São um caso raro, de um grupo sem falta de elementos. Nascidas em 2012, a Tun'ao Minho continua a crescer, e começa lentamente a preparar a próxima edição de um festival que já ocupa palcos maiores.-
Dez horas da noite, e uma meia lua de mulheres preenche a sala de espelhos, debaixo do Bar Académico (BA). A conversa é posta em dia, acompanhada de gargalhadas e sorrisos trocados. Está prestes a começar o ensaio da Tun’ao Minho.
Uma nota é tocada no piano e começam a afinar as vozes. O som ecoa por toda a sala. Transforma-se instantaneamente um cubículo envelhecido num espaço cheio de vivacidade, alegria e cordas vocais a soar em uníssono. O aquecimento está feito. Este é o último ensaio antes da atuação nas Jornadas da Comunicação, organizadas pelo GACCUM (Grupo de Alunos de Ciências da Comunicação da UMinho).
Sofia Silva é magister da Tun’ao Minho, e está na frente de um crescimento “exponencial” de um dos grupos culturais mais recentes. “Anónima” de nome de tuna, Sofia fala desse crescimento, muito ajudado por atuações como a das jornadas. “Iniciativas como esta, organizadas na Universidade do Minho, ajudam muito a Tun’ao Minho a crescer, principalmente a nível de elementos. De repente, este crescimento nem foi tanto a nível de atuações, foi mais a nível de elementos. Nós nem sabíamos como haviamos de pôr as pessoas todas. Nos ensaios, explicar tudo a toda a gente, depois era uma para cada lado”.
Para acompanhar a voz, vão buscar os instrumentos musicais. Marca-se o ritmo neles com a mão e junta-se o bandolim à melodia. Vão entrando cada vez mais instrumentos na mistura. Varrem o vento os estandartes, ocupando o centro da sala. Fica no ouvido uma frase: “o amor quando é sincero, bem se diz sem se falar”.
Aqui, a amizade de tuna é, segundo “Anónima”, um amor de irmãs. Mais da fase de irmãs se tratarem mal. “Nós falamos muito mal umas para as outras, mas é tudo em família. Às vezes estamos em casa com os nossos irmãos e se calhar são as pessoas que tratamos pior”. Diz Sofia entre risos, e o resto mostra essa atitude. Se corre bem, não se diz nada; se corre mal, está lá a ensaiadora, Raquel Quintas (“ISN”), para ralhar. “Meninos que vieram ver, eu não falo assim tão mal, eu estou a brincar!”. Riem-se. Reina a alegria que Sofia pede às novas raparigas que decidirem entrar. “Têm que ter essa força, esse espírito minhoto, essa garra, ter uma pancada, assim um bocado javarda.
E de javardice numa mão, e sorrisos na outra, lá vão continuando. Cátia Moura vem aos ensaios desde Outubro de 2016, e apareceu depois de ter visto vídeos da Tun’ao Minho, quando entrou na universidade. Descreve um ambiente de “felicidade e emoções ao rubro”. “O ambiente dentro da tuna é o que qualquer universitário deveria sentir. Quando chega a hora de ir para o ensaio, é a melhor emoção do dia. Porque vou para um sítio onde me sinto fora de todos os meus problemas. Se há dramas? Há. Senão não seríamos verdadeiramente uma tuna feminina.”.
Trocam-se os instrumentos entre elementos do grupo para a canção seguinte, cantada em espanhol. Uma melodia carregada de sentimento. Entre piadas, Raquel Quintas, a ensaiadora do grupo, pede mais calma às colegas, ajustando o ritmo. “Suave, como se estivessem a acariciá-la”. Voltam a rir-se e voltam a tentar, desta vez mais devagar.
Hoje o ensaio acaba mais cedo, a atuação está quase pronta. A terceira música do ensaio acelera o ambiente, é o original da tuna, “Trovas de Amor”. Esta já está bem treinada. É um ensaio feito de boa-disposição, de alegria, e de javardice. E de muitas correções.
Uma música de samba, “Trem das Onze”, fecha a noite. Arrumam-se as coisas, limpa-se a sala. Está preparada mais uma atuação da Tun’ao Minho, em mais um ano de grande atividade. Vêm aí muitas mais. Afine-se as cordas.
A queixa de hoje, o problema de sempre
A Tun’ao Minho é um dos seis grupos que fazem parte da ARCUM, a Associação Recreativa e Cultural Universitária do Minho. Fazer parte da associação é estar intrinsecamente ligado a um problema recorrente. As salas de ensaios do Bar Académico em Gualtar já foram comentadas por vários grupos, e pelo próprio reitor na tomada de posse da ARCUM, em Janeiro. O problema persiste.
“Não temos cadeiras, nem mesas suficientes. Há coisas a partirem, coisas a caírem do teto, não temos mesmo as condições necessárias”, explica “Anónima”. Apesar de uma remodelação no chão da sala de espelhos, onde ensaia a Tun’ao Minho e a Tuna Universitária do Minho (TUM), as dificuldades permanecem. “Ainda no ano passado entrou água do teto na sala da Gatuna, que era ao lado da nossa. É um risco com os instrumentos. A sala onde os guardamos é muito pequena e cheira a mofo”.
A falta de condições nas instalações dos grupos culturais, aqui no Bar Académico, são notórios. O corredor, escuro e frio, contrasta com a quantidade de grupos e tunas que por aqui passam, todos os dias. Sofia Silva é mais uma voz no coro de descontentamento, mas há sempre espaço para alguma esperança. “O reitor visitou as instalações do BA na altura da sua tomada de posse e reconheceu como as obras são urgentes. Resta ver se se lembra de nós, já que isto se tem arrastado”.
Este parece ser o maior travão no crescimento da tuna. Porque se elementos não faltam – um luxo que muitos grupos não podem dizer que têm -, um público mais habituado e recetivo a tunas femininas também ajuda ao crescimento da tuna.
“Antes via-se muito que as tunas masculinas é que moviam mais gente. As tunas femininas tendem a ser mais femininas, mas a nossa personalidade como tuna distingue-se das outras”. Os últimos festivais da TUM e da Afonsina encheram o Theatro Circo e o Centro Cultural Vila Flor (CCVF), respectivamente. Este fim-de-semana, a Tun’Obebes, outra tuna feminina do Minho, esta de Guimarães e de engenheiras, prepara o seu festival na sala principal do CCVF pela primeira vez.
A sala da tuna feminina de engenharia está mais difícil de encher. E como magíster de uma tuna que partilha muitas características com a Tun’Obebes, Sofia da Tun’ao Minho não pensa em mudar o registo para vender mais bilhetes. “Já tivemos críticas de que devíamos ser mais femininas. Mas não é a nossa cena, não é isso que queremos transmitir. Nós somos assim como somos, não queremos mostrar que somos apenas mais uma tuna feminina. Somos uma tuna diferente, uma tuna feminina do Minho, até para fazer jus ao nosso traje, que mais minhoto não podia ser”.
Entre corredores degradados e tectos esburacados, assim se faz a cultura no Minho. Daqui, sai a música que percorre o país. E em época grande de festivais, com mais um FITU arrumado, e um Serenatas ao Berço a chegar, a Tun’ao Minho começa lentamente a preparar a próxima festa.
Uma festa a crescer precisa de mais espaço
Apesar de ser uma tuna que comparadamente a outras da academia ainda é jovem, a Tun’ao Minho já caminha para a terceira edição do festival que organiza. Desde 2016, o Tunão promove o convívio entre os diferentes grupos, e tenta trazer algumas das melhores tunas femininas dentro e fora do Minho.
(Pode consultar a cobertura do ComUM ao II Tunão aqui, e sobre a noite de serenatas aqui)
O festival existe desde há dois anos, embora o nome “Tunao” tenha surgido em 2015 num “encontro de tunas” organizado pela Tun’ao Minho. Um preview para o que viria. Se a edição anterior realizada no ano passado já contou com algumas inovações, planeia-se este ano continuar com as mudanças.
Embora faça um balanço positivo do festival na sua globalidade, a magíster da Tun’Ao Minho revela que o local para o segundo dia de Tunão será diferente, em 2018. “Queremos continuar a crescer e a inovar ao nível do festival. Em princípio, será no Forum Braga”, refere Sofia. Para além das outras atividades, como as serenatas, os segundos dias de Tunão foram marcados em 2015 e 2016 pelo espetáculo no auditório do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian. Os bilhetes para o festival são maioritariamente procurados por malta mais jovem. “Não se costuma ver tanta gente mais velha, mas sim estudantes a quererem comprar bilhete”.
2018 será então um ano de mudança. Já no ano passado, depois de um II Tunão que encheu o auditório da Gulbenkian, a então magíster Ivone Costa revelava o sentimento de continuar a crescer de sala, e sonhava com o Theatro Circo, mas sonha-se sempre com os pés no chão. “Nós pensamos nisso [passar para o Theatro Circo], mas soubemos através de outros grupos culturais que está a haver uma enorme dificuldade em continuar lá o espetáculo. Nós não queremos voar muito alto, queremos ir com calma”.
Na Gulbenkian ou no reconstruído Fórum Braga, o Tunão prepara-se. Espera-se mais uma festa como só a malta do Minho sabe fazer. Entretanto, voltemos ao ensaio, que pode não estar para durar. “Anónima” deixa uma última mensagem, mais emocionada. “É das melhores experiências que estou a ter na vida e acho que toda a gente devia passar por isso. Pertencer a um grupo e fazer parte de algo maior, contribuir com outras pessoas que também querem o bem para o crescimento de um projeto como este, acho que completa qualquer um”.
Não pensa em acabar, mas um dia tem que ser. Mariana Teófilo, “Brave” na tuna, partilha a emoção intensa de Sofia, de falar sobre pertencer à tuna. “Costumo dizer que pertencer à tuna é uma forma de estar na vida, que acaba por se transformar num magnífico veículo para viver e usufruir da experiência que é ser estudante de Braga”.
É um grupo cultural jovem, com pouco mais de seis anos, mas já se impõe como um dos maiores da universidade, pelo menos em tamanho. Há sempre espaço para mais. “Se quiserem, podem ensaiar. Somos inclusivas, aceitamos todos!”, brincou-se lá dentro. Acabam o ensaio pouco depois das onze. Saímos da sala e a música de bandolins e bombos continua a ecoar das salas pela noite fora.