O futebol é um desporto que apaixona milhões de pessoas pelo mundo fora. Esta modalidade tem o condão de despertar todo o tipo de emoções, que se relaciona naturalmente com o facto das pessoas se associarem afetivamente a um clube desportivo. Até aqui parece tudo saudável. O problema é quando essas emoções extravasam o limite do razoável e daquilo que são considerados comportamentos eticamente corretos. Infelizmente, em Portugal, essa linha está constantemente a ser ultrapassada, sendo que um dia pode rebentar.
Vivemos numa altura em que se fala muito sobre “bola” e pouco sobre futebol. Interessa mais perceber se o árbitro errou propositadamente num lance do que entender até que ponto uma determinada equipa joga melhor com dois avançados ou apenas com um. É natural que haja discussão entre os adeptos sobre as decisões da equipa de arbitragem; o que não é normal é existirem agentes desportivos com grande responsabilidade no futebol português constantemente a pressionarem os árbitros, com ameaças infundadas e argumentos incoerentes.
No panorama nacional vemos um presidente que põe em causa o caráter humano dos árbitros, um treinador que ameaça que vai estar atento ao percurso de um árbitro para ver se utiliza sempre o mesmo critério e outro técnico que refere que os árbitros erram propositadamente contra a sua equipa e que depois vem dizer que é preciso deixar em paz a arbitragem. A emoção faz parte do futebol, mas tem que haver um equilíbrio com a razão, sobretudo quando se ocupam cargos importantes na modalidade.
Se temos um treinador a desculpar os maus resultados com erros da equipa de arbitragem, as pessoas afetas a esse clube têm a tendência de ir na linha de “pensamento” do timoneiro da equipa. Com isso, nascem ondas de indignação nas redes sociais, geram-se discussões doentias entre adeptos de clubes rivais e os árbitros são assobiados nos estádios. Esta é a violência verbal que leva à violência física.
É frequente serem noticiados confrontos entre claques de equipas rivais quando elas jogam entre si. É frequente ouvirmos pais dizerem que preferem não levar os filhos aos estádios em jogos de “alto risco” porque é perigoso. Este é o estado do futebol português. Mas desengane-se quem pense que a violência no futebol, seja ela de que estirpe for, começa e termina nos campeonatos nacionais e no escalão de seniores.
Só em 2017, segundo a APAF – Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol –, foram agredidos 43 árbitros principais ou assistentes, tendo isso acontecido inclusivamente em jogos de futebol de formação. A maior parte das agressões ocorreu em Lisboa, mas a verdade é que a violência se alargou a outros 12 distritos, como Braga, Coimbra e Aveiro.
Como se pode ver, a violência no futebol, seja ela física ou verbal, é um problema que atravessa o país inteiro e todo o tipo de clubes (profissionais e não profissionais). Os comentários pejorativos de dirigentes sobre clubes rivais e as agressões de adeptos a árbitros e até a jogadores são alguns exemplos daquilo que é a face mais visível dos comportamentos provocados pelo extravasamento da emoção no futebol. Alguma coisa terá que mudar, senão chegaremos ao dia em que vamos lamentar mortes no desporto-rei devido à violência. E aí já vai ser tarde demais.