Dezasseis anos de abandono e muitas guerras políticas depois, o destino do antigo edifício da Fábrica Confiança é finalmente traçado. A Assembleia Municipal aprovou a venda do imóvel que passará em breve para as mãos do privado que estiver disposto a pagar os cerca de 4 milhões de euros pedidos pela Câmara Municipal de Braga.
No final de 2012, a autarquia de Braga chegou a acordo com a proprietária do edifício da antiga saboaria e adquiriu-o por 3,5 milhões de euros. Seis anos depois, é descartado e ainda pode gerar meio milhão de euros de lucro para os cofres camarários.
Olhamos para esta história e, de repente, voltamos brevemente aos nossos tempos enquanto crianças. Quando queríamos sempre aquele brinquedo novo que todos os outros tinham e rapidamente nos fartávamos dele. Não porque o brinquedo não fosse bom ou não tivesse potencial, mas sim porque outros apareciam e se tornavam bem mais aliciantes.
A verdade é que quando existe algo que nos é mais atrativo e que pode ter repercussões bem maiores na nossa vida, não pensamos duas vezes em substituí-lo. A Câmara de Braga tem em mãos um conjunto de outros projetos que dizem sugar-lhes os fundos que poderiam ser aproveitados na reconstrução da Fábrica Confiança e que, provavelmente, são bem mais vantajosos economicamente, como é o caso do Altice Forum Braga ou do Mercado Municipal.
O executivo municipal reconhece o erro de adquirir o edifício e embora houvesse já várias propostas de projetos a implementar na antiga perfumaria, assume que existem outras prioridades para a cidade. Também nós, enquanto crianças, acabávamos sempre por admitir que se calhar não era aquele o nosso brinquedo de eleição e que, por vezes, podemos ter mais olhos que barriga. Depois já sabíamos que alguém nos daria uma preciosa lição de moral sobre esta máxima do querer mais do que aquilo que iríamos realmente aproveitar e de como existiam meninos que dariam tudo para ter o brinquedo que tínhamos passado a desprezar.
Durante uns tempos teríamos que lidar com as repercussões da nossa má escolha. Uns diziam que bem nos tinham avisado, outros que, se fossem eles, iriam aproveitar muito melhor e ainda existiam aqueles que afirmavam a pés juntos que o verdadeiro mérito era dos que não deixavam que o brinquedo fosse deitado fora. Três tipos de pessoas que numa análise da política bracarense podem ser rapidamente associados aos partidos de esquerda que atuam na cidade.
O Partido Socialista critica severamente a decisão da maioria social democrata na assembleia municipal, enquanto a CDU realça o importante papel dos cidadãos que lutaram até ao fim para manter o edifício nas mãos do município. Por sua vez, o Bloco de Esquerda responsabiliza a equipa de Ricardo Rio pelo estado de degradação do edifício, lembrando os vários interessados em ocupar o espaço.
Opiniões que se transformaram em verdadeiras munições de ataque entre partidos. O ponto essencial acabou por ser deixado de lado: qual o uso mais benéfico para o edifício da Fábrica Confiança, esteja ele nas mãos da Câmara ou de uma empresa privada.
Sempre fui a favor da reutilização e considero melhor libertar-nos de algo que já não conseguimos suportar do que manter um fardo apenas por orgulho de uma decisão que tomamos incorretamente. O mesmo acontecia quando era criança. Nunca gostei de ter demasiados brinquedos e preferia entregar os que já não dava uso a quem os pudesse ainda aproveitar. Se existem privados capazes de dar uma nova vida à Fábrica Confiança, acho que o devem fazer.
A Câmara deve manter-se alerta e fiscalizar todo o processo, não deixar que ultrapassem as obrigatoriedades. A verdade é que o executivo continua a ter a faca e o queijo na mão e o caderno de encargos da venda do edifício mostra bem isso.
Todos os dias, quando abro a janela, vejo este edifício com quase cem anos de história. Acho que já me afeiçoei a ele e, mesmo não sendo Braga a minha cidade natal, consigo ver a importância que tem na história desta gente. A Fábrica Confiança é como um brinquedo antigo à espera de uma nova oportunidade. E mais importante de que quem o vai reparar é se terá a capacidade de fazer parte da memória de mais uma geração.