Na passada sexta feira, a música de Karlheinz Stockhausen foi o veículo de uma alucinante viagem entre o acústico e o analógico, que começou em Braga e terminou em todos os cantos do mundo da música.
O trio formado por Michael Pattmann (percussão), Patrícia Martins (piano) e Ricardo Guerreiro (difusão eletrónica) apresentou, no Gnration, três obras primas de um dos mais reconhecidos e relevantes compositores de música concreta do século XX: Karlheinz Stockhausen. Com uma enorme mestria na manipulação do som, os artistas foram capazes de levar ao público uma imensa panóplia de estímulos auditivos, de tal modo que todos os outros sentidos foram quase neutralizados pelo magnetismo dos impulsos sonoros.
Numa Blackbox completamente às escuras, foi com Patrícia Martins no piano que se acendeu a primeira luz. Numa execução sentida da peça “Klavierstück V”, a pianista preparava o público para uma nova interpretação do som, que fugia à noção clássica de escala e tempo, e que se alongava para dentro do espaço mental de cada ouvinte, abrindo caminho a um concerto que prometia ser intenso e desconcertante.
As peças que se seguiram, “Telemusik” – uma manipulação eletrónica de músicas tradicionais de várias culturas – e “Kontakte” – um jogo de ritmos e frequências entre instrumentos acústicos e digitais -, foram mais longe que a primeira na exploração da natureza da música e do som, e utilizando o sistema de som quadro fónico da sala, projetaram as ondas sonoras para uma dimensão espacial quase palpável. Uma música sempre imprevisível no seu movimento, quer no tempo, quer no espaço, gerou no público, tal como pretendido, uma sensação de desconcerto e de tensão permanente. “O medo está sem dúvida presente. [A música] faz-nos sentir uma certa solidão”, declarou Michael Pattmann, no fim do concerto.
Em “Kontakte”, uma peça de elevada complexidade, considerada por muitos uma obra prima da música do século XX, é de salientar a brilhante execução técnica dos intérpretes, que, não tendo um compasso fixo para orientação rítmica, foram capazes de se manter sempre coordenados; fator, aliás, essencial para a música de Stockhausen, que visa aglomerar o som dos vários instrumentos por vezes e desfasá-los noutras, criando assim uma dinâmica constante de acumulação de tensão e quebra repentina da mesma. De facto, foi através desta aparente aleatoriedade do registo sonoro que a música teve um efeito tão desconcertante na plateia.
Michael Pattmann, questionado no final do concerto sobre a natureza da música de Karl Stockhausen, explicou ao ComUM que “Stockhausen sabia perfeitamente, de antemão, os efeitos psicológicos da música e jogava com isso”. Quanto ao papel do artista na música, confessou que “é sempre um gosto enorme interpretar Stockhausen, há muito perigo na sua música”, acrescentando, sorridente e de mini na mão, que ”às vezes gostava que se reparasse mais no intérprete”.