Surma é o nome que Débora Umbelino, proveniente de Leiria, escolheu para o projeto no qual toma controlo dos mais variados instrumentos musicais e tecnologias modernas numa espécie de one-woman-band e é, certamente, um projeto que, apesar de ainda estar nos seus primeiros passos, já tem atraído a sua quantidade de alarido na cena musical portuguesa.
Capitalizando nesta expansão lusitana por territórios que nunca tinham sido explorados previamente, é uma artista que se distingue por uma produção bastante variada e contida. É uma aglomeração entre várias identidades que faz cada uma destas faixas brilhar, desde tons de jazz, post-rock, eletrónica, noise e uma vertente muito pousada na música ambiente.
Esta fusão, com tanto de misterioso como de intrigante, tem feito furor e catapultado Surma para festivais como o Super Bock Super Rock, Milhões de Festa ou Lisb On, sem mencionar os seus atos em múltiplos países europeus, bem como uma futura presença no festival South by Southwest (SXSW), em Austin, Texas.
Foi precisamente com esta expectativa que fomos apresentados a “Hemma”, o single deste álbum. Acompanhado de um vídeo tão críptico como a sonoridade de Surma, a faixa apresenta-se de forma muito exemplar, tanto pela percussão densa e com imensa textura, como pelo acompanhamento melódico suave e envolvente.
O álbum completo acabou por ser revelado a 13 de Outubro, contendo musicas com qualidades que este single já ia expondo. “Voyager”, encontrado a meio do álbum, exibe este mesmo duo de percussão e melodia na frente de ataque, mas de uma forma diferente. É um hino ao compromisso entre sons mais tribalistas e naturais e uma sonoridade mais eletrónica e moderna.
Mas a verdade é que esta obra não é só constituída de contraste. “Drög” representa tudo aquilo que uma introdução deve ser neste tipo de registo: profunda, ativa, proeminente e certamente abre espaço ao que se segue. Pode não ser o tema mais técnico ou mais impressionante por quaisquer vias, mas é sólido naquilo que é.
É nessa simplicidade que muito do trabalho aqui presente brilha. “Miratge” é talvez a musica com um maior arco dinâmico no álbum, com sons robustos a darem lugar a uma multiplicidade de ritmos e melodias, sempre acompanhadas por uma excelente performance vocal. Faixas como “Plass” transportam-nos para uma existência quase mágica com os seus acordes de harpa. “Saag” quase nos relembra de bandas como Tycho e Sensible Soccers. “Kismet” é uma boa faixa para os dias mais chuvosos. Sem dúvida existe muito bom conteúdo e entregue de forma rápida, com as faixas na zona dos três aos cinco minutos.
Pessoalmente, encontro o melhor conteúdo deste projeto na sua conclusão. “Begrenset” acaba por servir quase como interlude para a minha música favorita do álbum: “Nyika”. É evidente uma atenção ao minucioso durante todos os seus 4 minutos e meio, tem sintetizadores contidos mas quase nostálgicos, com uma textura mais natural e terrestre nas vozes e percussão adicional.
“Uppruni” conclui tudo isto com uma chave melancólica, omnisciente, quase realizada da finalidade de todo esta meia hora de frequências alienígenas e simultaneamente orquestrais pelas quais somos invadidos, como se tudo isto tivesse sido apenas uma brisa a passar.
Em Su(r)ma, tudo isto é um projeto bastante ambicioso, e é ai que encontra as suas armas mais fortes: nesta multiplicidade de sons, nesta aposta no moderno. E sem dúvida que é uma experiência recompensadora, simplesmente deixarmo-nos ser engolidos por toda esta viagem sónica.
Em geral, traço analogias entre este álbum e uma boa refeição: é excelente para se começar numa ponta e acabar noutra, com algumas diferenças entre os pratos dispostos. Não é revolucionário, mas é um passo muito importante no que se faz por terras nacionais. Não é uma obra que se ouça por ficar no ouvido, mas sim pela viagem e pela experimentação que ocorre dentro de si.
Porventura esta é de facto a sua maior fraqueza, mas mesmo assim, não denigra a sua qualidade. É uma meia hora deliciosa e sem dúvida, um preço imensuravelmente barato para uma das ofertas mais únicas e estimuladoras deste ano, no panorama da música portuguesa.