Os Grandfather’s House são o espelho do badalado “boom” de rock no Minho, desde novas bandas a espaços para as receber. A banda de irmãos cresceu e passa agora no palco do Paredes de Coura.

Já passa das 22 horas, e numa terça-feira, a aldeia de Jesufrei devia estar em silêncio. Mas daqui, no portão dos Grandfather’s House, ouvimos a música furar as paredes do estúdio caseiro. É um som que já tem habituado quem está atento à onda de rock em torno do Minho.

Os Grandfather’s House lançaram o seu “Diving” em Setembro, e estão aí para mergulhar pela Europa fora. A banda que ensaia em Famalicão mas é de Braga começou em 2012, com Tiago Sampaio a subir sozinho aos palcos. Juntou a irmã mais nova, Rita Sampaio, e o projecto foi crescendo. Seis anos depois, vão no terceiro álbum, e depois de tocarem em praticamente todo o lado, sobem agora ao maior palco do rock em Portugal: o Paredes de Coura.

Já estiveram lá duas vezes, sempre nos palcos secundários. E muitas mais como espectadores. Escapou a novidade da boca, foi mais forte a tentação, e não escondem o entusiasmo que será subir ao palco principal. É o expoente máximo de uma carreira sempre a subir para os netos do rock, que são uma janela para o crescimento do rock minhoto.

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Da esquerda para a direita: Tiago Sampaio, Ana João Oliveira, Nuno Gonçalves e Rita Sampaio. Hélio Carvalho/ComUM

Mais público, mais do mesmo

Entramos na sala de ensaios, já bem equipada e com as condições de uma banda nacional. Deixamos o reino das garagens. Ana João está sentada na bateria, a afinar, e o resto está de pé a preparar a próxima música. Olham para a setlist pendurada na parede. “Qual é que falta? A ‘My Love’? Bora lá então”.

Soam os primeiros acordes na guitarra de Tiago. A banda pouco pára para apontar falhas, quase nem olham uns para os outros. É como andar de bicicleta.

A banda está diferente para quem não os tem visto. Saiu João Costeira da bateria, entrou Ana João Oliveira. À sua direita, Nuno Gonçalves também passou a ser parte integral da banda, depois de aparecer aos maiores concertos da banda para dar umas mãos nas teclas.

Ainda preparam mais concertos do novo disco, “Diving”. O disco chegou através de dois videoclips: o primeiro, o single “You Got Nothing To Lose”, saiu umas semanas antes; o segundo foi uma espreitadela quatro dias antes do lançamento, da música “Sorrow”. Dia 15 de Setembro, estava nas bancas digitais. O álbum foi considerado dos melhores de 2017 por vários orgãos de música no país, desde a revista Blitz à rádio SBSR.

O grande fervor à volta do novo trabalho dos Grandfather’s House não passou em branco nos corações da banda. “Está a ser surpreendente”. Rita não esconde o sorriso a lembrar-se dos primeiros dias do álbum, algo que não estava nada à espera, apesar do público cada vez mais consistente. “Eu tenho sempre aquela teoria de manter as expectativas em baixo. Assim que acabamos de gravar o disco e de o compor, eu achei que tínhamos um bom trabalho e que tínhamos uma coisa muito boa. E com potencial. Mas ao mesmo tempo, é tão difícil hoje em dia chamares a atenção no meio de tanta coisa. Já estamos nisto há uns anos, e temos noção que o percurso é demorado e que as coisas levam o seu tempo. E por isso estava numa de tentar manter as expectativas em baixo, e o que acontecesse era bom”.

E o que aconteceu foi bom. Casas cheias no GNRation, Theatro Circo, e onde quer que actuassem. Inclusive Galiza. Tiago Sampaio interrompe. Tem de mostrar o seu entusiasmo. “Foi incrível quando nós lançamos o disco e todos os concertos de apresentação do disco estavam todos cheios! Foi mesmo incrível, gratificante para nós”.

O trabalho para o disco foi muito. O processo demorou perto de um ano, com quatro meses a serem dedicados à composição de novas músicas, isto entre vidas pessoais e os concertos que não pararam. Não se pode ter esse luxo. No rock, não há sabáticas.

A ideia para o “Diving” surgiu numa casa que tem vindo a apostar cada vez mais na produção de música das bandas da região. O GNRation, pela iniciativa “Trabalho da Casa”, convidou a banda. A ideia era, segundo Rita Sampaio, musicar uma curta-metragem. Mas as coisas evoluíram para algo maior, conta Tiago: “percebemos que nos fazia falta um disco naquele momento. E depois aquilo que nós queriamos fazer com a residência artística não iamos conseguir trazer ao vivo, ia ficar simplesmente por um registo áudio. Então decidimos dar uma reviravolta à ideia, e seguir com o disco”.

No GNRation, a 3 de Setembro, deram ao público de Braga uma antestreia do álbum, com a produção mais elaborada até à data. Projecções na tela atrás da banda, fortes feixes de luz, e em certos períodos, escuridão total. Um concerto bem meticulado e pensado, que mostrou a atitude nova da banda desde a saída de “Diving”. Os meses que se seguiram foram de corridas para estar em todo o lado. Mas a um passo mais lento que o costume.

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O último concerto dos Grandfather’s House antes de Paredes de Coura foi no festival Rodellus, que serviu de ensaio para o concerto do dia 15. Diogo Rodrigues/ComUM

Com o lançamento de um novo disco, surge inevitavelmente a questão das vendas. Hoje em dia, o streaming é a forma mais frequente de se ouvir música: em vez de emprestarmos CDs uns aos outros, enviamos links. No final de 2017, o Spotify contava com 50 milhões de subscritores pagos. Mais de 100 milhões ouvem gratuitamente. Entre subscrições gratuitas que depois são canceladas e ouvintes novos à plataforma, apenas 25% mantem-se a pagar o serviço.

Há várias formas de contornar o problema do “spam” de publicidade, dos anúncios a playlists e a carros no meio das nossas listas favoritas. Criar novos e-mails para voltar a usufruir do período grátis, por exemplo, é um desses métodos. Pelo que Tiago Sampaio desvaloriza a questão do streaming nas vendas. “Antigamente parava-se muito com um grupo de amigos, ou a pessoa parava sozinha a ouvir um disco ou a pegar num disco que alguém lhe tinha emprestado, e ouvir o disco. Hoje em dia qualquer pessoa está a conduzir ou está a fazer qualquer coisa, e tem o Spotify a dar”.

Onde as bandas ganham mais é nos espectáculos ao vivo. As próprias bandas têm consciência disso, e disponibilizam a sua música gratuitamente, para atrair mais gente para os concertos. Para Rita, “a melhor forma das bandas mais pequenas e que estão a começar, mostrarem-se e levar o seu trabalho mais longe, é mesmo a tocar. E é isso que depois vai fazer depois as pessoas chegarem a casa e ouvir”.

A banda admite que é a excepção à regra. “Estamos a vender mais este disco que o outro até”, diz Tiago. A questão batida mantêm-se.

Mas a porta do novo álbum trouxe uma nova entrada para mais sucesso. As vendas tornam-se secundárias. Não se sai do ensaio. Vem aí o maior momento da história da banda, e é preciso prepará-lo.

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O videoclip do primeiro single do álbum “Diving” foi lançado a 27 de Julho de 2017, com nome “You Got Nothing To Lose”. Diogo Rodrigues/ComUM

Colar o barro a Paredes  

De Jesufrei a Paredes de Coura são 80 quilómetros. Os Grandfather’s House já fizeram a viagem duas vezes, e preparam a terceira. Um feito pouco comum para uma banda, num dos festivais mais antigos do país, o Vodafone Paredes de Coura.

Desde 2013 que vão à “aldeia do rock”. Nesse ano, o então duo de Tiago Sampaio, de 20 anos, e Rita Sampaio com apenas 16, foram ao palco Jazz na Relva. Um palco secundário que abre as tardes do festival com música à beira do rio Coura, para os milhares de festivaleiros que por lá param.

Em 2016, novo degrau. Chegam ao palco Vodafone FM, o palco secundário do festival, já dentro do recinto. Abrem o último dia do festival, às 18h do dia 20 de Agosto. Uma hora em que se presumia que o recinto estivesse quase vazio, mas que acabou por estar bem preenchido para ver os Grandfather’s House abrir para nomes como Capitão Fausto, Portugal. The Man, The Tallest Man On Earth e CHVRCHES.

Agora, sobem para o último degrau do escadote. Não era suposto dizer. Fugiu. Vão actuar no palco principal do Vodafone Paredes de Coura no dia 15, logo a abrir as “hostilidades”. Uma confirmação que traz muitos sorrisos, nervosismo, e falta de palavras para descrever a situação.

“Sinto-me um pouco nervosa. Obviamente, foi uma óptima notícia quando recebemos a confirmação que iriamos tocar. Vai ser o maior palco onde vamos actuar. Portanto agora é trabalhar para chegar lá, fazer um bom trabalho, e sair tudo limpinho”, confessa Ana João. A baterista nunca tocou no festival, ao contrário do resto da banda. Nuno viajou para o o concerto de 2016, portanto já passou pela praxe. Mas apesar disso, Tiago esclarece que voltar a Paredes de Coura “é sempre como a primeira vez”.

A confirmação dos Grandfather’s House surgiu no dia 20 de Abril, juntamente com os nomes da libanesa Yasmine Hamdan, e os portugueses Dear Telephone e FUGLY.

A viagem da banda não será emocionante apenas para os quatro músicos. João Pereira tem 30 anos, e é o homem por trás da Bazuuca, uma promotora de eventos e agência de bandas. João Pereira trabalha sozinho, e é agente dos Grandfather’s House, assim como de bandas como Bed Legs e This Penguin Can Fly, entre outras. As duas mencionadas também já foram ao festival. Algo que diz muito ao agente, radialista e melómano.

O “homem da Bazuuca” está no epicentro da ascensão do rock minhoto. Numa constante correria entre Braga, Barcelos, Guimarães e Famalicão, João Pereira começou com o projecto da promotora há precisamente três anos, entre o trabalho na RUM (Rádio Universitária do Minho) e outra promotora criada por ele, a Xerifes&Cáboys.

O contacto com os Grandfather’s House surgiu já tardiamente, no verão de 2017. “Eu tinha-lhes marcado um concerto no Gerês Rock Fest. A organização tinha-me perguntado por algumas bandas, eu sugeri os Grandfather’s House, e eles aceitaram. Eu já os conheço há algum tempo, perguntaram-se se eu estava interessado em juntar-me a eles. Depois enviaram-me o disco, ouvi, curti bué e disse ‘sim, vamos avançar’”.

Estava feito mais um reforço à equipa. Pouco depois, os Grandfather’s House passaram a fronteira do norte do país, para outro festival organizado pela Ritmos, a promotora do Paredes de Coura. A banda foi dos nomes mais reconhecíveis da primeira edição do festival Super Bock Under Fest, em Vigo, no coração da Galiza.

Mencionar o festival é automaticamente pedir sorrisos. “Essa noite foi incrível”, diz Rita, entre gargalhadas gerais. Tiago Sampaio explica. “Tudo começou quando nós estávamos para tocar, e de repente, não estava ninguém na sala. Ninguém. Zero. E nós respiramos fundo, e fomos para dentro do backstage, faltavam quinze minutos ou dez minutos para tocar. De repente, abrimos a porta e estava meia casa. E nós: ‘porra, o que é que aconteceu?’”.

A Sala Magnética de Vigo encheu para os portugueses. O concerto, às 22h30, foi tão bem recebido que não deixaram entrar mais ninguém para a sala. No final, Rita fala de um sentimento de “gratidão” para o público galego. “O público foi muito receptivo. Havia muita gente que já nos conhecia, houve pessoas que no final vieram falar connosco e que gostaram e que não conheciam. Isso tem acontecido mais frequentemente, e também é sinal de reconforto e gratidão”.

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“O João saiu da bateria, e encontramos outra João”. A baterista da banda juntou-se ao grupo no final de 2017. Hélio Carvalho/ComUM

Resta esperar até Agosto pelo grande momento. É a coroação de um grupo que vem às carrachuchas de dois anos de salas cheias e dois álbuns muito bem recebidos, por crítica e público.

Uma parceria assinada às escuras

O ensaio está quase a acabar. Nuno e Rita vão trocando entre o sintetizador e o teclado, e Tiago vai experimentando na guitarra. Os “riffs” vão soando destacados entre as partes calmas da música.

Não podem contar muito mais. Há muita coisa escondida, por revelar, mas deixam transparecer que uma nova tour europeia se aproxima. Em 2016, os Grandfather’s House cumpriram outro grande passo ao tocar no festival Sziget, em Budapeste, Hungria, um festival que juntou nomes grandes da música internacional de vários géneros, como Muse, The Last Shadow Puppets, Bullet For My Valetine, Rihanna, entre outros.

Já tiveram a experiência internacional com o novo disco, quando em Dezembro foram a Toulouse, em França, e a Madrid, Espanha. Pelos risos e trocar de olhares, talvez devamos ficar expectantes.

O que não vai falhar mesmo é uma parceria com Bruno Miguel, o conhecido músico do projecto :papercutz. O projecto voltou em Janeiro passados quatro anos, com um álbum prestes a sair e com a voz de Emmy Curl(Catarina Miranda, para quem acompanhou o Festival da Canção). E a na visita da banda do Porto a Braga para um concerto, a vontade de Bruno Miguel em fazer uma parceria com os Grandfather’s House não passou debaixo do radar.

Tiago não se mostra surpreendido com a descoberta, já que ele próprio lançou a pista. “Ele é esperto!”. Com o resto da banda a tentar esconder mais algum “leak” de informação, Tiago e Rita esclarecem. “Vamos fazer uma cooperação, para já não se pode dizer muito mais, mas vamos fazer uma colaboração e vai ser bonita. Falta-nos trabalhar algumas partes, mas já está tudo alinhado, já temos tudo em papel, já temos tudo datado, pronto, não posso revelar muito mais”, conclui o guitarrista.

Os :papercutz, com um registo mais electrónico, são uma banda também bem aventurada na cena internacional. Participaram no festival Eurosonic, em janeiro do ano passado, e já contam com quatro álbuns e três EPs. Agora, vai sair “King Ruiner”, que só espera por uma edição japonesa para ser lançado.

Portanto, com Paredes de Coura no horizonte e um álbum que está para durar, o que falta aos Grandfather’s House fazer?

Uma visita ao sul é um desejo de muitas bandas do norte, mas que nunca se materializa pela falta de oferta nesse lado do país. João Pereira não critica, mas tem pena que assim seja. “Isso não é culpa das bandas, não é culpa dos agentes, é mesmo porque não há assim tantos espaços quanto isso para tocar”.

O crescimento de bares-concerto e salas de espectáculos que se vê no Minho, Porto e Leiria não se nota assim abaixo de Lisboa. Mas João Pereira vê isto como uma janela de oportunidades para sair cada vez mais.

No final, ri-se. Sugere-se que um dia viajem para o Coachella ou Glastonbury, os maiores festivais do mundo. Responde com um sorriso. “Ou o Primavera de Barcelona”. São sonhos bem altos, mas que não deixam de existir, quanto muito para ter num post-it na parede. “Eles são tão novos e têm tanto para dar ainda, mas o próximo passo deles tem de ser cada vez sair mais, e eles estão a fazer isso bem”.

Devagar se vai ao longe. Este bem pode ser o lema dos Grandfather’s House. Com muitas bandas a crescer tão depressa como acabaram por cair, estes jovens de Braga e Famalicão são o exemplo da paciência na música independente portuguesa.

O projecto de Tiago Sampaio já leva seis anos. Não sabem o que será Grandfather’ s House daqui a mais seis. Passarão na Rádio Comercial? “Os Grandfather’s House podem ser uma banda ‘mainstream’, e até têm tudo para o ser. Agora, se eles querem, não sei, se calhar até querem. Mas isso é um passo de cada vez, vamos vendo, vamos trabalhando”, concluiu João Pereira.

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Os Grandfather’s House recusam a ideia de crescer levados ao colo. Desde o início, foram crescendo calmamente e com paciência. Hélio Carvalho/ComUM

Para já, estão contentes com o “Diving”. O seu público também. Resta-nos esperar para dia 15 de Agosto, e ver se os netos do rock assentam no palco principal da praia fluvial do Taboão.