Tiago Bettencourt abriu o palco da última noite do Enterro da Gata. “Não estava à espera que estivesse tanta gente a cantar as músicas”.
Pela primeira vez na carreira a solo, Tiago Bettencourt atuou no Enterro da Gata. O concerto do músico português abriu o palco da última noite no recinto da alameda do Estádio Municipal de Braga. Após ter sido muito bem-recebido pelo público minhoto, houve ainda tempo para o artista conversar acerca da carreira, do novo disco e da surpresa que sentiu em palco.
Já tocaste nas comemorações dos 40 anos da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM), em dezembro, mas nunca antes a solo no Enterro da Gata. O que achaste?
Tiago Bettencourt: Fiquei contente. Vinha um bocado desconfiado, não estava muito à espera que estivesse tanta gente a cantar as músicas. Tanto que vínhamos com o chamado “alinhamento para bêbados” (risos) que é um alinhamento com muito rock, onde tentámos ir buscar as nossas músicas um bocadinho mais mexidas. E eu ali a meio do espetáculo estava a pensar “Pá, se calhar tínhamos de ter tocado umas mais calminhas para eles cantarem.” Ficámos muito felizes de estar cá e das pessoas cantarem as músicas todas, foi giro.
O teu último álbum “A Procura” tem sido um sucesso. Qual foi a tua maior inspiração quando o estavas a preparar?
Tiago Bettencourt: Foi descobrir uns teclados de sons que me fizessem sentir uma melancolia e uma recordação. A diferença foi que no penúltimo álbum (“Do Princípio”, 2014) eu comecei a utilizar sintetizadores e fazia e criava sons de raiz. Neste último álbum fui buscar sons a teclados antigos, dos anos 80 mais ou menos. Ou seja, tu sentias que já tinhas ouvido aqueles sons em algum lado, não sabes bem onde. E a ideia foi usar um bocado aquilo que esse som me fazia sentir para trazer determinadas emoções às canções. E isso foi muito divertido.
Há quem diga que este álbum tem uma escrita mais íntima e pessoal. Concordas?
Tiago Bettencourt: Não, acho que é igual aos outros. As motivações são mais ou menos as mesmas. É possível que esteja a escrever de maneira mais direta, ou seja, desde que eu comecei com os Toranja até agora, a minha escrita foi simplificando cada vez mais. Mando mais piadinhas, não são piadas óbvias, mas uso mais humor. Por exemplo, a música “Maria” é um bocado uma piada, é meio sarcástica. E, por isso, deixei de usar aquelas metáforas muito rebuscadas e comecei a cantar coisas mais diretas. Se calhar por aí parece mais pessoal, mas tem a haver com a evolução da minha escrita, porque os assuntos são exatamente os mesmos.
Já fazes música a solo há mais de 10 anos. Notas alguma diferença no teu processo criativo de agora quando o comparas ao de quando começaste?
Tiago Bettencourt: Agora está um bocadinho mais doloroso, acho eu. Era mais natural antes, hoje em dia já fiz tanta coisa e tantas canções que não quero repetir. E, no princípio, tinha tudo por descobrir. Hoje em dia, tenho de aprender mais acordes e como não sou grande coisa a tocar nenhum instrumento, sempre que aprendo um acorde novo na guitarra, faço uma música nova. Tenho de estar sempre em evolução, tenho de estar sempre a ouvir música, tenho de ver as coisas boas que são lançadas agora, ver filmes, viajar, sair de carro, arejar um bocadinho. Porque senão é muito fácil estagnar, e não quero fazer isso, quero estar constantemente a evoluir.
Por falar em viajar, no início deste mês publicaste umas fotos da tua viagem a Tóquio. Qual foi o maior choque cultural que experienciaste por lá?
Tiago Bettencourt: O que mais me fascinou em Tóquio foi o respeito que eles têm uns pelos outros. Foi perceber que é possível existir em sociedade de maneira muito simples e muito cívica. E depois chegar cá a Portugal e perceber que nós estamos tipo 100 anos atrasados, e Londres que está 50 anos à nossa frente, está a 100 anos atrasados em relação à humanidade que o Japão tem. As pessoas dizem “Ai e tal, eles são robôs”, mas não são nada. Acho que as pessoas têm de lá ir para perceber como é que era respeitar-nos uns aos outros e termos imensa consideração pelo espaço dos outros. E esse foi o maior choque que eu tive e estou cheio de vontade de voltar lá amanhã. Se eu cantasse em japonês, ia para lá viver. Fiquei mesmo completamente fascinado com o “Ok, estes gajos já chegaram aqui”.
Podemos esperar influências de música oriental nos teus próximos trabalhos?
Tiago Bettencourt: Normalmente, em viagem, levo uma guitarrinha pequenina, mas não levei. Levei o iPad e o teclado, por isso fiz uns instrumentais assim eletrónicos. Como tinha gravado este álbum, não havia necessidade de escrever canções, mas não sei se, quando eu começar a escrever, vai acontecer alguma coisa. Mas, se calhar mais esta parte humana que eu aprendi e de ter a noção das coisas que estão a funcionar mal neste país. É uma coisa péssima, uma pessoa estava mais feliz quando não tinha noção. Agora, de repente, parece que percebi o “Matrix” (risos).
O que se pode esperar do Tiago Bettencourt no futuro?
Tiago Bettencourt: Espero que nada. A minha ideia é que me deixem sempre mudar e que não prendam a minha imagem, que é uma coisa que eu sofro muito. Ainda hoje sofro muito com o primeiro carinho que me puseram na “A Carta”. Eu sei que não vou a alguns festivais mais alternativos, não por causa da música que eu faço, mas porque acham que eu sou um artista comercial. É um bocado chato e é sinal do país pequenino onde vivemos. Dou sempre o exemplo dos Los Hermanos, que é uma banda incrível brasileira, de quem conhecem a música “Anna Júlia”. Eles fizeram essa música e depois fizeram mil outras músicas geniais. O resto do mundo não reparou nisso, mas o Brasil reparou. O Brasil está-se completamente marimbando para a “Anna Júlia” e eles cantam as músicas todas deles, do início até ao fim. E isso cá não acontece. É um país muito pequenino, muito invejoso. Se tu tens sucesso, dizem logo “Este não devia ter tido sucesso”. Especialmente se te chamas Bettencourt e acham que és nobre e acham que és riquíssimo, ou lá o que eles acham. E isso estraga um bocado um artista. Eu sei que ainda sobrevivo, não graças à imprensa, mas graças às pessoas que gostam de mim, como o público que estava aqui. Acho que esses se mantêm mais ou menos abertos e espero que sejam críticos também. E que se eu começar a fazer porcaria, eles não venham aos concertos (risos) e que não gostem de tudo que também é importante.