Darwin provou através da biologia e de outras áreas científicas a existência de uma evolução natural em tudo o que se apresenta no universo. O mundo da música não é exceção. Se olharmos atentamente para essa área, constatamos que o futuro será tomado pela eletrónica. Género que, nos dias de hoje, ainda se encontra em ascensão no mercado musical, mas que tem, por exemplo, em Braga uma importância capital para o dinamismo cultural da cidade.

O crescente número de artistas que constroem esse tipo de música e, consequentemente, o aumento da quantidade de festivais e iniciativas que apostam no género, evidenciam esta inevitável mudança, que tem sido também alavancada por outros estilos musicais paralelos.

Analisando os cabeças de cartaz dos maiores festivais portugueses, apercebemo-nos da especial preponderância da música eletrónica, muitas vezes, mas nem sempre, à boleia no hip-hop.

Na edição deste ano do Nos Primavera Sound do Porto, dos 15 cabeças de cartaz, nove vagueiam nas ondas da eletrónica. São eles Aphex Twin, Justice, Run The Jewels, Skepta, Miguel, Flying Lotus, Richie Hawtin, Death Grips e Sampha. Sendo que Metronomy e Bon Iver – dois dos 15 cabeças de cartaz – também dão umas braçadas nesse mar.

Já no Vodafone Paredes de Coura de 2017, a eletrónica não esteve tão presente nos seus cabeças de cartaz, ao contrário do festival anteriormente mencionado. Porém, é inegável a importância e o sucesso que nomes como Kate Tempest e Nick Murphy tiveram na construção desse line-up.

Os festivais do sul não são exceção a este crescimento da música eletrónica. Nestes últimos anos, o Super Bock Super Rock tem-se dedicado cada vez mais ao hip-hop, estilo que também tem vindo crescer exponencialmente, lado a lado com a música eletrónica. Este ano, o festival recebeu nomes como Future, Pusha T e Fatboy Slim. Sendo este último uma figura incontornável no panorama da musica eletrónica, desde o século passado.

Outro festival que nitidamente tem explorado o crescimento deste género é o Nos Alive. Em 2017 atuaram, por exemplo, The Weeknd, The XX, Alt-J e Parov Stelar, artistas que derivam da eletrónica.

Impossível seria esquecer-me do Meo Sudoeste. Um festival atualmente dominado pela música eletrónica e completamente desvirtuado do seu conceito inicial. Lembro que por lá já passaram, entre outros artistas, Portishead, Sonic Youth, Primal Scream, Oasis, Faith no More, Blur, The Cure e até os Humanos, projeto de homenagem a António Variaões. Nos dias de hoje, os DJ’s comerciais e o hip-hop são a principal aposta. Provando que a música eletrónica move cada vez mais gente, o festival tem vindo a esgotar os seus passes gerais ano após ano.

Quando se analisam os outros artistas intervenientes nos festivais, chega-se à mesma conclusão: não é só nos palcos principais que se evidencia esta crescente aposta na música eletrónica.

Outro fator que manifesta o progressivo domínio da eletrónica na música é a mutação que cada banda sofre ao longo da sua carreira. Não são poucas as vezes em que essas metamorfoses resultam em eletrónica. Os norte-americanos Animal Collective começaram por utilizar apenas guitarras acústicas e vozes nos seus trabalhos musicais. Atualmente, fundem eletrónica experimental, com psicadelismo e outros géneros ainda menos estanques. Enquanto escrevo isto, vem-me, inevitavelmente, ao pensamento uma banda que tem vindo a alcançar enorme sucesso com o seu mais recente álbum. Falo dos Ermo, duo bracarense que sofreu uma das transformações mais soberbas que a música portuguesa alguma vez assistiu. Uma história semelhante à dos Animal Collective, que envolve a astúcia e imprevisibilidade rítmica cedida por Bernardo Barbosa e o talento poético de António da Costa – “mecanismos” e “organismos” dos Ermo.

A evolução tecnológica veio tornar o mundo mais eletrónico. O computador é o instrumento musical do futuro – que já é utilizado no presente -, onde convergem todos os instrumentos e onde podemos produzir todos os sons possíveis e imaginários. Para além disso, tornou a criação musical muito mais acessível a qualquer um, de modo que, a partir de um quarto tornou-se possível ornamentar uma parafernália de sons sem ser necessário desembolsar qualquer cêntimo, ou gastando-se muito pouco dinheiro. Os softwares são cada vez mais sofisticados, tornando assim a ideia de estúdio um pouco obsoleta. É este paradigma de independência que vai tornar a eletrónica paulatinamente mais preponderante no panorama musical.

Fico feliz por viver numa cidade que se encontra na vanguarda da música. Com um rasgo de lucidez, ao qual se junta a investigação, a criatividade e a juventude de vários atores e instituições, Braga alcançou, em outubro, a distinção de Cidade Criativa da UNESCO para as Media Arts. Este título apenas serve para denotar o que há muito era notório na cultura bracarense.

Não existe outro local em Portugal onde a música eletrónica ocupe semanalmente lugar de destaque. Nem existe outro local em Portugal que organize um dos festivais de eletrónica mais conceituados a nível europeu. Nem existe outro local em Portugal que desafie vários produtores oriundos desse mesmo território, ou residentes nessa mesma terra, para criarem e apresentarem os seus trabalhos ao mundo.

Mesmo assim, adoro viver nesta fase de transição, onde, no espaço de duas horas, posso ver um concerto íntimo ao piano, guitarra e voz de Luís Severo, seguido de uma danceteria eletrónica-tropical de Moullinex.