Se analisarmos Astroworld como um todo, vemos um trabalho sólido e consistente. No entanto, nota-se um pouco de receio do artista em tomar grandes riscos, mantendo-se à sonoridade já caraterística dele.

Astroworld, o terceiro álbum a solo de Travis Scott, foi dos projetos mais esperados e polémicos deste ano. O rapper conseguiu criar mediatismo e controvérsia suficiente para disparar as vendas e, em poucas horas após o lançamento, já era número um na Billboard. Claramente, é um projeto que será relembrado no futuro como um dos melhores álbuns de 2018.

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O título é proveniente de um parque de diversões que o artista costumava visitar em Houston, onde cresceu. O nome escolhido combina com o tema do projeto, que já é um tópico recorrente em trabalhos anteriores do artista: universos distópicos e futuristas e viagens distorcidas pelo mundo das drogas e da fama. O uso de auto-tune, ad-libs e sintetizadores contribuem imensamente para conseguirmos sair do mundo real e entrarmos no parque de diversões fantástico criado pelo artista.

A primeira faixa, “Stargazing”, é um excelente início para esta viagem futurista. A música descreve uma experiência psicadélica imprevisível do artista e, por isso, ele aposta no uso de auto-tune excessivo, até nos próprios ad-libs, que, automaticamente, nos levam para uma realidade que desconhecemos.

A segunda canção, “Carousel”, conta com a participação de Frank Ocean, que canta alguns versos e o refrão da música. A voz do cantor varia entre a editada com auto-tune e a normal, esta variação expressa, simbolicamente, a diferença entre estar sóbrio ou alterado com drogas. Aqui, ambos os artistas explicam detalhadamente a experiência de estar vários dias seguidos sob a influência de drogas e, seguidamente, de ressaca, daí a escolha do próprio nome da faixa. Ou seja, existe um contraste entre a altura em que se sentem “no topo do mundo” enquanto estão alterados, e o quão pessimamente se sentem quando esse efeito desaparece.

De “Carousel” passamos para “Sicko Mode”, com uma transição brilhante de uma faixa para a outra. Criada pela falsa intro da segunda música, com um meio verso de Drake, este é interrompido por uma mudança de batida e uma entrada de Travis com um flow cativante. Esta faixa também conta com a participação de Big Hawk e Swae Lee. A canção fala maioritariamente sob a forma “bestial” ou “doentia” como Drake e Travis encaram a sua música e o seu trabalho, de forma a manterem-se acima da competição.

“R.I.P Screw”, é uma faixa de homenagem a uma lenda de Houston, DJ Screw, que alegadamente faleceu devido a uma overdose de codeína. Travis escolhe usar um efeito de slowdown ao longo de todo a música, que simboliza o próprio efeito apaziguador que, supostamente, a substância provoca.  Esta faixa também conta com o contributo de Swae Lee.

Na quarta faixa do álbum, “Stop Trying to be God”, que conta com as participações brilhantes de Kid Cudi, Stevie Wonder, Philip Bailey e James Blake, Travis foge um pouco ao seu tom regular e apresenta-nos uma balada melódica extremamente bem produzida e executada. O tema desta música é o complexo de Deus que alguns artistas tendem a desenvolver após a chegada da fama, esquecendo-se de onde vieram e quais são as suas raízes.

Seguidamente, temos “No Bystanders”, com Juice WRLD e Sheck Wes. Nesta faixa, ouvimos mais uma vez o tema do abuso prologando de drogas. No refrão inicial, Juice WRLD diz “The party never ends” como forma de explicar como é ser viciado em substâncias psicoativas. O tom utilizado pelo cantor explicita o desgaste físico e psicológico causado por esse estilo de vida. Refletindo sob as causas que podem levar uma pessoa a estes atos, Travis aponta a falta de amor próprio que leva as pessoas a quererem castigar-se a elas mesmas. Sheck Wes entra com um tom festivo, demonstrando a euforia de estar sob o efeito de drogas, gritando “Fuck the club up”.

“Skeletons”, é a primeira colaboração bastante esperada entre Scott e Kevin Parker, dos Tame Impala. A produção psicadélica de Parker encaixa perfeitamente no projeto e na visão de Scott. Nesta faixa, tudo nos leva a sentir que estamos a flutuar no tempo, anestesiados e desligados do mundo real. Também conta com o contributo de Pharell Williams e The Weeknd.

A oitava canção do álbum, “Wake Up”, novamente com The Weeknd, é alusiva à relação do cantor com Bella Hadid e à de Travis Scott com Kylie Jenner. A voz melódica e suave de The Weeknd contrasta belissimamente com a crueza da letra e a voz grave de Travis.

Na faixa “5% Tint”, vemos mais uma vez a referência ao seu estilo de vida luxuoso com drogas, mulheres e carros, e também a influência das suas raízes. Dado que Travis nasceu no Texas, este refere-se ao rapper Slim Thug, um grande artista do mesmo estado, e ao seu hit gigantesco “Still Trippin”.

“NC-17”, refere-se a uma restrição de idade, que é comum vermos em parques de diversões, aludindo ao tema do projeto. Esta faixa, que conta com a participação de 21 Savage, conta com letras bastante explícitas e agressivas que, tipicamente, não seriam próprias para o consumo de menores.

“Thunderstorm”, é uma faixa produzida por John Mayer e Thundercat, daí o título aludir à suas participações na realização desta música. Apesar da lírica simplista que já conhecemos como sendo algo natural em Travis, a produção torna esta canção extremamente agradável de se escutar, como é típico dos trabalhos de Thundercat.

A partir deste ponto, o álbum perde qualidade e Travis começa a circular à volta dos meus tópicos que costuma exaustivamente referir em todos os seus projetos. O excesso de músicas no álbum também acaba por demonstrar as fraquezas do artista: a falta de capacidade vocal, que este normalmente disfarça através da utilização de efeitos ou participações de outros artistas mais versáteis, e a falta de liricismo, que torna algumas das faixas entediantes e descartáveis. Tanto “Yosemite”, com a participação quase anedótica de NAV, como “Can’t Say”, “Who What”, “Butterfly Effect”, “Houstonfornication” e “Coffee Bean” são faixas que pouco ou nada contribuem para a totalidade deste álbum, e são faixas musicalmente redundantes e fracas.

Em jeito de conclusão, Astroworld é um álbum muito bem constituído, com uma produção brilhante e participações estrondosas, que perde por ser demasiado extenso e repetitivo. No entanto, mesmo tendo em conta os pontos negativos referidos, estes não são suficientes para prejudicar seriamente esta obra.