A Companhia Instável e o Theatro Circo uniram-se na aposta de trabalhos de jovens criadores de dança contemporânea. “What If…” foi o primeiro espetáculo a ser apresentado.

Esta é uma peça que, através da dança, mostra uma consulta no psicólogo. A noite de ontem, no pequeno auditório do Theatro Circo, ficou marcada por este primeiro trabalho da Companhia Instável. Daniela Cruz é a coreógrafa e a sua vida é o motivo pela qual esta peça existe.

Inês Lopes / ComUM

Nesta criação interpretada pela própria Daniela Cruz e por Angela Diaz Quintela, o palco é transformado numa consulta de psicólogo com duas personagens: um paciente e um observador ativo, que faz despoletar uma série de ações. Há pouca interação entre as personagens. É um dueto a solo, durante 45 minutos, onde há a procura da solução para a viagem solitária que nunca se teve a coragem de realizar.

Fez-se silêncio. O foco estava lá à frente, com o chão branco do palco a contrastar com as paredes negras da sala. A observadora, que estava na mesa a controlar o som, abriu uma porta num canto do palco. Daí veio a paciente a gatinhar em tronco nu. Bago a bago, esta ia comendo uvas que a observadora lhe ia dando, sendo que, à medida que atravessavam o palco, a situação complicava-se: para comer os bagos teve de se esforçar até chegar a eles. A dada altura, agarrou no cacho e comeu-o ferozmente, como se de um animal selvagem se tratasse. O espírito selvagem da personagem ao longo da peça viu-se, uma vez mais, pela forma como encheu um insuflável. Representado por um animal, o insuflável é um amigo novo. Agarrou-o, brincou com ele e salvou-o de um afogamento. Ali, houve amizade.

Inês Lopes / ComUM

Mas ao longo do espetáculo também houve amor, diversão, apatia e uma mistura de emoções. O público permaneceu em silêncio e todos se mostraram atentos a acompanhar a atuação, sem desviarem o olhar. Os únicos sons que se fizeram ouvir foram o respirar ofegante da atriz e os passos que esta dava, enquanto representava e dançava sem música. Quando havia música, todo o corpo se movia de acordo com a sua intensidade. Enquanto atuava, a paciente fitava o olhar com o público. Mesmo depois da música terminar, continuava a dançar durante uns instantes. O bater do pé a acompanhar o ritmo, o rodar dos braços, o movimento das pernas, os gritos ensurdecedores, o soltar do cabelo. Um espetáculo marcado por movimentos rápidos, furiosos, frenéticos, mas também por movimentos calmos, serenos e olhares para o vazio.

Inês Lopes / ComUM

No final, houve tempo para uma conversa entre o público e a coreógrafa criadora deste espetáculo, Daniela Cruz, para esclarecer todas as curiosidades da plateia em relação ao que tinham acabado de ver. “Os meus trabalhos são muito autobiográficos”, começa por dizer. “Tive sessões de psicoterapia. Achei intrigante. Pensei que poderia fazer um espetáculo sobre aquilo”, conta. “Este espetáculo é um leque de memórias, possibilidades e fantasias. É metafórico. É o que se passou na minha vida no último ano. Eu quando ia para lá não queria que me manipulasse, mas fazia isso”, diz, referindo-se ao teste de Pavlov. “E é o que eu faço à Angela, aqui. Eu manipulo com a máquina de som”, acrescenta. “É uma peça sexual, infantil. É tudo o que eu questionava emocionalmente. Isto para mim é uma viagem. É uma aventura e é giro ver à distância”, revelou. Normalmente, é Daniela quem dança e quem tem maior destaque no palco, mas, desta vez, foi a sua amiga Angela que teve esse papel. “Foi importante ter escolhido alguém que me dá tudo e eu dou tudo”, diz. Acima de tudo, “é uma experiência”, pois “se saísse algo interessante, saía; se não saísse, azar”, concluiu.

Uma espetadora interveio na conversa mostrando a sua visão do que acabara de ver: “transformação, monotonia, confiança, explosão de movimentos, emoções, prazer”. “Eu gostei muito”, rematou.

“What If…” marca o primeiro dos três momentos de Palcos Instáveis – Segunda Casa. Este espetáculo estará noutras salas do país. O próximo Palco Instável será no dia 9 de junho. Para além de Daniela Cruz, os outros criadores são Elisabeth Lambeck e Dinis Santos.