Judeu, bissexual, honesto e fora-da-lei, Ezra Furman é dono de uma complexidade poética pouco comum. Há pouco mais de um mês, lançou "Transangelic Exodus, seu 4º álbum a solo e o tematicamente mais coeso até à data.

De uma forma despretensiosa e fiel ao indie pop, Ezra reflete-se na imagem da personagem que cria, espelhando momentos ora fictícios, ora factuais da sua própria vida. Numa abordagem mais dramática, se comparada a trabalhos anteriores, conta-nos uma série de histórias que completam um todo magnífico. Ezra expõe-se por inteiro, de uma forma quase natural, necessária no mundo de hoje, cantando sobre anjos em cura numa fuga paranóica.

Ezra Furman

m-magazine.co.uk

O inlay do álbum físico começa com um poema explicativo da sua autoria: “When my darling grew wings, And the government came for us, We lived in a red Camaro. When your body’s illegal, And the people sworn to protect you, Refuse to protect you, One may have to re-draw the map (…) Perhaps we were always marked for outlawhood, Ever since we were kids, Ever since we fell in love the wrong way, And the exodus began”.

“Suck the Blood from My Wound” é o início desta aventura. Todo o álbum é marcado pela ideia de um anjo que ganha asas e que, agora, precisa de curar as feridas que os novos membros criaram. Isto poderá simbolizar aceitação, a libertação daquilo que outrora foi um obstáculo, o sair do armário. No seu estilo Bob Dyliano, Ezra agarra o pop-rock clássico e dá-lhe um twist interessante. Os sons explosivos representam mesmo uma libertação, um statement, onde declara que ninguém lhe tirará a vida: “And they hurt you bad, man, They hurt me too, But I’m not about to sit here and watch as they, Suck the blood from my wound”.

Furman adora o som das cordas, sejam harmonias longas e envolventes do violoncelo, ou pequenos pizzicatos do violino. “God Lifts Up The Lowly” é um exemplo perfeito disso mesmo. A voz dele soa distante, carregada de um vibrato artificial exagerado que acentua essa fragilidade. Recitado, sem fogo de artifício, é uma homenagem a Deus. No final, recita umas palavras hebraicas que incluem a frase “God Lifts Up The Lowly”, título da faixa. Ezra é uma personagem invulgar, de aspeto afeminado, que tem dificuldade em se encaixar socialmente. É raro encontrar um artista tão aberto a Deus e que apesar do sofrimento, se apoia Nele.

Em “No Place”, Ezra revolta-se e abandona tudo. Numa faixa que grita rock clássico, o músico lamenta-se, quase de forma paranóica: “From the wrong road, miles from no place, From the road I call and call, This whole world is no place, This world is no place at all”. No WTF Podcast de Marc Maron, em fevereiro deste ano, Furman falou detalhadamente da fuga do seu avô paterno dos Nazis, e como essa história o influenciou: “They were like “let’s get out of here”. And so, to me that’s always been a message of “they were paranoid enough” you know…they survived, I bet all their friends were like “you’re overreacting”. That makes me a paranoid person. It’s inherited.”

“Compulsive Liar” é das canções mais cruas e bonitas deste trabalho. Com uma presença forte do baixo eletrónico, mas romântico ao mesmo tempo com o uso frequente de acordes de sétima, Ezra confessa que mentia compulsivamente. Mentia para esconder quem é, refugiando-se dentro do armário, “that all-protective closet”. Sempre na primeira pessoa, expõe-se: “And I can trace the habit, To when I was eleven, And I thought boys were pretty, And I couldn’t tell no one”. O break instrumental que aparece no final é um reflexo desta vulnerabilidade apresentada, com uma melodia semi-distorcida cheia de retardandos propositados.

Ezra Furman conta-nos a história do seu primeiro amor. “Love You So Bad” é uma declaração pop, alegre, acompanhada pelas harmonias de um coro. “You know I love you so bad, Like the kid in the back of the classroom, Who can’t do the math cos he can’t see the blackboard, so bad”, faz assim uma analogia entre este amor e os problemas que teve na escola quando era mais novo. Nunca foi bom aluno, nunca se conseguiu concentrar, sendo isto algo que ele não consegue controlar, é inerente a ele próprio, tal como o amor que sente. “Love You So Bad” soa leve, conclusivo e relaxado: “I know the past is the past but then again the present’s nothing without it”.

O processo de cura das feridas é interminável, mas os anjos apoiam-se mutuamente. Apesar de ser a penúltima faixa, “Psalm 151” parece ser o final da história que começou com “Suck the Blood From My Wound”. O sujeito desta clássica balada de rock, que vai buscar algumas influências à sonoridade dos Radiohead, é um anjo, “ela”: “But I’ve seen the broken halo, That she never wears, Hanging by the stairs, Angel, I’ll be your guardian if you’ll be mine”. Mais uma vez, Ezra insiste que precisam de fugir daqueles que não os apoiam: “We’ll stay in Kansas city till the wound heals, The government went bad, we got a raw deal, A transangelic exodus on four wheels”.

A fuga nunca terá fim, nem a dor que afugentam, mas se o encararem de frente, de cabeça erguida, o caminho será mais fácil. É isto que “I Lost My Innocence” transmite. Uma canção pop super positiva e alegre, em que todos os elementos musicais apontam para essa leveza de ser. Transangelic Exodus termina numa nota positiva, com um Ezra orgulhoso de toda a viagem, e um Ezra que aceita quem é.

Ezra Furman

metrotimes.com

Ezra Furman termina o magnífico Transangelic Exodus com uma dedicação que serve de reflexo a tudo o que ele é enquanto pessoa e artista e que atua, também, como um resumo daquilo que a sua música representa:

“For the immigrant, For the refugee, For the closeted, For the out, For the vulnerable, For the homeless, For the searching. This record is an exercise in empathy, a ripening of nightmares and a sudden blooming of spirit. It’s a protest record, dreamed in dark corners of the heart of a queer grandchild of Holocaust survivors. And what if you had to leave your home because the government was after you? May our vulnerability and difference be a window into the lives of those who are deeply threatened by institutional callousness and hatred. And may this spur us to great courage and kindness. “Do not oppress a foreigner: you know the feelings of the foreigner for you were foreigners in the land of Egypt” Exodus 23:9”.