Inspeção aponta irregularidades à compra de bens e serviços pela UMinho. 70% da despesa da universidade é feita por ajuste direto.
A Universidade do Minho (UM) adquiriu, em pouco mais de um ano, bens e serviços num valor que ultrapassa os 200 mil euros à OPT, empresa detida pelo pró-reitor para a Avaliação Institucional, Guilherme Pereira, e pela esposa do mesmo, segundo a edição de hoje do jornal Público. O Jornal de Notícias, por sua vez, noticiou ontem que ajustes diretos da UM estavam sob investigação.
Guilherme Borges Pereira é pró-reitor desde outubro de 2016, tendo antes sido vice-presidente da Escola de Engenharia da UM. Desde o dia da tomada de posse, a OPT celebrou cinco contratos com a UMinho, no valor de 201.025 euros.
A relação da universidade com a OPT é, no entanto, anterior. Desde 2014 a UM celebrou 13 contratos com a empresa em mais de 580 mil euros, representando 91,53% dos negócios da OPT. Este número sobe quando se juntam as compras dos Serviços de Ação Social (SASUM) e do Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros sendo que 15 dos 16 contratos da OPT com entidades públicas listados no portal Base implicam a Universidade do Minho ou um dos seus organismos autónomos.
À OPT a UMinho adquiriu serviços variados, desde o “fornecimento de colunas de som para melhoria das condições acústicas do sistema de evacuação decorrente da realização de simulacros” até ao “fornecimento e a instalação dos sistemas de alarme, deteção de incêndio, de controlo de acessos e de evacuação no edifício nº 6 da Escola de Ciências”, passando pela aquisição de licenças de software e pelo reconhecimento de matrículas de automóveis para controlo de acesso aos parques de estacionamento.
A Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC), numa auditoria terminada em setembro, concluiu que existem indícios de “fragilidade no cumprimento dos princípios aplicáveis à contratação pública” na UMinho.
Universidade contorna regras da contratação pública
No período compreendido pela auditoria – de janeiro de 2015 a julho deste ano – a Universidade do Minho fez contratos sucessivos com a OPT que eram “suscetíveis de constituir objeto de um único contrato”, quebrando as regras do Código da Contratação Pública, segundo a IGEC.
Essas regras estabelecem limites nos valores dos contratos realizados por ajuste direto, segundo as quais um contrato para a realização de obras não pode ultrapassar os 150 mil euros, a aquisição de bens e serviços tem de ser inferior a 75 mil euros e outros contratos são obrigados a ficar abaixo dos 100 mil euros.
Em 2016, na compra de “sistemas de deteção de gás, monóxido de carbono e incêndio”, a UM fez dois contratos com valor um pouco abaixo do limite de 75 mil euros – 74.500 euros e 74.902 euros. Em 2015 a universidade seguiu a mesma prática para adquirir um “sistema de controlo de acesso” aos campi, assinando três contratos com o mesmo objeto por 70.723, 10.900 e 13.400 euros.
Nestas contratações à OPT a universidade consultou outra empresa, a IVV Automação, para conhecer as condições para a prestação dos serviços em causa.
Segundo os inspetores da IGEC, a OPT indicava como diretor de obras o engenheiro Fernando Jorge Castro Vieira Mendes, gerente da IVV (concorrente da OPT) e ex-professor da universidade, que detém a empresa em conjunto com outro docente da UMinho. Os inspetores afirmam, assim, que há “indícios de uma aparente concertação no procedimento, violando o princípio da transparência”.
Todos os quatro contratos da IVV com entidades públicas foram realizados com a Universidade do Minho, num total que ultrapassa os 130 mil euros, mas a empresa presta sobretudo serviços a entidades privadas, tendo tido em 2016 um volume de negócios de quatro milhões de euros.
O advogado da IVV recusou ao jornal Público qualquer “combinação” de preços entre a IVV e a OPT, esclarecendo que “é natural” existir “uma espécie de monopólio” porque há em Portugal “poucas pessoas com capacidade técnica” para prestar o tipo de serviço pedido pela UM.
A prática de parcelar contratos para evitar o recurso a concursos públicos verificou-se em mais duas ocasiões: na contratação de “serviços da responsabilidade técnica de instalação e manutenção dos edifícios” – dividida numa parte de 60 mil euros e noutra de 28.800 euros — e uma reparação de condutas feita este ano (148.500 euros mais 132.519 euros).
UMinho prefere ajuste direto na hora de contratar e comprar
A mesma auditoria detetou ainda que 70,53% da despesa da universidade em obras e compras de bens e serviços é feita por ajuste direto. Entre janeiro de 2015 e julho deste ano, a UM gastou 27,1 milhões de euros em empreitadas de obras públicas e aquisição de bens e serviços. Apenas 16% desta despesa foi realizada através de concurso público, tendo o restante sido gasto através da Agência Nacional de Compras Públicas.
Entre as contratações analisadas pela IGEC, quatro são consequências da contaminação química e biológica que ocorreu na Escola de Ciências (ECUM) em 2013 – e que teve novas repercussões no final de 2015 – tendo a universidade invocado esse problema para pedir a urgência de algumas contratações em ajuste direto. Mas os ajustes diretos também envolvem as obras de reformulação e expansão da biblioteca no campus de Gualtar e a reabilitação do edifício principal em Azurém, Guimarães, não relacionadas com os problemas da Escola de Ciências.
A IGEC identificou também uma relação de preferência da universidade com a JPSR – uma das empresas a quem foram contratados serviços “urgentes” devido aos problemas da ECUM. No período da inspeção a universidade assinou 12 contratos com a JPSR, totalizando 775 mil euros, tendo depois a empresa vendido mais sete serviços à UMinho, por 260 mil euros.
A Universidade do Minho representa 75% dos 1,4 milhões de euros que a JPSR garantiu em contratos com entidades públicas desde 2010. Um desses contratos com a UM, para compra de condutas aerólicas no início de 2017 por 353 mil euros, foi sinalizado pela IGEC por não ter sido enviado para o Tribunal de Contas para receber visto prévio antes de ser concretizado. Algo que também aconteceu com a compra de um supermicroscópio de quase 510 mil euros.
O relatório da IGEC ainda não é definitivo, faltando incluir a resposta da universidade. A reitoria da UMinho garantiu à Lusa e ao Público que já respondeu à IGEC e que rejeita “de forma incisiva e fundamentada os pressupostos e as conclusões do relatório, com base em informação factual e documental detalhada”.