Com a IV edição do festival “Do Bira ao Samba” à porta, é tempo de fazer uma retrospetiva dos anos anteriores. Os Bomboémia sobem ao palco da cidade no início do mês e questionam a importância da tradição.
Numas das salas do Bar Académico e da ARCUM (Associação Recreativa e Cultural da UMinho), ouvem-se os tambores e os bombos a ecoar pelas paredes. Por estes dias, fala-se sobre os Bomboémia por Braga. “Os Bomboémia nasceram em 2004, aquando de uma reestruturação do grupo dos Zés Pereiras, Gigantones e Cabeçudos da Universidade do Minho”, começa por dizer Manuel Pinto, diretor deste grupo de percussão com uma tradição tão forte. E o local não podia ser mais propício: a sala enche-se de decoração que se distingue pela tradição, com estatuetas de cerâmica típicas do Norte.
Sentado numa das cadeiras da sala de reuniões, Manuel Pinto descreve o grupo que o acolheu em 2013, na academia. Formado em Arqueologia, assumiu a pasta de diretor dos Bomboémia em 2015. No entanto, foi bem mais cedo que o laranja entrou na vida de Manuel. “Eu acompanho o grupo desde 2004, desde pequenino, porque nasci e fui criado aqui em Braga, e já conhecia os Bomboémia há imenso tempo”, explica.
Manuel recorda o momento em que esta nova família o acolheu, porque a arte de fazer música é muito mais que tocar instrumentos. “Era um grupo muito coeso, onde se sentia muito a família e se sentia muito a amizade também”, recorda sobre o momento em que aqui entrou. E não tem dúvidas que, no tempo em que pertence ao grupo, nota diferenças imediatas. “Claro que ao longos dos anos temos vindo cada vez a ser mais fortes, a crescer e a desenvolvermo-nos muito mais”.
As paredes não conseguem abafar o som do ensaio do grupo. Os “laranjinhas” continuam a ser conhecidos comos os mais “barulhentos” da academia. Sejam bombos, caixas, timbalões ou tamborins, o eco dos instrumentos ecoa pelos corredores da ARCUM. O festival do grupo está a chegar. Ultimam-se os ensaios e organiza-se o cardápio de músicas.
Os muitos grupos culturais fazem da Universidade do Minho um grande polo de oferta musical. As tunas ocupam uma grande percentagem dessa oferta na academia, mas “o grupo de percussão da Universidade do Minho, os Bomboémia, ocupam um lugar muito grande”, segundo Manuel Pinto, “porque tem um grande destaque e consegue ter um grande dinamismo”. Depois de tantos anos, o grupo continua a ser dos mais fáceis de distinguir ao longe: uma grande mancha cor de laranja denuncia os tocadores. Ou então manter os ouvidos atentos. Ser dos mais “barulhentos” tem as suas vantagens.
Outros grupos ensaiam à mesma hora, no mesmo local. O som dos instrumentos de percussão sobressai em relação às guitarras e às vozes das outras salas. E porque ensaiam no mesmo local, as dificuldades tendem a ser as mesmas. O maior problema que afeta este grupo e tantos outros “são as infraestruturas e o próprio espaço”. No entanto, as exigências parecem não ser muitas.
Manuel Pinto conta que não existem dificuldades grandes a não ser a carência de “infraestruturas próprias e também das condições necessárias para este tipo de associações e deste tipo de necessidades”. São nas salas de ensaio que os grupos ganham vida, que a música surge e que a amizade se cria.
E grandes planos parecem surgir para estes amantes de percussão. Além do festival, já está planeada uma digressão pela Europa. A Alemanha irá acolher o grupo por uns dias, a partir do final de agosto. Mas há a promessa de voltar antes das aulas, “para não sermos os baldas do costume”, diz Manuel entre risos. Entretanto, é tempo de treinar. O tempo não pára. Nem os Bomboémia.
Sem voz também se faz música
À porta do anfiteatro Armando Osório, um poster dá a conhecer os Bomboémia, carregado de cores, adereços e horário do ensaio. Do lado de fora, rapidamente se distingue qual das salas o grupo ocupa, através do seu som característico.
Em plenas férias de verão, reunir todos os membros num ensaio não é uma tarefa fácil. “Pelo grupo já passaram cerca de 120 elementos”, explica o diretor orgulhosamente. Atualmente, são 30 os membros que permanecem no ativo. E a festa faz-se na mesma, não fossem eles a conjugação dos bombos e da boémia.
Já na sala, uma grande lona (colorida, como não poderia deixar de ser) faz publicidade ao festival do grupo, que tem data marcada para o próximo fim de semana, 3 e 4 de agosto. Na parede paralela, um grande quadro negro de ardósia regista o calendário do grupo. Várias datas percorrem o mês de julho e relembram o trabalho árduo que é organizar um festival de música. E não é um festival qualquer, mas sim um festival que percorre a cidade que viu o grupo nascer e crescer.
Vários instrumentos jazem no chão, nas cadeiras e por toda a sala. São grandes, pesados e saltam à vista. Uma caixa cheia de baquetas personifica as varinhas mágicas destes tocadores, que fazem magia com as próprias mãos. As camisolas cor de laranja identificam os membros, já a música identifica o talento. E o som começa, baqueta contra bombo.
Nas restantes paredes, vários pósteres ornamentam a sala. São todos sobre festivais, mas não dos Bomboémia. Os grupos podem ser diferentes, mas a arte é só uma e todos eles a fazem de maneira diferente. Seja do FITU (Festival Internacional de Tunas Universitárias) ou do FUMP (Festival Universitário de Música Popular, Danças e Cantares), as paredes brancas ganham outra vida com o orgulho de mostrar as edições de festivais que marcaram a geração de um tempo.
Nos ensaios falam-se de pormenores. O trabalho de trazer o melhor festival de sempre foi sendo feito ao longo do ano. Divididos em filas, os membros tocam elevados em estrados. As mãos seguram firmes os demais instrumentos, sejam eles bombos, timbalões ou outros. Já o ensaiador dispõe o ritmo do compasso através das mãos e, quando o som na sala atinge decibéis elevados, é tempo de usar o apito.
A responsabilidade de carregar um instrumento torna-se mais importante em vésperas do festival. Mas nem tudo é sério. Vida associativa pede outras capacidades e Manuel Pinto frisa que “o que se requer é apenas boa disposição, animação e também um sentido de responsabilidade e compromisso”. Por estes dias, podem parecer o grupo mais sério da academia, mas o sentimento de partilha não se perde entre notas musicais.
E por falar em compromisso, há outras responsabilidades sociais que ocupam o grupo, nomeadamente o ambiente, visto que prezam “por fazer projetos sustentáveis com materiais recicláveis”. A adaptação é importante, quer para o grupo, quer para a sociedade, e com isto “pretende-se inovar através destas iniciativas criativas juvenis, pretende-se inovar a cidade de Braga, pretende-se inovar no grupo e pretende-se, acima de tudo, puxar e atrair um maior número de jovens para este seio cultural e recreativo”.
As tradições não são para velhos e a música precisa delas
Com o início de agosto, chega também a música portuguesa e brasileira ao centro histórico de Braga. A IV edição do festival “Do Bira ao Samba” irá percorrer a cidade no primeiro fim de semana do mês, dias 3 e 4. Segundo o diretor, neste festival “celebra-se, funde-se e une-se as culturas portuguesa e brasileira”.
O festival nasceu em 2015 e rapidamente se tornou uma data especial para o grupo. “Para esta 4ª edição espera-se suceder e desenvolver um nível igual ou maior” aos anos anteriores, não esquecendo, claro, que os primeiros anos “foram edições de grande sucesso”.
Os Bomboémia têm encontro marcado todos os anos, nas festividades das Monumentais Festas do Enterro da Gata e na Receção ao Caloiro. No verão, o bira e o samba aquecem as noites dos bracarenses. A última edição do festival foi um desafio à organização dos Bomboémia, foi um ano de crescimento e, por isso, as expectativas face a este ano também cresceram.
Durante dois dias, o centro de Braga será pintado de laranja e a música será o hino da cidade. No primeiro dia, os bracarenses poderão entreter a tarde com jogos tradicionais e muita música. E porque a música junta as pessoas, estarão também presentes muitos outros grupos, nomeadamente a Tuna Universitária do Minho, Tun’ao Minho, Grupos de Concertinas, Ruxaxá e Caretos de Vila Boa. A tarde terminará com vários workshops destinados à população, sobre percussão e danças tradicionais. Já o grupo anfitrião atuará ao início da noite, seguido de outros grupos que primam pela tradição. É o dia dedicado a Portugal, ao ser português, suas tradições populares e ao bira.
O segundo e último dia não será muito diferente em termos de organização. A tarde será animada por grupos culturais, seguidos de workshops de dança de capoeira e samba. O pico do dia será o cortejo de carnaval fora de época, que traz a Portugal as tradições populares brasileiras através da música, animação e trajes. É o dia do samba.
Face ao sucesso dos anos anteriores, Manuel Pinto mantém-se realista, revelando que “as expectativas estão sempre com os pés no chão, bem assentes, porque é necessário, antes de mais, ter um festival sustentável que se assegure de ano para ano”. No entanto, existe um objetivo que motiva o grupo, o de “desenvolver ainda mais, inovar com novas iniciativas e também rejuvenescer o ramo”.
Espera-se que o festival acabe com o sentimento de realização, até porque o envolvimento da cidade e dos bracarenses é o motor que encaminha os Bomboémia no processo de organização. “Na cidade de Braga não há nada mais acolhedor que os cidadãos, que estão sempre atentos à agenda e estão sempre a questionar para quando e quais as novidades”, diz o diretor. Até porque é isso mesmo que caracteriza o grupo: a partilha da animação e o desejo de crescer além-fronteiras.
Os instrumentos preparam-se agora para desfilar pelas ruas da cidade. Para trás, fica um ano de muito trabalho e um sentimento de orgulho pela música. Os Bomboémia entram em cena no próximo fim de semana num festival onde a tradição de todos nós é a protagonista.