Bon Voyage é um camaleão de géneros e eras, com encadeamentos surpreendentemente fluídos, embora muito distintos no seu experimentalismo.

Este é o segundo álbum de estúdio de Melody’s Echo Chamber, projeto original da compositora francesa Melody Prochet. Em 2012, surpreendeu o mundo do Rock neopsicadélico com uma estreia autointitulada sublime que contou com a produção do ex-companheiro, Kevin Parker. Desta vez, a fasquia elevou-se e Prochet não desiludiu.

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A espera foi longa e com vários percalços pelo caminho. Melody anunciara o lançamento do álbum para 2017, mas um grave acidente que a deixou hospitalizada durante meses arrastou o processo para 2018. No entanto, a cantora foi lançando diversos singles até ao culminar do lançamento do trabalho, em junho do presente ano.

Numa primeira impressão, a ordem das faixas pode denotar alguma falta de lógica musical devido à enorme paleta de sons criada por Melody. No entanto, à segunda rodada, esta ordem entende-se. Prochet despe-se da confusão, da saudade, da fúria e da aceitação de um amor que terminou.

Cross My Heart” é um início conciso em que uma Melody convicta e segura afirma a sua independência criativa. É uma explosão de géneros fascinante que deixa os ouvintes curiosos por mais. No meio de uma floresta de space Rock, a cantora dança com criaturas do além pelo meio de melodias que se entrelaçam, tons que formam sequências transversais ao Soul Jazz, Dance Music, Trap e Rock orquestral. “All the oceans keeping us apart, and the seasons passing by, and I’m still sad”. É o início da história que ela nos conta, o começo do fim.

O psych-pop domina “Breathe In, Breathe Out” com vocais excêntricos, uma guitarra ‘esmagadora’ e melodias interrompidas. É um para-arranca em que a cantora respira, lamenta e reflete: “Mama said you must be strong, healing slow, feeling so low”.

Segue-se “Desert Horse”, um dos momentos mais bem conseguidos do álbum. Psicadélico, composto de melismas complexos e escuros, em que a flauta de influências orientais ganha destaque. É a faixa mais experimental do trabalho e, consequentemente, a mais interessante.

Var Har Du vart” é um interlúdio acústico, em sueco, explicado pelo facto de Melody viver na Suécia há já uns anos. É um pedacinho de luz na esfera da dor em que a cantora questiona o paradeiro do amante do passado. A angústia dá lugar à pergunta e a tristeza cede espaço à saudade. Não é saudade de uma situação, ou de uma outra pessoa, mas de um tempo e de uma sensação mais felizes. A dor da artista amadurece, o bom fica e o mau é esquecido: “Everything you’ve said, I begin to understand”.

Quand les larmes d’un ange font danser la neige” conta com a participação especial de Nick Allbrook, frontman da banda australiana Pond, que nos delicia com uma récita falada e muito pessoal. Recordando o passado, Prochet aproxima-se da paragem seguinte com o futuro como destino. A viagem continua com “Visions of Someone Special, On A Wall Of Reflections” em que um intenso jogo de imitações melódicas se sobrepõe.

Mais uma vez, há uma troca constante entre o francês e o inglês. Talvez pela sonoridade diferente de ambas as línguas, a Melody francesa é mais sonhadora, prendendo-se ao imaginário pensativo de quem não sabe bem para onde direcionar o sentido. O inglês representa a realidade brusca a trazê-la de volta cá baixo, ao chão incerto da verdade de que ninguém gosta.

O álbum termina com “Shirim”, um verdadeiro boost gradual de intensidades: o sussurro cresce, dando lugar ao Funk dançante que se perlonga até ao final da faixa, num fade-out apropriadíssimo. “It seems like I’m getting old, it feels like our sun has gone, it seems like your love is gone, it feels like it’s all my fault”. Melody Prochet conclui a história que, aparentemente, nem sempre tem o final mais risonho. Aparentemente. Temporalmente.

Bon Voyage é uma meia hora intensa e demasiado curta. Melody explora toda a musicalidade a um expoente maravilhoso, algo que é muito raro ver-se nos dias que correm. Neste caso, a quantidade de sons, eras, géneros e instrumentos que Prochet consegue encaixar de forma tão graciosa em apenas sete faixas chega a ser fascinante. A voz airada da compositora é um suplemento fulcral ao sucesso sonoro que aqui se conquistou.

O lançamento foi demorado, mas valeu cada segundo de espera. Agora, fica a curiosidade de saber a próxima história de Melody’s Echo Chamber.