iridescence dá um forte passo no hip-hop experimental, com uma produção sublime, preenchida com variados detalhes, transições e mudanças de batida. É seguro afirmar que BROCKHAMPTON está longe de se separar ou de baixar de qualidade, após a tempestade de problemas despoletada pelo escândalo provocado pelo ex-membro Ameer Vann.

Após o sucesso de SATURATION III, a boyband americana BROCKHAMPTON parecia ter um 2018 bastante sorridente. Uma insurgência de fama e relevância dentro do palco norte-americano e um crescente interesse pelo público europeu culminou num contrato de dezenas de milhões com a editora RCA Records. Porém, muito mudou desde então.

Em junho, alegações de abuso sexual cometido pelo membro Ameer Vann obrigaram a uma resposta do grupo, que estava completamente desligado das redes sociais até então. BROCKHAMPTON decidiu remover Ameer da boyband e cancelar totalmente o projeto em que trabalhava, PUPPY, que já continha algumas faixas prontas.

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Após uma ausência longa para resolver os problemas internos, o grupo apresentou quatro novos singles, “1999 WILDFIRE“, “1998 TRUMAN“, “1997 DIANA“, e “TONYA“, sendo que apenas esta última faixa está presente neste novo projeto.

Porém, não demorou muito até Kevin Abstract, o líder da boyband, anunciar que o quarto álbum de BROCKHAMPTON, agora reduzido a 14 membros, iria chamar-se iridescence (uma quebra do estilo de letras maiúsculas no título dos álbuns da era SATURATION).

Lançado a 21 de setembro, este projeto é a primeira parte de uma trilogia chamada The Best Years of Our Lives, e conta com 15 faixas. Todas elas são incrivelmente dinâmicas e produzidas com os elevados padrões dos principais produtores residentes: Romil Hemnani e Jabari Manwa, sempre com o auxílio dos outros membros, o que aumenta ainda mais a complexidade e conexão entre partes das músicas.

NEW ORLEANS” abre o álbum de forma agressiva, definindo o tom deste novo projeto: uma versão mais experimental e mais destemida de BROCKHAMPTON. O próprio refrão reforça a forma como a banda se procurou reformular após a polémica com Ameer.

Partindo diretamente desta, segue-se “THUG LIFE“, quase uma referência a faixas como “TEETH“, “2PAC” ou “LIQUID“, distribuídos ao longo da era SATURATION. Estes são momentos curtos e calmos onde a banda procura polarizar a constante ação das suas batidas mais agressivas. Também neste estilo temos “SOMETHING ABOUT HIM“, uma canção mais relaxada sobre Jaden Walker, namorado de Kevin Abstract.

Todavia, estes momentos são os mais desinteressantes do álbum, por não contarem com novas ideias ou novos estilos. Estas faixas acabam por não apresentar nada que não tenhamos visto do grupo antes, tendo apenas valor como algo que quebra a tensão e vivacidade das primeiras faixas.

WHERE THE CASH AT” é capaz de exemplificar uma melhor forma de aproveitar estes instantes curtos. Uma música intensa, com Merlyn Wood e Matt Champion, a ditar o passo e a guiar o ouvinte numa viagem mais cativante.

No entanto, iridescence não é só um projeto onde as estrelas habituais da banda brilham. Bearface, que previamente era relegado a cantar de uma forma muito limitada, aparece no refrão de “BERLIN” a fazer Rap, com uma performance bastante satisfatória e inesperada.

É a meio do álbum que começamos a ver as verdadeiras cores de BROCKHAMPTON, a forma como exploram o peso da fama, e da saúde mental e física das várias partes que fazem este todo resultar. Em “WEIGHT“, vemos os vários membros a tocar em tópicos como a dificuldade de Kevin em aceitar a sua sexualidade ou os problemas que os têm acompanhado com a pressão da fama, que se intensificam em cima das lutas contra o álcool, drogas ou automutilação.

Estes temas continuam em “DISTRICT“, que aborda as falhas de uma vida apoiada demasiado no materialismo e de como este não consegue mudar coisas como a depressão e a geral insatisfação com o fardo da fama. Esta faixa relembra um pouco o álbum Flower Boy, de Tyler, The Creator.

LOOPHOLE” é o único interlúdio presente ao longo do álbum, uma mudança de formato em relação aos álbuns anteriores, que contavam com vários sketches narrados pelo membro Robert Ontenient, em espanhol.

Das muitas influências que iridescence possui, a banda britânica Radiohead é uma delas, por isso, não é surpresa que uma faixa da banda tenha servido como sample neste projeto de BROCKHAMPTON. A faixa em questão é “Videotape“, lançada em 2007, que emprestou o nome e alguma percurssão à faixa “TAPE“. Esta é uma das canções mais introspetivas e puras, onde Kevin, JOBA, Matt e Dom se abrem por completo, de forma carnal e pessoal, provocando uma cascata de sentimentos e melancolia, fazendo jus à música que a inspirou.

Contudo, nem só de melancolia e lágrimas se faz este álbum, porque a faixa “J’OUVERT” estoura com o panorama sonoro, sendo bastante barulhenta e pesada com influências caribenhas, onde Jabari possui raízes familiares. Todos os membros estão em alta, principalmente JOBA que demonstra estar em melhor forma, ao gritar e assumir uma presença aterradora no refrão.

Em “HONEY“, a sonoridade mistura-se com uma teia de referências, que culmina numa beatífica conclusão, na qual se cruzam samples de sirenes da polícia, da voz de Beyoncé e da faixa “BUMP “, do primeiro álbum da trilogia SATURATION.

Mas o passo volta a acalmar entre “SAN MARCOS” e “TONYA“, com a primeira a retirar o nome da cidade do Texas que deu berço à boyband e a segunda a ser insppirada na vida da patinadora americana Tonya Harding, que rapidamente virou famosa e acabou or perder tudo devido a escândalos. Aqui é capaz de se ver alguns paralelos com a situação do grupo com Ameer Vann.

E é nestas faixas que os membros confessam o desejo de querer voltar atrás no tempo, para uma altura em que não tinham todo este fardo em cima dos ombros e em que tudo era mais simples. “SAN MARCOS” conta com um fecho ambicioso providenciado pelo London Community Gospel Choir com o coro a cantar “I want more out of life than this”. “TONYA“, por sua vez, com a ajuda de serpentwithfeet, tem um alcance vocal semelhante.

Por fim, “FABRIC” conclui o projeto com a desconfiança, paranoia, fragilidade e humanidade que tinge todo este álbum, culminando na súplica de Kevin “You don’t understand why I can’t get up and shout”. Esta é abafada pela escalação do instrumental até níveis caóticos, apontado para o quão difícil continua a ser exprimir estes sentimentos quando tem, supostamente, todos os motivos para estar bem.

Em 15 faixas, é de admirar que o projeto não contenha falhas necessariamente apontáveis, fora algumas pequenas escolhas estéticas aqui e ali ou a falta de uma real temática do álbum. Estes são incómodos menores perante o sucesso em manter a identidade sónica da banda sem perder criatividade na expansão, sabendo os sentimentos e as lutas interiores que percorrem a mente daqueles unidos pelo nome BROCKHAMPTON durante esta época de crise.

Assim sendo, os fãs deste género estão bem servidos, não só pelos dois álbuns ainda por sair da trilogia The Best Years of Our Lives, mas também pelas ofertas deste ano, com álbuns como Year of the Snitch, dos Death Grips, KIDS SEE GHOSTS, de Kanye West e Kid Cudi, ou TA13OO, de Denzel Curry, para enumerar alguns.