O artista australiano lançou um turbilhão de emoções pela enchente que o foi ver. O concerto mais memorável desta edição tornou mesmo a chuva mais importante para o espetáculo.
Lágrimas, gritos, pulos. E o silêncio depois de tudo. O concerto de Nick Cave teve tudo e mais alguma coisa. Foi beijado e proclamado “deus” no meio da chuva por quem lhe conseguiu tocar na mão. Um espetáculo inesquecível marcou o último dia do NOS Primavera Sound, e a chuva ajudou a transformar o mítico cantor australiano num farol de emoção. Um profeta para os seus discípulos.
A enchente que já estava bem antecipada começava a chatear-se com a chuva intensa que se fez sentir durante toda a noite. Minutos antes da subida de Nick Cave a palco, os ânimos estavam algo tensos: puxavam-se guarda-chuvas que tapavam a visão, gritava-se e insultava-se. Um grupo de italianos bem lá na frente brincou: “ele é deus, quando aparecer, os céus abrem e a chuva pára”.
Dito e feito. Batem as 22h05, e não caía uma pinga. Entraram os The Bad Seeds, seguidos de um dos mais conceituados cantores modernos. Com o último álbum “Skeleton Tree” ainda bem tenso na memória do cantor, interpretou cada tema com uma energia imensa, aproximando-se sempre para as mãos das primeiras filas que tentavam a todo custo tocar-lhe.
Nick Cave retribuía. O público dizia que o amava, beijava-lhe as mãos e ele respondia sempre. Os temas apresentados estenderam-se desde clássicos como “Do You Love Me?” e “Red Right Hand” de 1993, a mais recentes como “Jubilee Street” e “Distant Sky”. Um dos momentos altos foi “Into My Arms”, uma música tocante em que Nick Cave foi o maestro do público que encheu o parque da cidade. Ora pedia silêncio, ora pedia que cantassem todos, e os 30 mil presentes cantavam em uníssono. No final da música, eram visíveis os olhos brilhantes de lágrimas espalhados por todo o lado.
Os momentos mais fortes, ainda assim, estavam para chegar. Nick Cave atirou-se para o meio dos seus fiéis, até chegar junto a uma plataforma no centro do recinto. Aí repetiu a fórmula, aproximando-se para que o tocassem, pedindo silêncio, palmas repentinas e que uma jovem lhe segurasse no microfone enquanto dançava.
Por fim, o concerto terminou com “Push The Sky Away” e Nick Cave repetiu o que já fizera no Primavera Sound de Barcelona. Foi pegando em pessoas à sua frente para subir a palco, e elas, chorando, foram subindo. Nick mantinha a mão dada em algumas. Chorava-se no palco, chorava-se no público, e as lágrimas tentaram empurrar o céu negro de nuvens.
Foi um concerto memorável, repleto de emoções fortes, não fosse o carisma e a presença do australiano contagiantes. No final, tudo parecia vazio. Estavam todos a digerir o que tinham acabado de ver e sentir.
Força do instrumental para afastar a chuva
Apesar de tudo, Nick Cave não foi a única coisa marcante do dia de sábado (o que demonstra o equilíbrio na programação organizada). Nick Cave & The Bad Seeds sugaram a energia quase toda ao recinto, mas ainda ouve The War On Drugs e Mogwai.
Mogwai fechou o palco principal nesta sétima edição do NOS Primavera Sound, e o concerto debaixo de uma chuva sem pausas foi uma bofetada de som potente. Os escoceses pouco falaram para além de agradecer, e o seu rock instrumental depois de Nick Cave, ora muito forte e orgânico, ora calmo e sereno, mandou as pessoas para casa satisfeitas.
(Pode consultar a cobertura ao dias 7 aqui, ao dia 8 aqui, e a entrevista a Moullinex aqui)
Já os The War On Drugs foram o maior concerto do dia no palco Seat. A banda voltou a Portugal depois de um concerto desinspirado em Paredes de Coura em 2016. Mas o novo álbum saído em 2017, “A Deeper Understanding”, proporcionou-lhes um novo fôlego.
O concerto passou por partes de improviso instrumental, mas foram mesmo as músicas do novo disco, como “Holding On” e “Strangest Thing” que puxaram o público para o meio da chuva e fora dos abrigos.
A chuva, apesar do ânimo dos festivaleiros e das capas impermeáveis distribuídas, deixou um ou outro concerto com um travo amargo. Vagabon, no palco Pitchfork, seria um concerto indicado para um final de tarde ao sol sentado, mas o concerto das 19h foi de chuva forte, e as músicas da banda algo desconhecida não foram recebidas da melhor forma.
As surpresas do dia foram Luís Severo, Kelela e Public Service Broadcasting. Nenhum destes nomes são completamente ocultos, mas a chuva e algum desconhecimento geral destes grupos não fazia prever palcos cheios. Luís Severo abriu os concertos no palco Seat, e o português acompanhado por banda (ao contrário do habitual, em que canta apenas com ajuda do piano) ia dando laivos de alegria e boa disposição logo a abrir.
A norte-americana Kelela atuou no palco Super Bock, e desfez-se em lágrimas. “Isto é muito tocante, não estávamos nada à espera disto, muito obrigado!”. O público estava ao rubro para o concerto da cantora R&B. Já Public Service Broadcasting voltaram a Portugal depois de passarem por Paredes de Coura em 2014, e a alegria, a dança, os sopros e as projeções que foram passando colmataram o problema de um concerto muito curto.
Destaque ainda para concertos de Metá Metá e Belako no palco principal. Os segundos vieram de Espanha, e ficaram surpreendidos com os moshes nas primeiras filas, com sorridos bem rasgados enquanto cantavam.