O outono continua quente. A mancha negra de floresta devastada em Braga e Monção pelos incêndios, ao décimo quinto dia do mês de outubro, é bem visível a quem lá passa. Salta bem à vista e não nos deixa indiferentes. Existe uma linha que contrasta com a área verde que se salvou no monte da Falperra, em Braga, separando os dois mundos.
A questão que coloco neste editorial é se nessa noite fomos – Braga e Viana do Castelo – indiferentes para vários órgãos de comunicação. Lembro-me de serem três da manhã e, lá em casa, ninguém dormia. O ar era pesado. Lá de casa não dava para ver a velocidade das chamas, mas o ato involuntário de ir até à varanda para tentar perceber como estava a situação era mais forte.
Lá em casa, às três horas da manhã começou-se a ver futebol. E não foi por durante o zapping se ter selecionado um canal desportivo. Não. Foi porque, realço novamente, às três da manhã, numa das noites mais trágicas de Portugal, os órgãos de comunicação ou repetiam os comentários em estúdio ou então já falavam no mundial de 2018. Eram três da manhã e não havia notícias. A noite esteve acesa para os comentadores de futebol.
Desistimos. Apagámos a televisão e a internet passou a ser a nossa fonte de informação. Não através de jornais, mas sim de posts que surgiam nas redes sociais. Era, aliás, através delas que ficávamos informados de muito daquilo que acontecia aqui no Norte – no distrito de Braga e Viana do Castelo.
Nessa noite não houve jornalismo. Nessa noite não houve informação. Não tivemos representatividade, a centralização dos canais televisivos foi exposta a olhos públicos. Sim, o jornalismo também tem contribuído para o esquecimento do interior e centralização do país em Lisboa e Porto. O interior só tem voz em caso de desastres e, mesmo assim, as feiras de enchidos falaram mais alto num “Portugal com a melhor” charcutaria e vinhos.
Cá em cima, só se sabia do que se passava através de um pequeno retângulo que, de vez em quando, aparecia, em simultâneo, com as restantes imagens dos incêndios com direito a jornalista no local. Ao mesmo tempo que o texto em rodapé dava a conhecer o ponto de situação, correndo à velocidade da luz.
Lá em casa eramos cinco pessoas. E nas outras? Quantos seriamos ao todo a passar pela mesma tentativa de obter informação, de saber o que se estava a passar. Se existiam mortos e feridos, se o fogo estava descontrolado ou controlado. Não o sabíamos. Só na manhã do dia seguinte.
Naquela noite, os cidadãos não tiveram os meios, ditos convencionais, para lhes dar informação. Naquela noite, só quem saia à rua para ver com os seus próprios olhos ou quem estava de olhos postos no feed do Facebook é que dava conta da catástrofe que tinha acontecido.
Não é apenas o sistema da proteção civil e o SIRESP que não estão preparados para o combate das chamas. O jornalismo também não está. O jornalismo falhou, faltou-lhe gente no terreno e tempo de antena. Mas o rescaldo foi feito. Na manhã do dia seguinte a chuva controlou a situação e artigos não faltaram. Menos mal.
Julho 4, 2021
[…] jornalista do ComUM dizia que “Nessa noite não houve jornalismo. Nessa noite não houve informação. Não […]