Year of the Snitch é o sexto álbum do trio californiano Death Grips, lançado mesmo a tempo de celebrar o 69º aniversário de Linda Kasabian. Este novo puzzle sónico de 13 faixas leva-nos, mais uma vez, por uma viagem pelos mais variados géneros musicais.
Descrever a sonoridade de Death Grips é uma tarefa bastante complicada. O trio proveniente da Califórnia é frequentemente descrito como uma banda de hip hop experimental, mas ao longo dos seus seis álbuns, mixtapes e EPs, géneros como punk, rock, hardcore, metal, eletrónica, techno e até hip-hop industrial marcaram presença no catálogo auditivo do grupo.
Precisamente pela capacidade de se reinventarem a si próprios, de projeto para projeto, os Death Grips ganharam um lugar de destaque junto da crítica especializada e de muitos fãs. O trio é constituído por MCRide, nome artístico de Stefan Burnett, a voz deste projeto; Zach Hill, na bateria, produção e teclado; e Andy Morin na produção, teclado, baixo e sintetizadores. Em Year of the Snitch, o grupo colaborou com DJ Swamp, presente no gira-discos; Justin Chancellor, baixista dos Tool; Andrew Adams, diretor dos filmes Shrek e Shrek 2; e Lucas Abela, um artista conhecido por tocar vidro com a sua boca através de vários sintetizadores.
As primeiras pistas do álbum surgiram de forma relativamente normal para este grupo, conhecido por fazer puzzles, onde escondem vestígios sobre o próximo álbum, ou simplesmente nem avisam e lançam tudo de uma vez só. Meses após a promessa de um novo projeto, em 2018, um vídeo foi publicado com a lista das faixas incluídas no álbum. Isto, junto com múltiplas publicações crípticas no Instagram e a mensagem repetida no seu Twitter “Death Grips is online” criaram grande antecipação nos fãs.
“Streaky” foi a primeira faixa a ser lançada ao público. O instrumental eletrónico, algo estático, fez surgir algum medo por parte dos fãs inicialmente, mas posteriormente conquistou-os com o seu ritmo cativante e memorável.
Mas os Death Grips foram rápidos a apaziguar quem apreciava a sua sonoridade mais pesada e punk. “Black Paint” apresentou-se como um dos singles mais prominentes e interessantes, seja pelo seu instrumental estufado de detalhes que casam baixo com bateria, pelas samples de projetos anteriores da banda e pelas letras introspetivas que abordam assuntos como privacidade, a maleficia humana e o desejo de explorar os mais variados prazeres nocivos.
Seguiram-se, ainda, outros quatro singles. “Flies”, “Ha Ha Ha”, “Dilemma” e “Shitshow”. Cada um distribuído a conta-gotas, mantendo os fãs no máximo de espectativas até ao dia anterior ao lançamento oficial do álbum, onde o álbum foi vazado ao público numa leak feita pela banda, precisamente no 69º aniversário de Linda Kasabian, o “snitch” que é rumorado dar o nome ao álbum, sendo também referenciada nas faixas “Linda’s in Custody”.
“Linda’s in Custody” é das faixas mais calmas do álbum, com uma presença paranoica de sintetizadores e uma presença vocal abafada, agarrando quem está do outro lado na sua teia de violência e claustrofobia. A faixa que se segue no álbum é “The Horn Section”, que juntamente com “Outro”, serve quase como interludes instrumentais. Para aquilo que são, são bastante ridículos e experimentais, à sua maneira, mas não deixam de ser momentos de passagem.
Para aqueles que gostam precisamente da vertente mais experimental do trio, irão deleitar-se com faixas como “Flies”, “The Fear” e “Ha Ha Ha”. Num álbum normal, “Ha Ha Ha” seria facilmente a faixa mais estranha da discografia de uma banda com um instrumental inortodoxo e múltiplas mudanças na batida. Mas, em Year of the Snitch, encontramos também “Flies”, que apresenta a temática da morte sobre a luz da forma única de como as moscas digerem o seu alimento, com um instrumental igualmente nada convencional.
Mas a minha favorita deste grupo de canções terá de ser “The Fear”, que é definitivamente das músicas mais exóticas que ouvi, mesmo para Death Grips. Pautada por uma espécie de free jazz misturado com punk, Stefan aborda temáticas como o suicídio, o receio da morte e a fragilidade humana.
Em “Dilemma”, Stefan volta a abordar sentimentos próprios e até a sua relação com os admiradores da banda, num vestuário musical mais baseado no rock. “Little Richard” prossegue-lhe, como das músicas mais inesperadas do projeto, a vincar pelos seus fortes acordes sintéticos e a voz quase robótica, a estenderem-se ao longo de dois vibrantes minutos. Outra faixa igualmente curta é “Shitshow”, cujo valor está numa frenética performance na bateria por Zach Hill e na tremenda força e impacto da voz de Stefan.
E a verdade é que o grupo não tira o pé do acelerador. “Disappointed”, a verdadeira outro do álbum, não nos deixa nada desapontados. Atiram uma pedra a quem critica a banda por fazer música pouco convencional, indo muitas vezes contra tudo o que é normalizado pela indústria, porque o que o trio quer é fazer a música que deseja, sem saber do que as massas acham ou não acham.
“Death Grips is Online” empresta o seu nome da meme e mote que iniciou todo o caminho o lançamento de Year of the Snitch e é uma introdução ao álbum tão absurda como interessante. O seu ritmo viciante é acentuado pela flow do vocalista e por uns deliciosos teclados a forrarem a paisagem sinestésica.
A natureza complexa deste trabalho consegue tanto atrair como afastar pessoas que queiram conhecer a banda, bem como os estimados seguidores, e aí é que está a beleza de Death Grips. A forma como se reinventam, projeto após projeto, de uma forma a manterem a sua marca d’água em tudo aquilo que lançam, por muito que divirjam daquilo que já fizeram no passado.
Ainda mais prominente e fulcral é que os três membros da banda estão a aproximar-se dos 40, com múltiplos projetos já na sua bagagem e, mesmo assim, conseguem apresentar um dos seus melhores projetos, sem pecar na experimentação pela relativa acessibilidade deste álbum.
Certamente ainda iremos falar mais de Year of the Snitch ao longo deste ano, quer pelas constantes samples e referências escondidas na meia hora de rodagem do álbum, ou pelo seu uso de scratching, presente ao longo de todo o álbum, algo que já não ouvia neste estilo de música desde os 2000.
9/10
Death Grips
Year of the Snitch
2018
Third Worlds