Tudo se passa no tempo dos anos 60, mergulhados na guerra fria. Uma mulher muda, deixada sem fala à nascença, constrói uma relação com uma criatura que está ser mantida em cativeiro, sujeita a experimentações, nos laboratórios governamentais americanos.
É uma história sobre solidão, sobre a sina do isolamento a que se é votado pela sociedade quando se é, de uma forma ou outra, incompleto. Também é uma história de amor; e esta história corria tanto o risco de ser banal, se fosse entre o típico cliché feminino e masculino.
Não é.
É extremamente improvável. Tem um lado obscuro, quase repugnante, que a impede de ser repugnante a outros níveis.
É uma combinação de emoções que todos percebemos, faz com que amemos o filme. Ele abana as pessoas, é mesmo daqueles que “sacode as entranhas”. Tem pormenores que o tornam autêntico e coeso; Guillermo Del Toro soube rechear a narrativa de nuances morais e frases que marinam no subconsciente, atribuindo uma possibilidade de linha de reflexão ao filme, que se estica muito depois de se apagar a tela.
Toda a longa-metragem é uma obra de arte. Cada frame é uma pincelada e todo o visual está a assente num argumento muito forte.
A narração no início e no fim dá-lhe o toque extra de profundidade que reforça o carácter mítico, quase lendário. As transições e os ângulos de filmagem foram tecidos com os ingredientes perfeitos para descrever esta história da forma mítica como merecia ser contada. O movimento de câmara enigmático deixa saber que o próprio espectador tem, ou deveria ter, medo da imensidão do que está para ver.
O filme também ganha ao estar corretamente posicionado no tempo, bem alugado nos anos 60. A atmosfera da tensão americana e russa, os carros à época e o característico conteúdo televisivo, são os condimentos perfeitos. O cenário é poeticamente desarrumado, sujo, caótico e improvável, como era pedido.
Também as personagens – ingredientes essenciais na credibilidade de uma história – são inovadoras na sua construção psicológica, repletas de dimensão e de pequenos detalhes que as tornam originais e autênticas, especiais.
O desenho da criatura foi o uníco que me desapontou.
Esta personagem que, pensasse, mereceria ocupar o topo das nossas preferências, foi aquela em que menos acreditei. A sua construção foi semelhante à de muitas outras feitas em metragens anteriores de ficção científica. Pode-se dizer que, não sendo fã desse género, a parte que menos gostei do filme foi precisamente essa: algumas arestas de fantasia que considerei mal limadas face o meu apreço à realidade. Valorizei, no entanto, o conteúdo da história, a narração, os visuais e a arte de emocionar e abalar o público – algo que o filme definitivamente conseguiu.
Em suma, A Forma Da Água vai mais fundo no tema do romance e fá-lo por águas inovadoras, tanto figurativamente como literalmente. É sensual, fantástico e vai contra todas as regras e convenções. Parece-me que Guillermo Del Toro realmente mereceu o globo de ouro por esta obra-prima.
Título Original: The Shape Of The Water
Realização: Guillermo Del Toro
Argumento: Guillermon Del Toro, Vanessa Taylor
Elenco: Sally Hawkins, Octávia Spencer, Michael Shannon
2017
E.U.A.