A Tun’Obebes carrega consigo o título de primeira tuna feminina da Universidade do Minho. O grupo faz música há 25 anos e a data será celebrada no festival Serenatas ao Berço, em Guimarães.

“Para nós, é um motivo de orgulho saber que há 25 anos houve mulheres que tiveram força para criar uma tuna feminina num mundo que era só de homens”. Na sala de reuniões da tuna, uma folha de jornal a preto e branco exibe orgulhosamente uma notícia sobre o grupo cultural. Carolina Madureira, magíster da Tun’Obebes, sorri. Há 25 anos, Guimarães via nascer a Tun’Obebes, a primeira tuna feminina da Universidade do Minho.

Tun'Obebes

Hélio Carvalho/ComUM

Na parede, várias fotografias com história ornamentam a sala de reuniões. A “família” da Tun’Obebes nasceu em 1992-93 e desde aí os membros que fazem parte do grupo permanecem “irreverentes”. Carolina, ou “Tubaralhas-me”, como é conhecida na tuna, brinca: “somos um bocadinho mais javardonas”. É o estado de espírito que se vive no grupo. Trabalho à parte, a divertir também se faz música. A árvore cronológica  percorre os anos. As mulheres nas fotos foram importantes na história da criação e continuação da tuna, e espalham-se pela parede da sala decorada. Tal como Carolina, também Beatriz Costa está sentada no sofá da sala de reuniões, onde normalmente as tunantes se juntam para dar vida à Tun’Obebes.

“É muito complicado arranjar pessoas para vir e que se mantenham”. Beatriz, de nome de tuna “Bossa”, é rápida a apontar as dificuldades da tuna. E Carolina completa com o que é óbvio. “Nós estamos numa escola de Engenharia, poucas mulheres…”.

Mas 25 anos depois, ela ainda existe. E porque 25 é um número muito grande para um balanço, a magíster fala do último ano que passou. “Temos agora reunido um grupo muito coeso. O Serenatas ao Berço será o culminar de um ano, em termos musicais, muito bom”.

São muitos os grupos culturais da Universidade do Minho. Contam-se atualmente cerca de 20 grupos e todos têm lugar na academia. Mas nenhum é igual, nem esta tuna. “Bossa“ não desvaloriza as outras duas tunas femininas na academia, e apesar de em Braga também se fazer boa música de saia e saltos altos, aqui elas mandam. “Não estamos em Braga, aqui somos as únicas. E somos um bocado diferentes. Acho que, tanto como a Tun’ao Minho e Gatuna, não somos o mesmo género, nem entre elas as duas são do mesmo género”.

Estilo musical, entenda-se aqui, porque falar da Tun’Obebes também é falar do estilo de traje. O negro predomina, mas a cor de tijolo caracteriza estas tunantes de Guimarães, presente nos botões da saia e no casaco; nas caloiras, bermudas cor de tijolo também. A engenharia, assim, não fica esquecida. E há ainda outros símbolos de caloira, tal como o biquíni ou fato de banho por baixo do vestido. Há que se estar preparado para mergulhar noutras águas, porque vida de tunante não é uma vida monótona.

A sala de reuniões está entre duas tunas. Uma de engenheiras, outra de engenheiros. Nas paredes veem-se caixas de ovos, para atenuar o som das salas de ensaio. Mas mesmo assim, as vozes da Afonsina ressoam aqui sala, ensaiam a “Lenda da Fonte”. Do outro lado, a Tun’Obebes aquece as vozes e afina os instrumentos.

É ao som desta harmonia que Beatriz explica as reações às atuações fora da academia minhota, e uma brincadeira comum aos grupos minhotos que pelo país passam. “As pessoas gostam muito de brincar com o tricórnio, o ‘chapéu de três bicos’, e, quanto aos públicos, temos sempre um feedback muito bom”.

Mas desta vez ficam em Guimarães, e não preparam nenhuma viagem. Não há nenhum festival em vista, pelo menos fora da cidade. Aqui nasce o Serenatas ao Berço. E há que prepará-lo.

Tun'Obebes

Hélio Carvalho/ComUM

25 anos de serenatas

Os cartazes das edições anteriores do festival realizados pela Tun’Obebes dispõem-se pela parede da sala. É o Serenatas ao Berço e teve início em 2004. O festival terá lugar, pela primeira vez, na sala principal do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.

“Vamos ter uma atuação com a Opum Dei, que são os nossos padrinhos. É uma surpresa que já pode ser divulgada”, revela Carolina. O anúncio entretanto saiu nas redes sociais. Depois da ausência do festival em 2017, as expectativas são grandes para este ano. Uma atuação com a Afonsina foi também uma promessa feita pela magíster, e, entre risos, admite mais uma surpresa. “Vamos estrear um original, que já não acontecia desde o primeiro e único original que a Tun’Obebes tem, que data de há uns 20 anos atrás, provavelmente”.

As expectativas de “Tubaralhas-me“ estão altas, e não tem elogios suficientes para elogiar o seu festival. O cartaz da 11.ª edição do festival da Tun’Obebes já foi divulgado. Os dias escolhidos são 20 e 21 de abril, no Largo da Oliveira e no grande auditório do Centro Cultural Vila Flor, respetivamente. O primeiro dia será noite de serenatas, enquanto que o segundo será noite de espetáculo. Este contará ainda com a Tuna Académica Feminina da Universidade de Évora (TAFUÉ), EST’es La Tuna Feminina, da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, Tuna Feminina do IPCA (TFIPCA) e C’a Tuna aos Saltos, Tuna Médica Feminina da Universidade da Beira Interior. A atuar extraconcurso, estará a já referida Afonsina (Tuna de Engenharia da Universidade do Minho) e a Tuna Universitária do Minho. A apresentação ficará a cargo da Opum Dei, a Ordem Profética da Universidade do Minho.

Ao som do ensaio, Luana Lima, “Rosinha” na tuna desde 2016, fala entusiasmadamente sobre o espetáculo. “Será um grande festival, tem tudo para correr bem e tem-se estado a trabalhar para isso”. Há o desejo, comum a toda a gente que se mete no desafio de organizar um festival de tunas: encher a sala. O XIII Cidade Berço, o festival da Afonsina realizado no início de março (e no qual a Tun’Obebes atuou nas serenatas), é tomado como comparação. Superaram-se as expectativas e encheu-se a sala de espetáculos principal do Vila Flor.

“Tubaralhas-me” e “Bossa” têm esperança de que isso volte a acontecer, desta vez com o Serenatas ao Berço. Mas se as expectativas foram superadas no Cidade Berço, Beatriz prefere ser mais realista. “Nós gostávamos de ter uma sala bem composta como eles [Afonsina] tinham, pelo menos encher primeira a plateia. Para nós, já seria muito bom, porque nas edições anteriores nunca enchemos a sala. E este ano apostamos numa coisa muito maior e muito melhor a nível de qualidade. Visto que nós começamos a ter melhor qualidade a nível musical, também esperamos ver isso melhor compensado na plateia”.

Sobre a plateia, há dúvidas; sobre a qualidade, nem perdem tempo a responder. “Vêm tunas muito boas, por isso, o espetáculo efetivamente vai ser o melhor que tivemos até agora”. Assim apresentam o XI Serenatas ao Berço, que depois de um ano de férias, volta para dar música a Guimarães.

Novo som para brindar ao berço

O edifício 18 do campus de Guimarães acolhe todas as semanas os ensaios da Tun’Obebes. O festival está a chegar. Com ele, os ensaios ganham outro nervosismo. No primeiro andar, as tunantes chegam mais cedo para ensaiar a coreografia. A pandeireta está segura na mão, mas dança por todo o corpo e faz ecoar música pelos corredores escuros do edifício. Enquanto se espera pela hora marcada, é tempo de descontrair. Porque diversão também é espetáculo.

21H30. A sala de ensaios está cheia, e não só de pessoas. As cadeiras servem de apoio às guitarras e demais instrumentos de cordas que se espalham pela sala. O símbolo da Tun’Obebes preenche uma parede pintada de cor de tijolo. Nela lê-se: “Enfeitiçadas noites de luar / aqueceram os beijos de um amante / quando reinavam os sons de um cantar / sementadas sob capas de estudante”. O  orgulho é um sentimento sempre presente na vida de tunante. “Vamos, pessoal!”. E a música começa.

A nova música original do grupo é a rainha da noite. É preciso treinar, opinar e ouvir. A canção, que será apresentada no Serenatas ao Berço, é repetida várias vezes. Há sempre novas opiniões, maneiras diferentes de consolidar o ritmo, instrumentos que deveriam sair e instrumentos que deveriam entrar. O sentimento perfeccionista não abandona a sala.

Tun'Obebes

Hélio Carvalho/ComUM

“Mais um vez”. “Não fica bem”. “Está melhor”. “Assim não gosto”. “Adorei os pratos, estão muito fixes!”. Tocam a “Bella Ciao” da moda, substituem por “Tun’Obebes”, para descomprimir. “Vamos voltar à terra, pessoal!”. Voltam a concentrar.

O ensaio é quase só uma música, mas mais dormem no cancioneiro. No canto da sala, um grande quadro de ardósia recorda, em giz, as numerosas músicas tocadas pela tuna. Desde clássicos da música portuguesa, a canções tradicionais populares. Entre títulos muito conhecidos, sobressaem-se as letras de algumas canções. Já na parede da frente, um outro quadro, também de ardósia, regista o take-away de instrumentos por parte das tunantes.

E nesta sala reinam sons de um outro cantar, o cantar da Tun’Obebes. A frase que pinta a sala a negro soa como um poema a quem o lê, o mesmo que se espera que aconteça a quem ouve as músicas deste grupo cultural.

A voz e os instrumentos fazem a música. Já os olhos estão dispostos sobre as mãos da ensaiadora, Filipa Torres, que articula no ar de forma lenta. Os olhos seguem as mãos e as vozes seguem os gestos. Mais alto, mais baixo. Mais agudo, mais grave. “Estão a correr”. Bate palmas para pôr o resto no tempo certo. Tudo isto faz “Phedinte”, como é conhecida Filipa na tuna. Entrou no 1.º ano, em 2014, como caloira, e lá consegui conciliar tudo. “Quando entrei para a universidade nem sequer sabia o que era uma tuna, e então eu vi um cartaz a publicitar os ensaios e eu vi ‘tem a ver com música, eu vou’”. E cá está. Quase quatro anos depois, faz a música, e a tuna, seguir os seus movimentos.

Uma grande clave de sol na parede da sala de ensaios relembra a todas o motivo da sua presença. É de música e com música que fazem o seu trabalho valer a pena. Mas entre pausas e opiniões, há tempo de soltar uma piada. É mais que notas musicais ou instrumentos que fazem o grupo reunir-se todas as segundas e quartas-feiras. É também o ambiente que se vive durante a criação da arte de fazer música.

Entram o acordeão e o tambor. Muda-se o ritmo, calam-se as vozes, começa o ensaio de uma música instrumental. Pára. Dão-se opiniões, afinam-se instrumentos, conta-se até três. Recomeça.

Quando chega a hora de terminar o ensaio, os instrumentos voltam ao seu lugar, o quadro do take-away ganha adeptas. “Correu bem, pessoal!”, alguém diz, e arranca sorrisos. O ensaio pode ter terminado, mas a música ficou na cabeça de quem tem orgulho de colaborar com esta tuna. É assim há 25 anos. Prepare-se as velas.

Tun'Obebes

Hélio Carvalho/ComUM