Depois de Braga, a peça move-se para Ponta Delgada, em dezembro, e Évora, em janeiro. A encenação foi feita por António Augusto Barros e José Russo.

O Theatro Circo recebeu, esta sexta-feira, a peça teatral “Embarcação do Inferno”, que celebra os 500 anos da sua primeira apresentação. A produção e encenação ficaram a cargo das companhias Escola da Noite e CENDREV.

O ambiente escuro na sala principal do Theatro Circo dava as boas-vindas do diabo aos espectadores. Era tempo de julgar os mortos com base na vida terrestre. A obra mais emblemática de Gil Vicente utiliza a ironia e a moralidade para mostrar o desfecho da vida de certas figuras da Idade Média: o inferno. O texto é apresentado ainda nos dias de hoje pela intemporalidade das ações humanas.

Várias personagens foram sendo apresentadas ao longo da peça, que embarcariam na barca do inferno pelas suas más ações em terra e que conotavam a malícia do ser humano. Apenas os quatro cavaleiros, personagens que morreram em combate, embarcaram na barca da glória.

Com uma decoração moderna em palco, as personagens contavam a sua história ao diabo e pediam ajuda ao anjo. Quando embarcavam, os objetos que traziam consigo eram atirados para um alçapão, símbolo do fim dos seus vícios e começo da morte.

A apresentação da obra no Theatro Circo contou ainda com três outros momentos durante a semana, dedicados ao público escolar.

500 anos de Gil Vicente

Esta semana, a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva recebeu uma conferência, onde se debateu a vida e obra do primeiro dramaturgo português.

A ideia de encenar Gil Vicente surgiu em 2016, em conjunto com as duas companhias, Escola da Noite e CENDREV. Desde aí, a peça foi representada mais de 120 vezes em mais de 12 cidades.

José Bernardes, professor catedrático na Universidade de Coimbra e especialista das obras vicentinas, explica que o “Auto da Barca do Inferno”, primeiramente chamado de “Auto da Moralidade da Embarcação do Inferno”, é uma “representação da sociedade portuguesa do século XVI”.

Gil Vicente

Daniela Silva / ComUM

Na conferência sobre a obra, o professor catedrático falou do ensino da obra nas escolas. “É necessário transportar os alunos ao século XVI e não o século XVI aos alunos”, disse.  Segundo José Bernardes, os traços que mais separam os séculos e surpreendem os estudantes são a “familiaridade que existia no século XVI para com a morte, a crença no julgamento, a ideia de além” e a inversão dos ideais de vida e morte, em que só se acorda para vida quando se morre.

No entanto, um dos maiores problemas no ensino da obra é explicar “o porquê de o judeu ter dupla penalização pela sua religião quando em pleno século XXI proclama-se a tolerância religiosa”.

Para José Bernardes, é necessário continuar o estudo sobre as obras, caracterizando o “Auto da Barca do Inferno” como “caricatura e não tanto como retrato”.