O jornalista José Milhazes esteve presente na livraria Centésima Página em Braga, na passada tarde de quinta-feira, para apresentar a sua “Antologia do Pensamento Geopolítico e Filosófico Russo”. O seu coautor, João Domingues, não esteve presente no evento.
Milhazes, reconhecido enquanto correspondente na Rússia para a televisão portuguesa, cedo partiu para a extinta União Soviética enquanto estudante. Nas décadas seguintes, construiu um repertório de atividades jornalísticas e académicas relacionadas com a Rússia, bem como com o contacto entre russos e portugueses, que lhe valeu a distinção de Comendador da Ordem de Mérito da República Portuguesa.
A antologia foi publicada com o apoio de particulares, à falta de patrocínios institucionais, por ser “um tipo de livro mais profundo” e “bom para estar à lareira, [acompanhado de] um bom vinho”. De acordo com o autor, em Portugal a atenção encontra-se virada sobretudo para os livros de ficção russos, ignorando-se de um certo modo as obras escritas por pensadores deste país. O exemplo de Liev Tolstói serviu para ilustrar esta ideia, pois os seus Diários, publicados há muitos anos, “já nem se encontram em alfarrabistas”.
O livro em questão resulta de uma procura por compreender e dar a conhecer a identidade cultural russa, estranha para a generalidade dos portugueses. Assim, foram compilados textos de 34 escritores e pensadores russos, enquadrados de acordo com a sua época, que demonstram as correntes de pensamento predominantes em diferentes momentos da História da Rússia. O escritor considera o livro “uma proposta arriscada”, porque qualquer caraterização da Rússia encontra quem desta discorde.
Livres de critérios políticos na seleção dos textos, pois não procuraram “partidarizar o pensamento russo”, na obra é possível encontrar reflexões que demonstram como o marxismo ganhou as suas raízes na Rússia a partir do século XIX. No seguimento da vitória da Rússia sobre a França nas Guerras Napoleónicas, o maior contacto entre russos e o resto do continente europeu fomentou um debate sobre se a Rússia fazia parte da Europa. Para o autor, os textos consideram a parte europeia da Rússia, mas também a sua parte asiática, bem como a ideia de uma Rússia enquanto continente.
A questão da Rússia enquanto parte da Europa, contudo, remonta aos tempos de Pedro I, no século XVII, cujo czarado assistiu ao surgimento de um Império russo recetivo a ideais científicos e modernos provenientes de países ocidentais, em detrimento de um sistema social alicerçado em conceitos medievais tradicionais. Uma medida caricata, mencionada para caraterizar esta modernização da Rússia, foi a implantação de uma taxa a pagar pelos membros da Corte que usassem barbas longas.
Apesar do foco no passado da Rússia, o atual presidente Vladimir Putin está presente em três textos, sendo uma figura dominantemente retratada no livro. Uma boa parte da sessão foi dedicada a considerações do autor quanto à Rússia dos dias de hoje, onde foram comentados fatores como as diferenças entre os extremos ocidental e oriental, a falta de investimento em infraestrutura interna e uma política militar financiada de um modo desmedido, entre outros. O evento terminou com uma sessão de autógrafos do autor.