O número de brasileiros no Ensino Superior em Portugal tem disparado ano após ano. A segurança, a fama das instituições portuguesas e a utilização da prova ENEM são as razões apontadas pelos alunos que partem do Brasil.
A mudança de um país para outro é sempre um momento de grande transformação para qualquer pessoa. Essa situação pode ser encarada de diferentes formas, principalmente quando se vai estudar para um sítio onde o sistema de ensino é totalmente diferente ao que se está habituado.
Hernâni Fonseca mudou-se há menos de um ano para Portugal. Estuda na Universidade do Minho, onde se sente “feliz e tranquilo” com a nova realidade. No entanto, nem sempre foi assim. No início deste ano civil, quando Hernâni tinha acabado de completar o Ensino Secundário, no Rio de Janeiro, a mãe Rita decidiu emigrar. Com ela foram os pais e o filho. A preocupação com o futuro de Hernâni foi o principal motivo.
Apesar de reconhecer a existência de “excelentes universidades” no Brasil, acha que estudar em Portugal “dá mais prestígio” e outras garantias de futuro aos jovens. Já Hernâni recorda, com emoção, o momento em que soube que ia para Braga. Apesar do “choque inicial” e de ter a sensação que ia “largar uma vida inteira”, o estudante de 18 anos sempre achou que partir era a melhor solução.
Hernâni, a mãe e os avós chegaram a Portugal em fevereiro. Falta apenas o pai para a família ficar completa. “Não pôde vir ainda em função dos bens que precisamos de vender e porque ainda não se aposentou”, justifica Rita Fonseca, que aguarda a sua chegada assim que estas situações estiverem resolvidas.
Nos primeiros momentos em solo português, os quatro foram para casa de familiares em Vila Verde, antes de irem para Braga. O avô de Hernâni, que também veio agora do Rio de Janeiro, nasceu em Portugal e emigrou para o Brasil, onde conheceu a avó do jovem estudante. Passadas algumas décadas é a vez do neto fazer o caminho inverso.
Hernâni só podia ingressar no Ensino Superior através de um exame nacional feito em Portugal. O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que tinha realizado no Brasil não lhe dava equivalência por ter nacionalidade portuguesa. Ciente da missão que tinha pela frente, Hernâni teve aulas particulares e partiu “confiante” para o exame. Mas na noite anterior ao dia da avaliação aconteceu algo que o jovem carioca ainda hoje encontra dificuldades em explicar.
Depois de saber o resultado do exame nacional, Hernâni candidatou-se ao Ensino Superior e entrou na Universidade do Minho. O jovem estudante mostra-se muito satisfeito com os primeiros tempos na academia minhota, sentindo-se “integrado” neste novo ambiente.
Guilherme utilizou a nota do ENEM para entrar na UMinho
Ao contrário de Hernâni, o colega de curso Guilherme Folegatti chegou ao novo país sozinho. Com apenas 21 anos, o estudante brasileiro foi para Braga estudar Ciências da Comunicação. Embora Portugal não estivesse inicialmente nos seus planos, o incentivo de uma amiga e o caráter aventureiro de Guilherme fizeram com que a mudança fosse real.
Não é a primeira vez que o jovem natural da cidade de Campinas frequenta o Ensino Superior. Chegou a ingressar numa universidade brasileira, mas acabou por desistir. Convicto que a Comunicação é a área em que pretende trabalhar no futuro, Guilherme optou pela Universidade do Minho para fazer a sua licenciatura. “Eu pesquisei muito sobre as cadeiras e todas me chamaram à atenção, sobretudo pelo seu aspeto prático”, afirma o estudante que anota algumas diferenças entre o método de ensino português e o brasileiro.
Para ingressar na universidade, em Portugal, Guilherme utilizou a sua nota do ENEM. Este exame é o método utilizado pela maior parte dos estudantes com nacionalidade brasileira que pretendem ingressar nas faculdades e politécnicos portugueses. Segundo Guilherme, o que facilita o processo é o facto de “o ENEM poder ser aplicado tanto no acesso a universidades brasileiras como em estrangeiras”, deixando um maior número de opções em aberto.
Essa situação passou a ser possível desde 2014, quando o Governo português publicou um decreto que passou a regulamentar a entrada de estrangeiros para fazerem cursos completos no país. Atualmente são 35 as universidades e institutos politécnicos que aceitam a nota do ENEM como forma de ingresso para alunos brasileiros. O curso de Medicina é o único em que a prova não é aceite como único critério de seleção, sendo necessário fazer provas específicas em Portugal.
Mesmo com propinas que chegam, por vezes, ao dobro do valor pago pelos estudantes nacionais, o número de alunos brasileiros que chega a Portugal para se formar continua a crescer. “Se eu fosse para uma universidade particular de uma grande cidade do Brasil, provavelmente ficaria mais caro do que vir para Portugal”, assegura Guilherme.
O jovem paulista vê com bons olhos o aumento do número de estudantes brasileiros em Portugal. “Claro que, de certa forma, é reconfortante a ideia de ter outros brasileiros aqui”, afirma o estudante que, apesar disso, faz um esforço para não se dar apenas com compatriotas. “Eu acho que você corre o risco de perder parte da experiência de estar noutro local quando está com gente de mais do seu país”.
Essa sensação de acolhimento e de união contrasta com a instabilidade política e social que se vive no Brasil. Guilherme não hesita na hora de afirmar que esse é o principal motivo para o facto de muitos brasileiros saírem do país.
Foi precisamente essa a razão que levou Débora Silva, os pais e a irmã a deslocarem-se da cidade de Belém, capital do estado do Pará, para o Porto. Atravessaram um oceano e mudaram de continente em busca de “maior segurança”. Débora explica que é “tudo muito diferente” em Portugal e que sair à rua no Brasil é quase sinónimo de “correr perigo de vida”.
“Em Belém, onde vivia, quando andava pela cidade, usava duas carteiras: uma para poder usar e outra com menos dinheiro para dar ao ladrão. Tínhamos que estar sempre preparados para isso”. Quando chegou a Portugal, achou “estranho” as pessoas andarem com o telemóvel na mão, já que isso não acontece de maneira nenhuma no Brasil.
Aos 23 anos, Débora ingressou no curso de Psicologia, na Universidade do Porto. No entanto, ao contrário da irmã Ana Beatriz, que tem 19 e está a estudar Engenharia Civil, na Universidade Fernando Pessoa, já tem uma licenciatura no currículo. Tirou Pedagogia no Brasil, mas não conseguiu nenhuma equivalência no novo curso. “Foi frustrante quando soube que tinha de fazer tudo de novo”.
Estudantes brasileiros em Portugal aumentam 110% em cinco anos
Nos últimos tempos, as universidades e os politécnicos portugueses têm recebido cada vez mais alunos estrangeiros. E este ano não é exceção. As Instituições de Ensino Superior (IES) prevêm que o número de estudantes provenientes de outros países, ao abrigo do Estatuto de Estudante Internacional, que iniciam o percurso académico aumente de 4.521 para 5.450.
Em relação ao total de alunos estrangeiros, nos últimos cinco anos letivos (entre 2013/2014 e 2017/2018), verifica-se um aumento a rondar os 67%, atendendo aos dados revelados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).
Os alunos brasileiros são os principais a escolher Portugal como destino quando se trata de estudar permanentemente em solo português, ou seja, tirar o curso completo (mobilidade de grau). Entre 2013/2014 e 2017/2018, observa-se o crescimento de quase 6.000 estudantes originários do Brasil (aumento de 110%). Para além dos alunos brasileiros, Portugal é, igualmente, o destino favorito dos estudantes de nacionalidade angolana para realizar o ciclo de estudos completo.
Muitos alunos brasileiros optam por Portugal, também, para obterem créditos académicos reconhecidos pela instituição de origem a que pertencem, através de projetos como Erasmus Mundus. Nestes casos, o período de permanência nas universidades portugueses é limitado (mobilidade de crédito).
A Universidade de Coimbra é a instituição de ensino portuguesa com mais brasileiros. Em declarações à revista Época Negócios, Joaquim Ramos de Carvalho, vice-reitor para relações internacionais, considera ser fundamental haver diversidade cultural nas universidades. “É estratégico ter uma população estudantil internacional residente. (Quem estudou) na universidade nos últimos quatro anos teve oportunidade de encontrar estudantes de 126 países, 9% deles brasileiros”.
Com o aumento do número de estrangeiros, as universidades portuguesas estão gradualmente a adaptar-se à presença desses alunos. Rosa Cabecinhas, professora da Universidade do Minho e investigadora na área da inclusão social, esclarece que “a grande maioria já tem gabinetes de apoio ao estudante internacional, como é o caso da UMinho”.
A investigadora acredita que a maior parte dos brasileiros escolhe Portugal para estudar por ter a “perceção de que é um dos países mais seguros do mundo”. Para além disso, Rosa Cabecinhas esclarece que a língua comum também acaba por ser um fator de peso na decisão dos alunos.
Hernâni, Guilherme e Débora optaram pela “língua comum” e vir para Portugal. Como eles, milhares de brasileiros têm tentado a sorte no ‘país irmão’ no momento de embarcar na vida académica.
Texto: Cátia Barros, Henrique Ferreira, Sofia Moreira e Tiago Gonçalves
Imagem e edição: Sara Sofia Gonçalves