A 19 de Fevereiro, as inscrições para voluntariado no Festival Eurovisão da Canção foram abertas. A 63ª edição do festival conta com 300 vagas para 18 cargos com necessidade de trabalho voluntário, como catering, assistência das delegações de cada país participante, trabalho na Eurovision Village, ajuda em conferências de imprensa e no backstage e até mesmo coordenação de equipas de voluntários. Ter mais de 18 anos e dominar a língua inglesa são alguns dos requisitos gerais para ser admitido. Cada uma das funções tem, ainda, os seus requisitos específicos, tais como conhecer bem Lisboa, ter experiência em áreas de televisão e em trabalho de bastidores e, durante algum tempo, ter material fotográfico e de filmar próprio.
As exigências referidas, em especial a última em cima enumerada, acenderam a controvérsia em torno da questão da necessidade de trabalho não remunerado, num evento internacional que gera milhões de euros em lucro. A página “Ganhem Vergonha” denunciou o caso, especificando as funções a serem desempenhadas pelos voluntários. Pouco depois, a RTP em declarações à Renascença, “esclareceu” o acontecimento do material audiovisual próprio, dizendo ter-se tratado de um “lapso” e o requisito foi retirado dos formulários de inscrição.
Contudo, na sexta-feira dia 2 de março, o deputado Tiago Barbosa Ribeiro voltou a trazer o caso à ordem do dia, quando pediu explicações ao Ministério da Cultura sobre o elevado número de voluntários no festival Eurovisão da Canção. O número pedido pela RTP constituirá cerca de um terço do corpo de trabalho no espetáculo. O deputado do partido socialista argumentou que os 300 voluntários constituem “necessidades laborais essenciais à realização do evento” e como tal devem ser remunerados. Para além disso, o trabalho por turnos é obrigatório e a carga horária pedida ronda as 6 horas por turno, com algumas funções, como assistente de produção, a chegar às 8 horas! Nos turnos estão inseridas as pausas, mas sejamos honestos, a grande maioria durará pouco mais de 10 minutos…
No formulário de inscrição pede-se muito, mas garante-se pouco. A organização dá t-shirts, dá refeições, dá um seguro de trabalho obrigatório (que preocupados) e dá um certificado de participação muito catita para enfeitar o currículo. E é claro, não nos podemos esquecer, “obviamente, a possibilidade de se divertirem imenso!” Mas e alojamento em Lisboa nas semanas de voluntariado, é garantido? Nem por isso, o couchsurfing é mais divertido. E transporte? Claramente que uma edição com o slogan “All Aboard” deve ter preocupações com a deslocação dos seus voluntários. “A organização está em negociações para que sejam entregues bilhetes para os transportes públicos, durante os dias de participação”, explicam eles no formulário.
Bem, trata-se, então de trabalho voluntário, sem direito a alojamento nem transporte. Basicamente pagar para trabalhar. Ou para participar, como preferirem. Não é difícil imaginar os preços ridículos de hotéis, hosteis, pensões, apartamentos, quartos e sofás para as semanas antes e durante a Eurovisão. A procura vai ser tão alta que os preços vão, naturalmente, aumentar. E quem se voluntariou lá terá de se arranjar e bancar quantias ridículas para poder “ganhar experiência” para pôr no currículo. Mas o que conta é “obviamente, a possibilidade de se divertirem imenso!”
Esta questão não é nova. A exploração de trabalho não remunerado, mascarado de voluntariado, é uma prática muito comum em eventos desta dimensão, desde Comic Cons e Web Summits a Rock in Rios e Festivais Eurovoluntários… perdão, Eurovisão da Canção. O tema nem é algo singular ao nosso país. É já uma prática comum na Eurovisão. Contudo, não é por ser algo comum que deve ser aceite e varrido para debaixo do tapete. Numa época em que se fala de trabalho precário, salários baixos, recibos verdes, estágios não remunerados durante meses e meses a fio, ter um evento desta dimensão, que movimenta quantias de dinheiro absurdas, com um corpo voluntário tão grande, é algo que merece que se levantem questões. Estamos perante a exploração de jovens que se voluntariam ludibriados com promessas de experiência e uma nota no CV, que nem têm direito a uma cama para dormir.
Marina Ramos, da Comunicação da RTP, referiu que a existência do voluntariado é uma mais valia, porque proporciona uma grande oportunidade aos jovens de participar num evento de grande dimensão. Mas a minha pergunta é: se há tantos lugares para o corpo de trabalho num evento tão grande e que gera tanto dinheiro porque razão não se contratam jovens profissionais? Porque razão não se dá um contrato e um ordenado a quem realiza funções para o qual tem experiência e está habilitado? Pede-se experiência em diversas áreas, pede-se domínio de línguas tanto a nível oral como escrito, pede-se conhecimentos nas áreas de comunicação e jornalismo, pede-se experiência em Produção de TV, pede-se material próprio (desculpem o “lapso”)… Pede-se, pede-se, pede-se…
E dá-se, “obviamente, a possibilidade de se divertirem imenso!”