempest atuou para uma plateia mais descomposta, mas nem por isso se ficou pelas meias verdades, demonstrando capacidades de memorização e dicção exímias. A poeta abordou temas atuais com um toque político, criticou a sobreposição das selfies, o consumismo, o culto das celebridades e a corrupção.

O jovem King Krule (Archy Ivan Marshall) foi um dos grandes destaques desta edição. Melancólico, grave, tímido e talentoso, saciou os fãs do indie-rock-jazz-fusion, num concerto que certamente ficará na memória de muitos. Acompanhado de bons músicos, o saxofonista ressaltou aos ouvidos de quem o escutava. Com poucas palavras, Marshall captou a atenção do público, presenteando-o com uma performance de uma perícia veterana.

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Nick Murphy foi uma surpresa agradável para quem não esperava muito. Mais fiel a si mesmo, e nunca esquecendo o seu passado, fez as delícias dos fãs com arranjos e transições dignas de um músico legítimo. At the Drive In, Japandroids, Lightning Bolt (no palco secundário) e Ty Segall fizeram erguer o pó no anfiteatro de Paredes de Coura, provocando uma onda de moches e crowd surfing. Os americanos HO99O9 puseram o público aos saltos com uma performance incrível que mistura o hip hop experimental com a agressividade do hardcore punk. theOGM e Eaddy mostraram-se teatrais e imparáveis, iniciando o concerto com máscaras faciais e até um colete de forças.

Os dois últimos dias do festival ficaram marcados por inúmeros concertos de uma qualidade soberba. Bruno Pernadas foi a prova viva do bom jazz que se faz em Portugal. Young Fathers, que assim se chamam por todos os membros terem o nome do seu pai, encantaram. Mostraram garra, dedicação, vozes quentes próprias do pop cheio de soul. Nem as dificuldades físicas de um dos vocalistas que, aparentemente, sofreu um ataque de asma em palco, os derrubaram.

Os cabeça de cartaz de sexta feira, Beach House, deixaram demasiado a desejar. Com um atraso superior a 30 minutos, depararam-se com um público cansado e irritado. Duas músicas após o início do concerto, sentiram a necessidade de pedir desculpa pelo sucedido. Ainda assim, os seus fãs foram-lhes fiéis, tentando desfrutar do momento ao máximo.

Como era de esperar, BADBADNOTGOOD assombraram o festival com a sua performance excecional. Os jovens canadianos, com clara formação musical, demonstraram que o talento não tem idade. O baterista, Alexander Sowinski, deixou todos de olhos colados no seu virtuosismo instrumental. Puseram o público a dançar, a flutuar e até de cócaras. O quarteto de jazz divertiu-se juntamente com o público, improvisando do início ao fim da atuação.

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Portugal é um país saudosista e adepto do sofrimento. Está-nos nos genes. Benjamin Clementine é a representação artística disso mesmo, e por isso é que o admiramos tanto. Inglês, negro e francês, é a imagem de um mundo sem fronteiras e livre, de confraternização, aceitação. Ninguém ficou indiferente ao talento, à voz e ao pianista que ali se afirmou. O público gritou o seu nome, e ele gritou o nosso. Apresentou algumas músicas novas do seu álbum mais recente como “Billy the Bully” ou “God Save the Jungle”, sempre acompanhadas pelos sons do cravo. Em uníssono, fez os festivaleiros darem os seus pêsames ao medo, emocionando quem o escutou.

Manel Cruz, o nosso indígete dos olhos azuis, não tocou Ornatos Violeta, mas, como sempre, foi fiel a si mesmo. Lia-se num dos cartazes da front line “toca Ornatos ó boi!”, ao que o cantautor respondeu: “és do Norte, tu!”. Seguiu-se a atuação dos excêntricos Foxygen, com um Sam France coberto de brilhantes e surpreso com a beleza do público à sua frente (“vocês são mais bonitos do que os franceses, são dignos de entrar num filme de Hollywood!”). Tocaram o seu mais recente álbum, “Hang”, na íntegra, e por ordem, com desvios ocasionais por temas do passado como “San Francisco” ou “Shuggie”.

Foals foi um dos concertos mais aguardados, e que, certamente, não desiludiu. Com o espaço a rebentar pelas costuras, a voz inconfundível de Yannis Philippakis encheu o anfiteatro natural de Paredes de Coura. A set-list não podia ter sido mais bem composta, com poucos temas desejados a terem sido deixados de fora. Philippakis liderou a banda, mantendo-se imparável e atento ao que o rodeava. Seguiu-se um momento histórico para o festival. Embora incrivelmente desafinados e com uns acordes um pouco (a favor) fora do lugar, cantaram-se os parabéns ao Paredes de Coura, lançaram-se confettis no ar e escutou-se a “All My Friends” dos LCD Soundsystem.

Dignos de um 25º aniversário, os after-hours lograram a celebração necessária. Marvin & Guy, Roosevelt, Red Axes, os peculiares e divertidos Throes + the Shine foram alguns dos artistas que divertiram os festivaleiros pela noite fora, mas o grande destaque vai para a última noite, nas mãos de Nuno Lopes, que fechou a edição deste ano. O DJ da casa mostrou, mais uma vez, o seu bom gosto e talento. Sempre insistente, pôs música durante mais de quatro horas seguidas. Como não podia deixar de ser, encerrou o palco Vodafone FM, e o festival, com “All My Friends”.

Tradicionalmente, cumpriu-se a subida custosa até à vila para assistir a alguns concertos em tom de warm-up para o festival propriamente dito. O ambiente antecedente é sempre acolhedor, e, apesar da multidão deste ano, passaram-se bons momentos ao som de The Sunflowers, Nice Weather For Ducks, The Twist Connection e Conjunto Corona. A melhor atuação vai para os jovens Stone Dead, como era esperado. Os alcobacenses demonstraram uma performance madura, tocando hits do seu novo álbum “Good Boys”, lançado em março deste ano.

Hélio Carvalho/ComUM

Hélio Carvalho/ComUM

O Palco Jazz na Relva deu lugar à banda sonora dos banhistas, que se refrescaram no rio Coura em tardes persistentes de calor intenso. O programa Governo Sombra, El Rupe, Paulo Barros, Valter Lobo, foram algumas das personagens que passaram pela Praia Fluvial do Taboão, que sofreu uma invasão de cisnes, flamingos, unicórnios cor de rosa e barcos insufláveis. O Vodafone Vozes da Escrita continuou este ano, contando com a presença de Catarina e Tomás Wallenstein, e de Marta Ren com Miguel Guedes. As Vodafone Music Sessions assumiram proporções um pouco distintas das edições anteriores, acabando por se realizarem em espaços não tão secretos nem com atuações tão distintas. Noiserv, Moon Duo, Nothing e The Wedding Present foram os músicos selecionados para o formato.

Tal como fora anunciado por João Carvalho, verificou-se uma clara mudança no espaço físico da zona do campismo e do recinto. Não poderia ter sido de outra forma. Uma edição que ficará para a história, com 16 mil campistas, uma média de 25 mil festivaleiros por dia (27 800 no último dia), necessitou de todo o espaço possível para receber tanta gente. A multidão fez-se sentir em várias alturas, incomodando alguns festivaleiros da casa. No entanto, a direção do festival afirmou não querer subir ainda mais o número de vendas de bilhetes nos anos posteriores. Esperemos que assim seja.

O Vodafone Paredes de Coura tem regresso confirmado à praia fluvial do Taboão nos dias 15, 16, 17 e 18 de agosto de 2018. O que esperar da 26ª edição? João Carvalho mostrou uma enorme vontade de voltar a trazer Nick Cave e Queens of the Stone Age ao festival. Teremos, finalmente, essa sorte? Por agora, ficamos com as memórias de uma edição de ouro, com concertos divinais que muito dificilmente serão esquecidos. Parabéns ao Paredes de Coura, que tão bem se louvou à comemoração.