A alguns dias do XVI Vozes Sobre a Cidade, o CAUM reuniu-se para afinar as últimas notas. O espetáculo no Escadório do Bom Jesus é um dos últimos do ano, antes dos coristas partirem em digressão.
Estamos em julho. O período letivo na Universidade do Minho já acabou. Mas, no auditório A1 do Complexo Pedagógico 2, os elementos do Coro Académico da Universidade do Minho (CAUM) reúnem-se para mais um ensaio.
“Há concerto no sábado. E é um concerto muito importante”, começa Sílvio Cortez, maestro do CAUM. O grupo está sentado por naipes. Os tenores e os baixos posicionam-se atrás; tenores do lado direito, baixos do lado esquerdo. A baixo, posicionam-se as contraltos do lado esquerdo e as sopranos do lado direito. Contudo, antes de começar a cantar é preciso aquecer o instrumento.
O processo repete-se nas atuações. Em fila entram. Em fila saem. É a organização que difere de outros grupos culturais, e algo que os marca. No último FITU Bracara Avgvusta, o festival da Tuna Universitária do Minho (TUM), o apresentador referiu durante a entrada do CAUM: “trazem capas e tudo. Que profissionalismo!”. A TUM participará agora neste Vozes Sobre a Cidade, cantando algumas músicas com o CAUM.
As colaborações não são novas. Este ano têm sido até muitas as vezes que outros grupos se juntam aos “meninos do coro”. Na Récita do 1º de Dezembro juntaram-se à TMUM (Tuna de Medicina da UMinho); no 25º aniversário do festival CELTA, subiram a palco com a Azeituna; e cantaram ainda com a TUM e o Grupo de Poesia no “O Canto dos Poetas”, em março.
Acabaram de aquecer. Com o corpo e voz prontos pode-se começar a cantar. Das capas tiram-se as partituras. Nem toda a gente traz as folhas para o ensaio, mas não é preciso. Ou se partilha, ou já sabem de cor as notas e as letras.
Soam as notas. Vibram as paredes. “A gente vai continuar”.
Uma história de música e amizade
O CAUM surgiu há quase 30 anos, em janeiro de 1989. A iniciativa de criar um grupo coral para a academia minhota partiu do compositor Fernando Lapa e contou com o apoio de vários professores da academia. O compositor, natural de Vila Real, é uma figura incontornável da génese do CAUM. “Começou-se a ensaiar com o Lapa como maestro”, conta Catarina Silva, membro da direção do grupo coral.
Em 2004, Fernando Lapa deixou o coro, mas a sua marca continua até aos dias de hoje. Uma dessas marcas é o Hino da Universidade do Minho. Em 1995, a Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) encomendou ao compositor uma peça para servir como hino da universidade e, com letra de José Manuel Mendes, nasceu o “Hino da Universidade do Minho”. Catarina, contudo, frisa que a peça não é do coro. “Embora seja habitualmente o coro a dar voz, o hino não é do coro, é da academia”.
O hino da academia é talvez o que qualquer estudante minhoto reconhece como sendo cantado pelo CAUM. Mas o repertório estende-se bem além disso. “O CAUM é, possivelmente, o grupo que tem mais repertório. Estamos sempre a mudar e fazer coisas novas. Pegamos em músicas que puxam mais, como Coldplay, Adele e Fleet Foxes. No ano passado pegamos no português mais antigo, este ano voltamos ao português, mas agora mais recente. Houve uma altura em que fomos a Itália e tivemos de pegar em muitas músicas litúrgicas”.
Para todo este repertório é preciso vozes que o sustentem. Qualquer pessoa é bem-vinda no coro. Saber cantar não é, de todo, um pré-requisito. Nem ler música. Mas os coristas garantem que toda a gente sai a saber alguma coisa sobre música, nem que seja a ler melhor as partituras.
O gosto pela música e a amizade são os valores que, desde o início, unem os membros do CAUM. André Teixeira e Afonso Vilaça são ambos finalistas nos seus respetivos cursos. Para além disso, entraram no coro praticamente ao mesmo tempo. Aí, desenvolveram uma amizade que não teria surgido de outra forma. “Entrei no CAUM um dia depois do André. Ele entrou no ensaio de segunda e eu entrei no ensaio seguinte, de quinta”.
O companheirismo e as amizades são aquilo que Afonso mais realça no percurso como corista. “Mais do que cantar, nós encontramos aqui um grupo de amigos. Um convívio completamente diferente daquilo que temos na universidade”. André pega na deixa do amigo e completa em tom brincalhão: “Isto não é um coro. Isto é um grupo de pessoas altamente disfuncionais que, por alguma razão, são uma família”.
Afonso e André vão receber o “coralinho”, a distinção de membro efetivo do CAUM, durante o Vozes Sobre a Cidade. Com orgulho se baixarão, e se vão erguer com o novo pano branco no ombro. E esta grande família, que cresce a cada ano, reúne-se sempre no final dos concertos. Já são 60 coristas, 50 ativos. E depois de cada ensaio, continuam a juntar-se, onde não falham os finos e os tremoços.
No alinhamento das atuações, há já um espaço reservado para “A gente vai continuar” de Jorge Palma, canção que marca o momento em que antigos membros do CAUM sobem a palco para cantar em conjunto com os atuais.
Na Ilha de Santiago tem Caetaninho, tem CAUM
O espírito no auditório é muito particular e relaxado. Os membros do coro mostram-se sempre divertidos. Vão brincado entre eles e com o maestro. Soltam-se gargalhadas e o sorriso está estampado na cara dos coristas. Mas é preciso treinar para o concerto de sábado.
“O Pastor”, dos Madredeus, é a primeira canção a ser ensaiada. A música será cantada pela primeira vez no sábado e encerrará o concerto do XVI Vozes Sobre a Cidade. Por isso, é necessário limar as arestas e preparar a canção a cem por cento.
Sílvio dá a indicação e o coro começa. Cada naipe vai tendo algum momento de destaque ao longo da canção. A primeira tentativa podia sair melhor e o maestro indica o que tem de ser melhorado. “Atenção à entrada”. Infelizmente não corre da melhor forma. É preciso treinar para melhorar. O maestro desmonta temporariamente o coro para cantar a secção da canção que precisa de ser afinada. “Só homens. Agora só mulheres. Todos juntos”. A divisão fez bem e a canção já sai melhor. Segue-se “Ser poeta”. Sílvio dá as indicações e o coro harmoniza facilmente a canção.
“Txika”, de Elida Almeida é outra canção presente no reportório que os membros do CAUM procuram melhorar. A canção tem uma história muito particular para o coro. É a herança de uma digressão muito especial por Cabo Verde, em 2017.
Catarina Silva conta que a iniciativa surgiu do interesse da população cabo-verdiana em ter, no futuro, um grupo coral. O CAUM falou com dois municípios, da ilha de Santiago, e arranjou uma digressão pela ilha. Tocaram no festival Areia Grande e um pouco por toda a ilha cabo-verdiana, mas não só.
Todos os anos, o CAUM une-se a uma causa solidária no concerto de Natal, o Puer Natus Est. No ano letivo de 2016/17, recolheram roupas e materiais para levar a Cabo Verde. “Achamos que podíamos fazer mais do que a música”, explica Catarina. Assim, o CAUM levou rastreios de saúde, feitos por pessoas de Medicina e Enfermagem, levaram material e juntaram-se à delegacia de saúde local, e procuraram sensibilizar para o uso de preservativos e para os cuidados de alimentação.
Levaram ainda workshops de qualquer coisa que algum membro do coro dominava. “Tivemos um workshopde origami, de krav maga, de vólei, falou-se da igualdade de género. Tentamos chegar a vários pontos”.
Os olhos de Afonso Vilaça brilham quando se menciona a digressão por Cabo Verde. “Dia após dia sentíamos que estávamos a deixar algo de nós lá”. O corista recorda, com grande emoção no olhar e um enorme sorriso, toda a experiência em Cabo Verde. “Levamos-lhes a ‘Txika’ e ‘A Ilha de Santiago’ e eles sentiram que nós lhes levamos a nossa cultura. Mas dar-lhes a cultura deles e ver o sorriso na cara daquelas pessoas todas, desde o presidente da câmara a um cidadão comum, a ouvir-nos cantar as músicas e a ouvir a nossa pronúncia em crioulo, que não era perfeita, mas que eles achavam perfeita, é de certeza uma experiência que levo para a vida”.
Este ano vão à Roménia e à Bulgária. A viagem à Roménia estará ela também marcada pelo reencontro com o coro Snaps Vocal-Band, que encontraram numa digressão e decidiram convidar para o XIII ECU (Encontro de Coros Universitários), em 2017.
Não há uma vertente social este ano; apenas uma vontade em espalhar a cultura portuguesa. Juntamente com a TUM, que este ano se desloca ao Chile, vão assim levando o tricórnio pelo mundo.
Na Promessa de um CD
Ao longo de quase trinta anos de história, o CAUM editou um conjunto de cinco álbuns que procuram encapsular, expor e divulgar o trabalho que o grupo desenvolve.
O último destes álbuns foi lançado em 2017. “Na Promessa de uma Canção” surgiu como forma de mostrar o trabalho que o maestro Rui Paulo Teixeira desenvolveu, durante dez anos, com o coro. “Procuramos sempre inovar e explorar outros registos e faltava um disco com a viragem do CAUM, que começou a cantar coisas que fugiam aos géneros anterior”, explica Catarina. O CD celebra a amizade e, embora ainda não tenha versão física, Catarina adianta que está para perto. “Especulamos que saia em outubro ou novembro, mas sem certezas.”
A escolha do lugar onde gravaram veio um pouco por acaso. “Estava a fazer um trabalho para uma cadeira, no mestrado, sobre o Mosteiro de Tibães e eu apercebi-me que tinha umas salas com uma acústica interessante”. Quando se começou a falar de gravar um novo álbum, Catarina lembrou-se das salas que tinha visitado pouco tempo antes e decidiram optar por usar as salas do mosteiro.
Contactaram o local e obtiveram, imediatamente, uma resposta positiva. “Eles gostaram da ideia. Fizemos logo quatro ou cinco sessões. Os seguranças abriam-nos a porta, levávamos para lá os técnicos de som e gravávamos”.
Em 2019, o CAUM completa 30 anos. Uma data redonda, que poucos grupos culturais podem repetir. Catarina deixa uma nova promessa, mas sem assinar nada em concreto. “Vamos fazer um espetáculo comemorativo, à semelhança do que fizemos com os 25 anos. Ainda estamos a desenhar datas, mas sim, vamos fazer alguma coisa e juntar a parte da casa que nos tem acompanhado.”
Ao final de quase duas horas de ensaio, o cansaço já toma conta dos coristas. Treinam os detalhes da última canção sentados, o corpo não dá para muito mais. Antes de irem embora descansar, Catarina desenha os últimos detalhes para o XVI Vozes Sobre a Cidade de sábado. “É preciso gente para pegar em cadeiras no centro e ajudar no Bom Jesus!”.
Os cartazes já foram todos distribuídos e colados. As ruas de Braga já souberam do concerto. O concerto no Escadório do Bom Jesus será um dos últimos antes do CAUM partir numa digressão pela Bulgária e Roménia, de onde hão de regressar com mais histórias de música e amizade para contar.