A Associação de Exilados Políticos Portugueses (AEP) apresentou na Livraria Centésima Página um aglomerado de testemunhos sobre quem escapou do território português para evitar combater na Guerra do Ultramar.
A Livraria Centésima Página acolheu, na passada tarde de quinta-feira, a apresentação do livro “Exílios.2, Testemunhos de Exilados e Desertores Portugueses na Europa (1961-1974)”, editado pela AEP. A sessão esteve a cargo do historiador e professor universitário José Manuel Cordeiro, bem como dos representantes da AEP Fernando Cardoso, Beatriz Abrantes e Teresa Couto.
A obra é o segundo volume de um projeto de recolha de testemunhos de vários portugueses exilados da sua terra nas décadas de 1960 e 1970, durante o regime ditatorial do Estado Novo. O foco recai sobretudo nas experiências e nas histórias dos desertores e refratários da Guerra Colonial, tanto de quem escolheu não combater como dos que lhes eram próximos. As testemunhas contam histórias de quem procurou refúgio em diversos países europeus, prosseguindo numa viagem clandestina e repleta de perigos, bem como da vida que se seguiu no fim da rota.
O presidente da AEP, Fernando Cardoso, apontou que a publicação destes testemunhos restituiu ao espaço público “momentos dolorosos”. De acordo com o próprio, “houve memórias que vieram ao de cima após 40 anos em silêncio” e os elementos da AEP orgulham-se de terem sido “os primeiros a desbravar território” da difusão literária das memórias de exilados.
José Cordeiro recordou como as conversas entre os seus amigos e colegas de escola pautavam-se sobretudo por uma aversão à Guerra Colonial, em que discutiam como evitar o serviço militar. De acordo com o professor, naqueles tempos, aos responsáveis militares bastava que os candidatos conseguissem “premir o gatilho” para estarem aptos a combater nas províncias ultramarinas.
O historiador recordou como ficou confuso quando um grupo de rapazes celebrou o facto de entrarem no serviço militar. Para ele, estes jovens não tinham um “embrião de consciência”, interpretavam a entrada no exército como um “rito de passagem”. Fernando Cardoso, mais tarde, ponderou o choque para os combatentes que desaguavam em territórios africanos, sobretudo para aqueles com poucos estudos feitos e que pouco ou nada conheciam do mundo fora da sua terra.
Por fim, José Cordeiro destacou a importância de se investigar e de dar a conhecer as várias organizações de apoio aos emigrantes portugueses, que os ajudavam a começar uma nova vida noutro país europeu. Considerou urgente contactar quem participou nestes comités nos mais diversos pontos do continente, antes que se perca a oportunidade de obter testemunhos na primeira pessoa. Teresa Couto, residente em Angola colonial durante a sua infância, lamentou que várias crianças hoje já não tenham “quem lhes conte” o que foi o Estado Novo ou o pós-25 de Abril.
Ernesto, um refratário presente na plateia, contou ao ComUM sobre a sua viagem rumo a França com alguns companheiros, cujo testemunho de um deles se encontra no livro. “Com o dinheiro contado”, o trajeto a pé e de autocarro foi pautado por uma preocupação constante em evitar patrulhas policiais portuguesas ou espanholas que os pudessem capturar. Ernesto foi bem-sucedido na sua viagem e meio ano depois assentou na Suécia, onde hoje vivem as suas filhas.