Dia 11 de maio voltam as Monumentais Serenatas do Enterro da Gata ao Largo do Paço, em Braga. O Grupo de Fados e Serenatas da Universidade do Minho ensaia a nostalgia dos finalistas e a saudade de quem os vê partir, mas com um sentimento de respeito amargo na voz.
São como andorinhas, vestidos de preto e branco. De tempo a tempo voltam ao beiral académico e enchem Braga e Guimarães de saudade e nostalgia. A seu tempo, o Grupo de Fados e Serenatas da Universidade do Minho (GFSUM) canta pela justiça e o Fado de Coimbra.
Nas emblemáticas Serenatas Velhas, as que dão início à Receção ao Caloiro, em Guimarães, juntam-se no centro da cidade e passeiam de charret. É com vozes graves, de guitarras portuguesas e violas, que se faz silêncio no Berço de Portugal. “O apogeu das nossas atuações é nas Serenatas de Guimarães, partindo do respeito dos alunos pela atuação até ao formato do evento que é uma volta de charret”, conta Pedro Paredes.
A estreia do GFSUM fez-se há 16 anos, onde atuaram juntos no Enterro da Gata . Não deixou de ser “uma atuação icónica” para o grupo. Este ano, no dia 11 de maio, o grupo volta a protagonizar as Monumentais Serenatas do Enterro da Gata, que se realizam como é habitual no Largo do Paço, no coração da academia minhota.
Atualmente, que importância terão estas serenatas? “Isto não pode ser importante só para nós. Aliás, nós somos ex-alunos e nós já estivemos do outro lado, nós já assistimos a serenatas. É importante, mas essa importância perdeu-se ao longo dos anos”, conta o grupo.
A cobertura do ComUM sobre as Serenatas Velhas de 2017 pode ser vista aqui, e sobre as Monumentais Serenatas aqui.
Contudo, poucos são os estudantes que apreciam cada acorde, cada nota musical, cada fado e cada balada. Diz-se que há muitos estudantes que “vão ver a serenata só porque sim”, combinam e vão lá “beber um copo”. E é aí que o grupo se questiona. “É assim, nós não somos contra a praxe, mas há cursos em que a serenata está a decorrer e os cursos continuam a praxar e a fazer berros e a gritar. Ou seja, que respeito vamos ter nós também por isso? É importante para quem? Para nós? Para academia?”.
O silêncio não é rompido apenas nas serenatas. Desde há dois anos que o grupo tenta que as Serenatas estejam separadas do Velório. Segundo Pedro Paredes, tentam incansavelmente que a organização os oiça, que tudo volte ao que era antes. “Nós já sugerimos uma alteração, falamos com a anterior direção e falamos com esta de haver uma alteração do sítio onde é feita a serenata e o sítio onde termina o velório, visto que o velório termina no mesmo sítio onde é a serenata”. Dos fadistas, saem farpas afiadas para todos os lados, e a própria Associação Académica não sai ilesa. “A entidade que organiza também deve cultivar o respeito perante as pessoas que estão lá”.
O Grupo já atuou para outros seios estudantis e ninguém se comporta como os estudantes minhotos. Em Barcelos, Viana do Castelo, Ponte de Lima, Porto e Vila Real os estudantes comportavam-se a rigor. “Muito mais silêncio, muito mais respeito”.
O Grupo de Fados e Serenatas pede silêncio. A Papa voltará a subir ao palco, e pedir que assim se faça. E corretas ou não, únicas ou desrespeitosas, a verdade é que as Monumentais Serenatas do Enterro da Gata não são o sítio para se ouvir silenciosamente o fado. Chora-se com a despedida, mas não com a Balada. Diz-se adeus ao Minho encantador, mas sem saber a letra.
Filho bom a casa torna
Entramos na sala de ensaios da Augustuna, debaixo do Bar Académico (BA), num cantinho, e o grupo já está lá. Afinam-se as muitas e difíceis cordas da guitarra portuguesa, com o viola a acompanhar. A capa ainda não está traçada; isso fica para mais tarde.
Surgiram como alunos da Universidade do Minho, em 2002. Para o público apresentaram-se pela primeira vez no Enterro da Gata e têm como presidente Pedro Paredes. Poucos anos após a sua estreia integram o grupo Jaime Leite, um dos fundadores e antigo membro da ARCUM (Associação Recreativa e Cultural da Universidade do Minho), juntamente com Vitor Barreto, outro elemento que tinha saído da associação
Nasceram na Universidade do Minho, mas pouco tempo depois abriram as portas a alunos de diversas academias: Universidade do Porto, Universidade Trás-do-Monte e Alto Douro e Universidade de Coimbra. São um culminar de minhotos que regressaram ao ninho. Juntam-se todas as quartas, naquela sala de ensaios no canto do BA.
As quartas académicas para estes oito ex-estudantes começam às 22h. Colocam de parte a família, o trabalho e a vida pós-estudantil. Recordam memórias, falam dos filhos e dos netos. Ensaiam, até porque “os ensaios são para praticar e corrigir os erros”.
Reúnem-se numa sala de lâmpadas fundidas e ligeiramente pequena para oito homens: quatro cantores (Miguel Rego, Jaime Leite, Vitor Barreto e Filipe Martins) e quatro instrumentistas, dois na guitarra portuguesa (Fernando Faria e Sérgio Lucas) e dois na viola (Pedro Paredes e Jorge Pinto).
Soam as guitarras portuguesas, sente-se a dor e a nostalgia em cada nota. A saudade das Serenatas é ensaiada aqui, desde a mítica “Balada da Despedida do 5.º Ano Jurídico”, ao “Adeus, Minho Encantador”. As vozes ecoam nas paredes velhas da sala, como voltarão a ecoar pelo Largo do Paço. “E seu eu nunca mais voltar / deixei os meus olhos a chorar / num adeus à despedida”.
Aos olhos de uns são um grupo fechado, mas aos seus olhos não. “É muito complicado alguém entrar para o grupo porque não é fácil arranjar alguém que cante bem fado, alguém que toque bem guitarra portuguesa”, explica Pedro Paredes.
Consideram que “cada grupo tem o seu propósito”. Para eles, as tunas servem para divertir o público, os Jograis contam piadas sátiras. E depois, existem eles, para levar o Fado de Coimbra a todos.
Cantar o Fado de Coimbra difere de cantar o Fado de Lisboa. São precisas vozes graves para ao ar livre abordar o amor, a saudade e a nostalgia. Não ficam de fora as Baladas Sociais, onde são abordados temas sociopolíticos.
De Coimbra surge o seu nome. “Existe muita diferença do fado de Coimbra para o fado. O fado de Coimbra é o fados dos estudantes, já não é só o fado de Coimbra. Era o fado de Coimbra porque Coimbra era a cidade dos estudantes. Portanto, passa a ser um fado ligado às academias”, explica Jaime Leite. Coimbra reunia em si todos os estudantes, incluindo o próprio Jaime Leite, natural de Braga, que foi estudante de Coimbra.
Explicam que o fado de Coimbra é mais grave. Mais soturno. Mais nostálgico. Não é fado de se cantar nas tasquinhas do Bairro Alto ou de Alfama; é fado de se chorar de capa traçada.
E é de capa traçada, sob o fato preto, que Coimbra se prepara para voltar ao Minho.
O grupo que quer dar tristeza ao Theatro
Ao longo de 16 anos o Grupo de Fados e Serenatas da Universidade do Minho envolveu-se em alguns projetos. “Para academia só temos duas atuações as Serenatas Velhas em Guimarães e as do Enterro”. Com três anos de existência lançaram o disco “Tons de Sépia”. “Sem originais, mas com adaptações nossas dos fados”, explicam.
Acreditam que “no Norte e no Minho, especialmente, não há assim muitos grupos de Fado de Coimbra”. E é com este mote que decidem trazer o Fado de Coimbra a Braga. “Serenatas ao Fado” foi o nome do espetáculo que nos anos de 2008, 2009 e 2010 lotou o Theatro Circo.
“Tiramos o pó a algumas cadeiras do Theatro Circo”, conta Jaime Leite. Para o espetáculo decidiram convidar “vários grupos de fados” assim como, o Orfeon Académico de Coimbra.
É com este espetáculo que encheram o teatro com “os grandes cantores da antiguidade”, como Jaime Leite expõem. “Conseguimos trazer aqui os grandes cantores da antiguidade, alguns agora mortos, e até o Almeida Santos, que foi Presidente da Assembleia da República, cantou aqui. Trouxemos a malta do velho fado de Coimbra”. Os patrocínios foram a sua grande ajuda, em palco reuniram cerca de 200 pessoas.
Sentem-se afastados da academia, até “porque as idades já não ajudam a conviver com o pessoal da universidade”. Mas os projetos não param. Há a ideia de um novo álbum “Estamos mais inclinados para o que seria um álbum de estúdio com originais nossos”. E surge também a vontade de honrar as casas cheias, e reeditar o “Serenatas ao Fado”.
“É altura de facto de fazermos outro, estamos a oito anos de distância do último, seja em Guimarães, ou noutro sítio qualquer, onde nos apoiem melhor”, conta Jaime Leite. A vontade permanece ultrapassando qualquer dificuldade, até porque “o Theatro Circo paga-se e não é barato”, continua.
O Grupo de Fados quer de volta o Theatro Circo. Aqui, palco de festivais de tunas e de récitas da academia, falta o fado. A guitarra portuguesa da Universidade do Minho deixou de soar debaixo do candelabro. Mas o grupo não desiste.
Em vésperas de Monumentais Serenatas, espera pelo silêncio. Pela típica saudade estudantil. O finalista prepara-se em casa, com o Youtube aberto, e a “Balada da Despedida” ensaiada nas lágrimas. O Grupo de Fados e Serenatas da Universidade do Minho prepara o retorno aos muros de sempre. “Silêncio, que se vai cantar o fado”.