Não há números oficiais, nem estimativas muito assertivas. Os animais de rua em Braga são contados pelos olhos de quem navega pelas ruas da cidade e para quem um movimento cívico – “Braga para Todos” – pede políticas que visem a melhoria da vida destes animais. São cães e gatos, essencialmente, que ‘moram’ na Avenida Central, na Rua Nova de Santa Cruz ou junto à estação de comboios, por exemplo. O movimento criou uma petição online que conta com quase cinco mil assinaturas e que pede, entre outros pontos, a criação do estatuto de animal comunitário, campanhas de captura-esterilização-devolução (CED) ou uma ambulância veterinária 24h.

A apresentação de uma petição no final de julho não surge por acaso. “Percebemos que nenhum partido político que vai a eleições em Braga se preocupa com esta questão”, atira Elda Fernandes. A pouco mais de dois meses das eleições autárquicas, o movimento acredita que “esta é a altura certa para pedir alguma coisa e também para comprometer os partidos políticos que vão a eleições”. Ponto de partida dado para se abrir uma discussão sobre animais de rua que, tanto Sónia Marinho como Elda Fernandes (membros do “Braga para Todos”), estimam ser “milhares” – a própria Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) apontam a falta de dados/censos sobre a população animal num relatório de 2007.

Altino Bessa (recandidato da coligação Juntos por Braga e membro do CDS-PP), Carlos Almeida (candidato da CDU), Armando Caldas (candidato do Nós, Cidadãos!) e Paula Nogueira (candidata do Bloco de Esquerda) reuniram-se com o movimento, com a promessa de que não iam esquecer o assunto. Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga (CMB), aceitou esta sexta-feira agendar reunião, após vários pedidos, com o movimento. De acordo com “Braga para Todos”, ficou por marcar a reunião o candidato do PS, Miguel Corais.

Atuar na causa para travar os sintomas

Andam pelas ruas, muitos sem esterilização, ao frio e sem comida, em busca de qualquer resto que lhes caia (quase) do céu. Este é o dia-a-dia destes animais, a quem se pede maior respeito. Aparecem só à noite e, por isso, é fácil “esquecerem-se deles”, garante o movimento.

Enquanto não existem estratégias para combater a sobrepopulação, os problemas que se vão encontrando pelas ruas bracarenses são resolvidos pelos anónimos. Pessoas que alimentam, que cuidam ou até que levam os animais de rua a clínicas para os tratar. Mas aí não há reembolso, porque quem transporta o animal é quem acarreta os gastos (muitas vezes são as próprias associações animais), no caso de o levar ao veterinário. “Tem que haver uma responsabilidade do município porque os animais de rua são da responsabilidade da câmara”, defende Elda Fernandes.

A estratégia passa por alertar para o problema no município e colocar a ênfase no travão à sobrepopulação de animais errantes. Como? A medida mais urgente, de entre as sete que estão na petição, é o CED – ou seja, a captura-esterilização-devolução. O processo, já seguido por algumas cidades portuguesas, consiste precisamente nesses três passos, onde se propõe juntar equipas (contratadas ou voluntárias) para sinalizar e capturar as colónias, clínicas veterinárias onde seja possível esterilizar os animais errantes, e a devolução à rua por este ser o seu habitat natural (além da pouca adaptabilidade para se tornarem animais de companhia). A esta campanha de CED somam-se outros dois pontos acerca de esterilização, ambulâncias 24h ou ações de sensibilização.

O objetivo é atuar na causa para deixarem de haver sintomas, como explica Sónia Marinho. Altino Bessa, vereador do Ambiente, Energia e Desenvolvimento Rural, mostra-se de acordo com as exigências de controlo populacional: “A abertura que ficou da parte do município foi exatamente de nós começarmos a estudar em conjunto com o movimento”, declara. “Nós estamos disponíveis para começar a trabalhar nesse sentido do controlo da população dos animais de rua”.

No entanto, Altino Bessa coloca algumas reticências, como o enquadramento dos gastos públicos neste sentido, bem como a sua forma legal. “Os dinheiros públicos podem ser utilizados, têm é regras. Como não há essa estimativa concreta, aquilo que nós podemos e devemos fazer, é começar a atuar a esse nível [esterilização]. Depois, ter-se-á que gastar o que for sendo necessário em função das solicitações e daquilo que vai acontecendo”.

Tudo isto necessita do apoio da Câmara Municipal, que desde 2016 teve novas responsabilidades, com a aprovação da lei que emite os deveres do Estado (e no qual se consagra a responsabilidade da administração central, das autarquias, mas também de movimentos associativas e organizações não governamentais). O ponto 3 do artigo 2º (que aborda os Deveres do Estado) indica que estas entidades, além de “responsáveis pela proteção, bem-estar e sanidade animal”, devem promover “campanhas de esterilização de animais errantes e de adoção de animais abandonados”.

No que aos gastos diz respeito, a proposta do movimento fica-se pelos 20 mil euros anuais. A CMB, como diz Altino Bessa, não descarta essa hipótese, desde que justificados: “Se tiverem que ser 20 mil euros, terão de ser 20 mil euros. Desde que sejam cumpridas as regras, desde que haja justificação para tal, é uma opção política e nós estamos disponíveis para colaborar”, confirma o vereador.

No entanto, junta sempre a esta colaboração a preponderância de movimentos e associações, que considera fundamentais pela proximidade e conhecimento. Sónia Marinho, do movimento “Braga para Todos”, considera este um investimento base para se começar a corrigir o problema: “20 mil euros é uma abordagem. Temos que começar a travar a sobrepopulação esterilizando colónias identificadas. A partir do momento em que haja um mecanismo estabelecido para que as pessoas consigam identificar as colónias e comunicá-las, essa verba eventualmente terá que ser alargada”.

O que poderá ser feito no futuro?

A similaridade das posições no que toca à esterilização dos animais errantes desvenda um possível futuro nas propostas presentes na petição. Resta saber para quando – tendo em conta as autárquicas à porta – e com que financiamento.

A juntar ao projeto de esterilização, ficou definida a construção da “Casa dos Gatos”. O nome não é familiar porque ainda não existe, mas a proposta que ficou prometida por Altino Bessa: avançar com uma casa para os animais.

“Estamos a recolher orçamentos, eles [o movimento “Braga para todos”] ficaram também de nos dar uma empresa fornecedora destes equipamentos, nós também estamos a tentar arranjar preços através dos nossos contactos e ficaram de nos identificar dois ou três locais onde pudéssemos colocar estes equipamentos”. Depois de acertado o local, o propósito é criar um espaço de abrigo e controlo de colónias, à semelhança da “Aldeia dos Gatos”, instalada no concelho de Sintra.

Nesta fase, o acordo fica por estes dois projetos, por serem os mais prementes para o vereador da CMB. Altino Bessa remete mesmo para os últimos quatro anos, em que garante que a preocupação pelo bem-estar animal já se alterou. “Deixaram de haver abates de animais no canil de Braga, houve um alargamento do próprio canil num investimento de 150 mil euros para aumentar e criar melhores condições para os animais que ali se encontram”. A estes projetos, junta as iniciativas de sensibilização, de promoção de adoção, bem como da construção de novos parques caninos no município. Mas estes pontos que o vereador considera um avanço sabem a pouco para o movimento “Braga para Todos”. Reclamam-se investimentos mais profundos nos problemas dos animais, com menos sensibilização e mais ação.

Quais podem ser os perigos dos animais de rua?

Apesar do abandono, que já está criminalizado, ser um problema, o grande flagelo dos animais de rua passa também pelas condições de saúde pública a que podem sujeitar o município. Essa é uma das preocupações envolvidas, além do bem-estar animal.

As faltas de condições de alimentação, de higiene e abrigo, bem como a ausência de acompanhamento veterinário criam condições para que estes animais possam ser veículo de doenças pelas cidades, como aponta o relatório da FAO.

Além da questão de saúde pública, a sobrepopulação pode conduzir a vários problemas urbanos. Além do bem-estar animal ser afetado, a deslocação da população errante pode criar acidentes rodoviários ou problemas com transeuntes, caso se sintam ameaçados.

O retrato português dos animais de rua    

Em que ponto está Braga quando comparada com os restantes municípios? Num patamar normal. Isto, porque na generalidade dos municípios as propostas para combater os animais de rua não existem. Mas existem alguns exemplos de inversão desta tendência, como são o caso de Espinho ou Sintra.

No Orçamento Participativo de Espinho, o projeto mais votado (588 votos) foi mesmo para uma iniciativa de castração de animais de rua, para o qual a Câmara Municipal vai disponibilizar 50 mil euros. O município, além da parceria com duas instituições locais, vai também alargar este projeto a clínicas veterinárias de Espinho. Os resultados foram divulgados no final de junho e a iniciativa deve avançar até junho de 2018.

Em Sintra, o investimento é maior. O problema estava identificado: colónias de gatos abandonados no município. A solução foi apostar no processo de esterilização das colónias e a construção de um abrigo, apelidado de “Aldeia dos Gatos, na freguesia de Almargem do Bispo. Além desta freguesia, já houve outras a receber abrigos para animais de rua, como na União de Freguesias de Agualva e Mira Sintra. O próprio canil de Sintra tem neste momento capacidade para cerca de dois mil animais.

Mas Portugal não está muito diferente dos restantes países europeus. A ESDAW – um grupo de “escritores, estudantes, profissionais, ativistas e cidadãos” de várias nacionalidades que acompanha a temática – fornece os únicos dados encontrados. Segundo este grupo, Portugal tem 250 mil cães e 250 mil gatos abandonados e de rua, de acordo com as estimativas do grupo. No entanto, não existem dados sobre este problema, tornando o próprio trabalho de instituições e órgãos locais mais difícil.

A legislação europeia também não existe no que respeita aos animais de rua. Um estudo encomendado pela Comissão de Petições do Parlamento Europeu, apresentado em janeiro deste ano, conclui que apesar de existir “um problema substancial com cães de rua em vários estados-membro, e do seu bem-estar ser por vezes bastante pobre, não existe nenhuma legislação europeia para isto”. Contudo, já em 1987 o Conselho da Europa (organização europeia que promove a democracia e os direitos humanos, mas sem poder legislativo ou vinculativo) lançava a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, onde abordava a questão da redução do número de animais de rua (stray animals no documento) com o método de captura e esterilização, bem como a sensibilização para alertar as entidades competentes caso se encontre um animal na rua. Entre ambos, uma declaração escrita sobre o controlo da população canina na União Europeia já apelava a medidas como a identificação ou a esterilização.

No entanto, até ao momento as petições (desde 2010, pelo menos, que surgem no Parlamento Europeu), estudos ou a crescente preocupação com o bem-estar animal não se tem refletido na legislação europeia. Sobram exemplos como a Holanda ou Alemanha, que praticamente não têm animais de rua.