Estávamos a meio da tarde de sábado, mas no interior da sala de espectáculos do gnration caía uma noite artificial com projeções do meio aquático numa parede. Um grupo de crianças deixou fluir o seu corpo ao som da música numa pequena área que não suportava todo o público. De forma gradual, o grupo saiu guiando-nos para a BlackBox.
Pouco tempo depois, abriram-nos as cortinas e entramos numa nova dimensão, também ela às escuras, e com projeções de corpos transfigurados a moverem-se numa fusão difícil de decifrar.
Iniciou-se, assim, o GUELRA – Laboratório de Transcriação Coreográfica, criado em 2011 no gnration, que convida diferentes artistas para orientar um novo projeto. Desta vez foi em parceria com a escola de dança Arte Total.
Uma música abstrata ecoava na sala escura, não havia palco, não havia a típica hierarquia artista-público. Todos nós éramos um só e os bailarinos confundiam-se no nosso meio, enquanto caminhávamos pela BlackBox, a sala principal do gnration. Uma luz incidiu sobre um duo que começou a sua coreografia, mesmo assim, ainda nos podíamos passear ao seu redor. Ao longo do espectáculo trios, duos, solos de jovens bailarinos formavam-se em diferentes pontos da sala e atuavam vez à vez. Os corpos cediam ao mínimo toque formando um novo movimento coreográfico, a um ritmo marcado.
Parecia uma luta ou talvez uma discussão em movimento. A professora e coreógrafa Maria Inês Villasmil chama-lhe “liquid dance”: “uma tentativa de desenvolver uma prática de dança num mundo que está em constante transformação e modernidade, com todas as suas implicações.”
A realidade atual é-nos “atirada à cara” quando nas paredes surgem questões com a qual, certamente, grande parte do público se identificou. Perguntam-nos sobre lembranças dolorosas, a relação com a mãe, qual a nossa intuição de como vamos morrer e para pensar em três coisas que temos todos em comum. As respostas ficam no ar.
Continua-se a andar pela sala, ainda com alguns elementos do público envolvidos, e com momentos pontuais de danças desenvolvidas pelos bailarinos. Movimentos algo agressivos onde se podia ouvir a respiração ofegante quando a música não era tão audível.
Uma jovem bailarina dirigiu-se a um microfone e deu-nos uma das respostas às perguntas projectadas anteriormente. “Três coisas que temos em comum? Amamos, sofremos e estamos na mesma sala”. A sua voz transfigurou-se num eco que fez voar as palavras para longe.
No final voltamos ao mundo normal, as luzes ligaram-se e todos os participantes do espectáculo foram aplaudidos.