Princess Nokia revitaliza o catálogo com um lançamento bastante diferente. A Girl Cried Red é o retrato do passado mais emo da rapper, mas de uma forma bastante incompleta.

Princess Nokia é o pseudónimo musical da rapper norte-americana, com ascendência porto-riquenha, Destiny Frasqueri. Habitante de Nova Iorque desde uma tenra idade, começou a carreira em 2014 através da mixtape Metallic Butterfly. Em 2017, a artista lançou 1992 Deluxe, uma expansão da EP 1992, lançada um ano antes. Foi graças a este projeto que, catapultada por uma receção crítica bastante positiva e por uma vasta adesão do público, Princess Nokia ganhou notoriedade. Desde então, a artista norte-americana multiplicou as aparências em grandes festivais, sendo, inclusive, uma das mais recentes confirmações no Super Bock Super Rock.

Nokia

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1992 Deluxe expandiu a sonoridade bastante ligada ao hip-hop de Nova Iorque dos anos 90, com algumas músicas a terem clara inspiração em figuras míticas do género como Tupac. Temáticas como a multiculturalidade presente na cidade, a adolescência problemática da artista que  nunca se sentiu integrada na escola devido às origens latinas, a ligação com a corrente goth e com o tráfico de drogas ou até body positivity foram abordadas neste projeto e estabeleceram um lugar para Nokia no panorama do hip-hop contemporâneo.

No início deste ano, a rapper nova-iorquina comunicou aos seus fãs que queria lançar uma mixtape sobre estar “completamente destroçada e uma confusão”, quebrando a “fachada de que toda a gente tem as coisas todas sempre arranjadas”. A 13 de abril, o mundo pôde finalmente observar este projeto em completo: A Girl Cried Red. Com uma EP bastante curta, contando apenas com 20 minutos de rodagem distribuídos ao longo de 8 faixas, Nokia procurou enveredar pelas raízes das estéticas goth, emo e punk que já tinha explorado de forma subtil ao longo do seu disco anterior.

Logo na primeira música “Flowers and Rope”, percebemos que estamos perante algo radicalmente diferente de 1992. Guitarras acústicas acolhem a estranheza inicial antes de sermos atingidos por uma onda inesperada de versos sobre a solidão, suicídio, automutilação e depressão, onde Nokia canta na sua maioridade. É uma faixa bastante emotiva, que prima pelo choque que causa tanto aos fãs como a quem nunca ouviu nenhum dos projetos anteriores da rapper. Mas também começa a dar indícios de alguns problemas que vão ser realçados ao longo da EP, como, por exemplo, a presença vocal de Destiny.

Se das poucas vezes que Princess Nokia cantava ao longo de 1992 apontavam para este não ser das suas melhores armas, canções como “Flowers and Rope”, “Little Angel” e “Morphine” salientam a sua dificuldade em se adaptar a certos estilos e sonoridades. Esta última, “Morphine”, acaba por ser talvez dos momentos onde se atinge o ponto crítico em faixas que parecem demos que não chegaram a ser concluídas. Consiste em apenas um gigante e melancólico verso, repetindo a frase “Smash my heart in pieces, it looks so good on the floor” que serve como leitmotiv da música “Your Eyes are Bleeding”, mas que apenas atinge o efeito de uma mensagem inacabada e desaparecida durante o resto da EP.

Por falar em coisas que parecem fora do lugar neste projeto, “At the Top” parece mais retirado de 1992, optando por um instrumental agressivo e mais similar com o estilo “banger”. Com isto dito, não é que seja uma faixa má ou subpar, é até das melhores faixas do EP.

“For the Night” é a faixa mais longa, e, apesar de possuir um instrumental sólido e um refrão bastante capcioso, acaba por ser bastante próxima daquilo que já ouvimos num passado recente tanto a nível sonoro como lírico, rasando o estilo que inunda a nova EP de The Weeknd. “Look Up Kid” arranca com todo o furor de uma entusiástica guitarra e uma batida muito mais rock do que qualquer outra coisa que Princess Nokia nos apresentou no passado. Transmite a energia única da rapper num registo que a favorece, tocando bastante na sua vida para transferir esperança e compaixão para o ouvinte.~

Mas acho que a faixa que melhor representa a EP é “Your Eyes are Bleeding”. O conteúdo lírico é possante e verdadeiro, ditado por uma presença melancólica, mas ao mesmo tempo suave da norte-americana. A batida trap que acompanha os versos, coloca-os no meio-termo entre os seus projetos anteriores e esta nova direção.

A Girl Cried Red é um passo arriscado na carreira de Princess Nokia, mas um gesto que devia de ser aplaudido. São raros os artistas que se sujeitam a uma mudança tão radical no estilo a partir do momento em que atingem sucesso comercial. É uma EP cheia de falhas e incompleta, mas sobretudo, é um projeto no qual Destiny imprime algum do entusiasmo, força e presença contagiante. É algo que foi feito por ela para honrar a música que ela gosta, e não apenas um ato para uma audiência específica.

Não é coerente, não é completo, é afiado nas arestas e até algo feio por vezes. Mas a experimentação devia ser um objetivo principal numa indústria musical tão saturada por tropos e pela limitação das direções criativas nos mais variados ramos. Princess Nokia está, pouco a pouco, a tornar-se numa artista mais competente e experiente. Nem que para isso tenha de cometer erros.