O mais recente álbum a solo do norte-americano Jack White foi lançado na passada sexta-feira e pode ser facilmente apontado como o seu projeto mais fraco até hoje.

Em alguns aspetos, o rock tem tido dificuldade em adaptar-se à era moderna. Muitos artistas já trocaram as suas guitarras por sintetizadores e Jack White está agora oficialmente a participar nesta onda de músicos que se lançam numa estética mais contemporânea e progressiva. Boarding House Reach é uma coleção de 13 faixas do que, frequentemente, parece uma improvisação experimental de rodeios sem sentido, interlúdios pouco divertidos e ideias musicais descontroladamente subdesenvolvidas. No auge da sua carreira, com a sua própria gravadora de sucesso e um grupo dedicado de fãs que enchem as salas de espetáculo, White está agora livre para gravar e lançar o que quiser. E, a julgar pelo Boarding House Reach, o músico decidiu abraçar a desorganização e gravar recordações de Spoken Words sobre a primeira vez que tocou piano, numa canção chamada “Get in the Mind Shaft”, ou questionar-se porque é que um cão precisa de ser passeado, em “Why walk a dog?”.

Jack White

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Boading House Reach abre com a música que fez o primeiro single. “Connected by love” é uma escolha musicalmente surpreendente para abrir o álbum. É totalmente dominada por instrumentos de teclado, desde os pulsos do sintetizador de abertura até ao piano e órgão que formam a base da música. Só a meio caminho é que ouvimos qualquer tipo de guitarra, imprensada entre dois solos de órgão. Ainda assim, a música apresenta alguns dos elementos de gospel característicos de White, o que, para já, não nos afasta tanto do registo a que fomos habituados.

“Why walk a dog?” é essencialmente dois minutos e meio de Jack a ponderar o valor de ter animais de estimação. Musicalmente, é uma peça interessante o suficiente, mais uma vez ancorada por um órgão e pelo blues. Liricamente, parece que está a cantar as palavras de um poema que escreveu na escola primária. Vindo de uma criança de dez anos, até poderia soar um pouco inteligente. Vindo de Jack White, é ofensivo se pensarmos em letras de projetos anteriores, que contam histórias complexas, intrigantes e envolventes e nos prendem a cada palavra.

“Corporation” e “Ice Station Zebra” são as duas músicas que mais inserem no estilo funk.  Entre ritmos improváveis e uma batida aborrecida que desperta guinchos penetrantes de White, “Corporation” é a faixa mais longa do álbum, com 5 minutos e meio do que parece uma improvisação em torno de um tema aleatório. Há até algumas ideias interessantes, mas nunca são articuladas em algo minimamente coeso. Há conceito, há movimento e há batidas. O problema é que nunca chegam a lado algum. Nunca há um clímax e isso torna a faixa cansativa de ouvir. “Ice Station Zebra”, por outro lado, é um rap. Embora o ritmo continue a soar bastante desprendido e experimental, é uma música que cativa e que dá vontade de acompanhar.

Se há uma faixa em todo o álbum que se aproxima mais do Jack White que conhecemos em anos anteriores, é “Over and Over and Over”. Ao contrário da maioria das outras canções, esta destaca-se pela positiva. É refrescante, é bizarra (quando o artista é Jack White, não se espera outra coisa) e fica no ouvido. A letra também não parece totalmente irrefletida. O tom de guitarra morno e arredondado é especialmente interessante. Há um equilíbrio entre o coro e a voz principal, que se rompe por momentos e depois retrocede rapidamente e envolve-nos num ambiente sonoro que é simultaneamente sinistro e convidativo.

“Hypermisophoniac” é outra faixa interessante do álbum. As pessoas que sofrem de misofonia têm uma hipersensibilidade a determinados sons, que pode conduzir a reações extremas como irritabilidade, raiva e pânico. Então o que Jack fez foi, na verdade, escrever uma música usando todo o tipo de sons aparentemente desagradáveis e tentar torná-los em algo mais agradável. O resultado é uma combinação improvável de sons que se unem para criar uma das canções mais divertidas do disco.

Por um lado, Boarding House Reach é a pura versatilidade de White em exibição. Embora possa ser considerado um excêntrico que faz tudo de maneiras diferentes, o músico tem sido quase rigorosamente consistente durante os últimos 20 anos. É natural que um álbum que se distancia totalmente dos anteriores, em todos os aspetos, crie algumas dúvidas a quem o ouve. Por outro, perde pela espontaneidade em demasia. As canções tornam-se enfadonhas e sentimos como se estivéssemos a assistir a ensaios da banda. Perde também pelas letras, que são, em vários casos, pobres e pouco elucidativas. Jack White costumava escrever letras incríveis. Basta pensar no “White Blood Cells”. Uma psicadélica explosiva. Um punk de garagem cheio de adrenalina, riffs alucinantes e melodias e personalidade e paixão. Isso acabou. The White Stripes foi sem dúvida um projeto bonito. O 1º álbum a solo de Jack, Blunderbuss, é, sem dúvida, dos meus preferidos de 2012. Mas os momentos mais felizes de Jack White ficaram por aí. Lazaretto, de 2014, deixou muito a desejar. O guitarrista de renome e de paixão, o homem que costumava escrever músicas fascinantes e inteligentes, agora parece não se incomodar.

O Jack White de 2018 é feito de grooves de cortar e colar. Pelo menos no papel, é uma transição bastante interessante. White, um antigo devoto de todas as coisas analógicas, cedeu, pelo menos um pouco, ao digital. Agora está numa de brincar com “Pro Tools” e guitarras construídas para serem fáceis de tocar. Infelizmente, os anos têm reduzido a diversão na sua música e nas suas performances. Em última análise, Boarding House Reach é um álbum desajeitado demais para um artista com a aptidão e experiência de White.