A semana que passou ficou marcada por mais um caso de um currículo duvidoso nos altos cargos da política portuguesa. Temos assistido nos últimos anos a uma proliferação, quase contagiosa, desta arte do improviso na criação de currículos capazes de chegar às altas hierarquias dos ofícios públicos. O fim de cada filme termina, quase sempre, com a saída das personagens, que na maioria dos casos nem têm tempo para disfrutar da trama.

A verdade é que não é preciso pensar muito para fazer uma analogia à arte do grande ecrã. Steven Spielberg, no inicio do século XXI, traz a história de um jovem americano que é em simultâneo médico, piloto e advogado. A personagem interpretada por Leonardo Di Caprio, no filme Apanha-me Se Puderes, usa a arte do disfarce e da manipulação de currículo para roubar milhões de Dólares. Ao que parece, o tempo livre proporcionado pela dispensa de aulas a um grande número de políticos que decide voltar à Universidade, traduz-se num aumento do tempo para ver filmes inspiradores. Mas vamos ser sinceros, quem não gosta de um bom filme?

Feliciano Barreiras Duarte acabou mesmo por ser apanhado e apresentou este fim de semana a sua demissão do cargo de Secretário Geral do Partido Social Democrata (PSD) após ter sido acusado de ter mentido sobre as suas qualificações e a forma como as obteve. O Jornal Sol avançou com que Barreiras Duarte nunca foi visiting scholar na Universidade de Berkeley, na Califórnia, estatuto que lhe permitiu não frequentar as aulas do mestrado em Direito que concluiu na Universidade Autónoma de Lisboa, com uma média final de 18 valores.

Em Portugal, muitos foram os políticos que decidiram voltar aos bancos da Universidade, se bem que uma grande parte não chegou se quer a aquecê-los. Desde licenciaturas tiradas ao Domingo e concluídas em apenas um ano, a cursos incompletos, a política portuguesa já assistiu de tudo no que diz respeito às qualificações dos seus intervenientes. Se são comportamentos desonestos? Sim. Se são dignos de alguém que ocupa um lugar público e que defende os interesses de um país? Não. Mas e porque não questionar também quem confere a estas pessoas graus académicos obtidos de forma irregular?

No caso de Feliciano Barreiras Duarte, a Universidade Autónoma de Lisboa escapou ao escrutínio. Ninguém questionou como é possível obter o grau de mestre sem frequentar uma única aula e como um relatório profissional se pode equiparar a uma tese de mestrado. A verdade é que as universidades privadas têm já um longo historial no apoio a estas causas. Há várias décadas a passar ao lado desta polémica, estas instituições continuam a seguir a mesma premissa do filme de Spielberg, funcionando numa lógica de “apanha-me se puderes”, onde o poder e o dinheiro são suficientes para não serem investigadas.

O problema está numa visão contrária do objetivo de frequentar uma instituição de ensino superior. A maioria dos alunos vê a universidade como uma forma de obter um grau académico que lhes permita alcançar um emprego. Existe depois quem a veja de uma forma completamente oposta, onde primeiro se arranja um trabalho e só depois se constrói um currículo capaz de o segurar. Na maioria das vezes, este processo é feito de uma forma pouco cuidada, onde as pontas soltas acabam por ditar o fim desse mesmo cargo. A avaliação deixa de ser feita pelos professores, para ser feita pela opinião pública que escrutina cada caso até ao ultimo detalhe. E vamos ser sinceros, entre a pressão da comunicação social e uma sociedade inteira a pedir justificações, que venham as aulas, os testes e os exames.

No entretanto, muitos são já os que planeiam escapar aos bancos da escola mas colher na mesma os frutos da passagem pelo ensino superior. Felizmente ainda há quem esteja atento a estes pequenos pormenores que podem por em causa a integridade de uma organização ou partido. De uma forma educada, é caso para dizer: apanhem-nos, mas só se puderem.