Após exatamente um ano dos acontecimentos de Charlottesville, estreia em Cannes BlacKkKlansman, o mais recente filme de Spike Lee. Pressagiado por esta data simbólica, o realizador de Malcom X (1992) volta a mostrar ao mundo os crimes cometidos pela supremacia branca, pelo racismo e pela intolerância, sem perder a oportunidade para tecer críticas ferozes à administração de Donald Trump.

BlacKkKlansman

Spike Lee baseia-se na história verídica de Ron Stallworth, interpretado por John David Washington, o primeiro polícia negro de Colorado Springs que, em 1979, através de chamadas telefónicas, se infiltrou numa célula local do Ku Klux Klan. Para as reuniões presenciais, substituía-o um colega judeu, Flip Zimmerman (Adam Driver).

Este enredo desenvolve-se através uma perspicaz mistura cíclica de comédia e drama. Lee introduz momentos descontraídos e de riso apenas para os contrastar no minuto seguinte com cenas chocantes, de alta tensão, que mantêm os espectadores com os nervos em franja. Muitos destes momentos cómicos vêm da representação caricatural dos membros do KKK, que fazem o bom trabalho de transmitir a sua brutal ignorância, perigosa por si mesma, contribuindo para que a sua ameaça não seja interpretada como nociva e, porventura, dispensada como ficcional.

BlacKkKlansman

Mas Lee não foca a sua mira apenas neste grupo terrorista de extrema-direita. Dispara também para a própria indústria de Hollywood, sendo a bala metafórica uma montagem alternada entre o linchamento de Jesse Washington e a depravação com que os cavaleiros do KKK assistem a uma projeção do clássico hollywoodiano “The Birth of a Nation” (um filme abertamente racista), destacando de forma visceral o papel que a indústria do entretenimento teve na propagação de ideais racistas e xenófobos.

Em termos de cinematografia podemos ver uma clara inspiração nos filmes da década dos 70, não fosse esse o tempo histórico da narrativa. Influência essa que vai desde o estilo dos planos e da montagem, até à própria banda sonora, reminiscente das do movimento blaxploitation. Destaco também o double dolly, marca registada de Spike Lee, onde Ron Stallworth (John Washington) e Patrice Dumas (Laura Harrier) se deslocam no ecrã para o que é um final de filme com uma positivamente perturbadora mensagem social.