SATURATION III fecha a trilogia "SATURATION" da autoproclamada "boyband" norte-americana BROCKHAMPTON. Neste novo álbum, o grupo arrisca e experimenta novos estilos, sem nunca esquecer o que os caracteriza.

SATURATION III é a catharsis da trilogia musical perpetuada pela boyband americana BROCKHAMPTON. O seu projeto pretendia saturar o cenário musical com hits após hits, através do lançamento de três álbuns. SATURATION, o álbum original, atingiu-nos a 9 de Junho, e surpreendeu por completo tanto críticos como fãs, ganhando o estatuto de um dos melhores álbuns de 2017. SATURATION II elaborou ainda mais a fórmula da banda, apresentando hooks tanto ou mais memoráveis do que o antecessor e contou ainda com exemplos de uma maior experimentação.

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Apesar do ritmo azafamado ao qual lançava novo material, BROCKHAMPTON prometia mais um álbum antes do fim do ano. Assim chegou SATURATION III, a apostar bastante no novo, no experiencial e em novos estilos musicais e novas batidas, sem esquecer a fórmula que faz deste grupo único.

Exatamente o que faz BROCKHAMPTON único? Por começar, ao estilo de Wu-Tang Clan ou Odd Future (bandas das quais retiraram inspiração), é um projeto musical que possui os mais variados membros com diferentes estilos e experiências de vidas. E é a unidade e complementaridade dos membros que fazem de BROCKHAMPTON algo incrivelmente feroz, competitivo e com uma diversidade incomparável. Formada num fórum online de fãs de Kanye West, a banda conta atualmente com 14 membros, com Kevin Abstract como principal cabeça do grupo, mas igual presença de rappers como Ameer Vann, Matt Champion, Merlyn Wood, Dom McLennon ou JOBA. Num gesto conceptual, esta autoproclamada “boyband” alcança os catorze membros ao incluir na banda os produtores, fotógrafos, tour manager e até o Web Designer do grupo como parte fulcral da banda, funcionando todos como parte desta unidade.

Lançado a 15 de Dezembro, SATURATION III conta com “BOOGIE” como o seu primeiro single. A faixa distingue-se pela ação frenética da batida e pelo rapping agressivo e robusto dos membros, que trocam versos entre si, apresentado a banda como uma força imparável à luz de todo o seu recente sucesso. É talvez o melhor single e cartão-de-visita do grupo, no sentido em que transmite toda a energia que imprimem, constantemente, em todas as suas bangers.

E falando de energia, sem dúvida que BROCKHAMPTON mantém a tradição de começar álbuns com um “one-two punch”. “BOOGIE” e “ZIPPER” trabalham uma da outra, com produções pesadas a reverberarem com o estilo de “HEAT” e “GOLD” ou “GUMMY” e “QUEER”.

(Photo by Kevin Winter/Getty Images) billboard.com

Mas, se é que BROCKHAMPTON pode apresentar uma grandiosa produção e uma violência quase palpável nas suas bangers, também apresenta uma introspeção árdua em faixas como “JOHNNY”, “LIQUID”, “STUPID” ou “ALASKA”. Em laboriosos versos, os membros contam a sua vida passada, as escolhas que tiveram de fazer e não deixam de lado tópicos atuais. Kevin Abstract fala e defende a sua homossexualidade nas suas letras de faixas como “JOHNNY” e “STUPID”. Em “STUPID” e “ALASKA”, Ameer Vann relembra a forte discriminação da qual foi alvo e de como teve de recorrer ao tráfico de narcóticos durante grande parte da sua vida. JOBA, com um verso bastante emotivo em “JOHNNY”, abre o seu lado pessoal; conta que sente que falhou como filho, fala sobre depressão e ansiedade e como recorreu a drogas e álcool após a morte do cão e o fim da relação com a namorada.

Apesar deste estilo não ser nada de novo na banda, não deixa de contar com a sua excelência. “HOTTIE” é um exemplo disso. A balada fica algures entre a pop e o hip hop e, misturando elementos de ambas as vertentes, acaba por ser a música mais comercial produzida pelo grupo até à data. Já “RENTAL”, o alvo do último vídeo da banda da era SATURATION, conta com um hook capcioso, no qual Kevin sente-se nas nuvens apesar da pressão posta sobre a boyband por outros artistas.

“BLEACH” é a musica favorita de muitos dos membros dos BROCKHAMPTON. Conta com um refrão de um dos principais colaboradores externos da banda, Ryan Beatty, e com muitas linhas pessoais acerca de como tiveram de cometer erros ou abandonar relações, a ética e a família nesta perseguição coletânea do sucesso. Dom McLennon fecha esta temática com “They said “do you make mistakes or do you make a change?” e uma chuva de sintetizadores segue a catharsis da música.

O fotógrafo da banda, Ashlan Grey, faz a sua primeira aparição na discografia de BROCKHAMPTON em “STAINS”. Certamente das maiores surpresas deste terceiro álbum pelo tom único com que organiza toda a produção e como os versos fluem. Até Ameer Vann, muitas vezes criticado por conduzir os seus versos com ritmos semelhantes, tem um papel de destaque na faixa, quase como uma provocação aos críticos.

“SISTER/NATION” é certamente das coisas mais estranhas que ouvi no passado ano. À imagem de Tyler, the Creator, BROCKHAMPTON divide a faixa em duas partes. A primeira, “SISTER”, opta por uma orgásmica disposição de sons eletrónicos, quase como se tivesse sido produzida por um grupo como Death Grips, com linhas psicóticas e intimidantes e o primeiro verso a traçar uma renúncia à medicação equilibradora de humor. A segunda parte, “NATION”, abandona completamente isto. Os membros de etnicidade negra da banda denunciam, de forma pesada, a constante descriminação e separação que os afeta a eles e a toda a nação afro-americana. Tudo isto transmitindo uma sensação de poder, sem ser uma mensagem maçante, (como a transmitida no novo álbum de Eminem, por exemplo) mas sim um veículo da harmonia entre produção e teor lírico.

E, tal como o álbum do rapper americano faz do ódio e raiva contra a presidência de Donald J. Trump: “TEAM”, a faixa que encerra todo o projeto SATURATION, conta com a denúncia subtil, mas iminente no verso de Kevin Abstract: “I thought my world was progressive / ‘Cause my president was black”.

E como é já moda, BROCKHAMPTON conclui o álbum com a presença do cantor/membro Bearface e o uso a guitarras dotadas de um reverb pesado. Fora de uma inesperada conexão no fim com a faixa “HEAT”, que começa toda a trilogia SATURATION, não traz muito de novo, mas não deixa de ser um adeus satisfatório.

SATURATION III é o projeto mais desigual de BROCHAMPTON. Os elementos arriscam e procuram inovar dentro do tema proposto pela saga. Não contam com o fator surpresa do primeiro, mas contam certamente com a destreza e experiência do grupo. É um álbum que garantidamente irá intrigar os fãs do género e permanecer na cabeça durante dias, semanas, meses ou ainda mais. SATURATION III é uma estrela numa indústria cada vez mais saturada pela uniformidade e sucesso a qualquer custo.