Há uma certa aura de nostalgia que cobre o filme. Uma nostalgia que nos lembra da impermanência da vida e da fugacidade da memória. Fala-se de morte. O que hoje existe, um dia já ninguém vai lembrar. E é com isto em mente que JR e Agnès Varda fazem a sua arte, através do retrato de rostos anónimos. Este projecto é um hino à verdadeira capacidade da fotografia. Pela sua vertente contador-de-histórias, “Faces Places” tem a capacidade de tocar corações e aproximar pessoas.
Apresentar o mundo, não como Hollywood o vê, mas como realmente é. Foi esta a missão de Agnès Varda e JR. Estes dois são na verdade um encontro improvável que é curioso não ter ocorrido mais cedo. De gerações diferentes, mas amor igual pela imagem, decidem espontaneamente fazer um projecto juntos. Partem numa carrinha que funciona como photobooth e viajam, sem plano ou itinerário, pelo mundo rural de França. O objectivo é encontrar novos lugares e com eles novos rostos, para os retractar e os fazer resistir à memória.
Ao longo da jornada vão ao encontro de pessoas comuns, ouvem as suas histórias, fotografam-nas e colocaram-nas em fachadas de casas, contentores de navios, fábricas ou carruagens de comboios. Tudo vale para contar a vida por trás do rosto e decorar o lugar com a sua própria história. Agnès e JR prestaram tributo e homenagem, a vidas tão diversas como a de antigos mineiros, de uma aldeia fantasma e de um agricultor solitário.
O mais delicioso é que quando o realizador nos revela o trabalho final da colagem, há sempre um efeito surpresa, um cair de queixo. Em cada projecto fica uma mensagem, um hino à audácia, à resistência, ao trabalho ou à própria velhice.
Também os protagonistas desta aventura são especiais pela sua improbabilidade. Agnès e JR são duas peças de puzzle que nunca diríamos que encaixam juntas, mas a verdade é têm a química certa. JR é uma pessoa muito característica, com o seu chapéu e óculos escuros que nunca retira. É relativamente novo na arte da fotografia e tem esse entusiasmo próprio de começos. Enquanto Agnès já tem uma longa carreira cinematográfica e está bem consciente que a hora da morte a espera, não dali a muito tempo.
As imagens do trabalho dos dois intercalam com outras que nos mostram esta amizade improvável. A relação é divertida de ver em ecrã e ao mesmo tempo transparece o mútuo respeito que sentem um pelo outro.
Também a própria filmagem teve um cuidado estético que não é tão comum no estilo que representa. Há uma excelente disposição de elementos cénicos. Algumas frames são de grande beleza, dando-nos vontade de fazer delas uma fotografia isolada. Destaco particularmente, a decisão de vermos quase sempre a conversa dos protagonistas através de um plano de costas, com o dueto sentado num qualquer banco de jardim. Este facto difere muito da maneira tradicional de filmar uma conversa e dá-nos a sensação de mais veracidade, como se estivéssemos presentes a ouvir um diálogo alheio.
Nesse sentido, posso dizer que tudo na jornada destes dois sabe a verdade e é um autêntico comprimido de inspiração. Ver o encontro na arte de duas gerações de artistas num filme tão bem recheado, é um privilégio.
Este documentário tem um charme que o tornará intemporal. Recomendo-o a todos os amantes de fotografia, para se inspirarem na forma como a arte conta histórias para que o tempo não as leve tão cedo.
Título: Olhares, Lugares
Título Original: Visages,Villages
Género: Documentário
Realizador: JR e Agnès Varda
Argumento: JR e Agnès Varda
Produção: Rosalie Varda, Oliver Père, Julie Gayet, Nichole Fu, Etienne Comar, Charles S. Cohen e Emile Abinal.