Em 1994, Nas lança Illmatic, que imortaliza o som das ruas nova-iorquinas dos anos 90 e muda o panorama do Hip-Hop. O som cru, autêntico e simplista combina perfeitamente com as histórias que o artista conta, relatando as vicissitudes e felicidades do seu dia-a-dia em Queens.
Ao contextualizar, percebemos que nos encontramos num ambiente suburbano, rodeados pelo crime. Nasir pretende demonstrar, de forma precisa, a dureza desse estilo de vida, o tentar sobreviver numa base diária, quando o amanhã é incerto. Na faixa “Life’s a Bitch” temos claramente presente a ideia de que a morte, para muitos, virá cedo demais e, portanto, devemos tentar aproveitar o nosso dia-a-dia ao máximo, usufruindo dos prazeres da vida. No entanto, o rapper contrapõe esse pensamento ao longo da faixa, afirmando que, apesar de tudo, temos de manter a esperança de um amanhã melhor e lutar para atingi-lo.
Illmatic é um projeto repleto de clássicos, seja pela produção ou pela lírica, excelentemente trabalhada e complexa. O artista utiliza recursos estilísticos e linguagem figurativa para tornar as faixas mais dinâmicas e auditivamente interessantes, como é demonstrado de forma impressionante na faixa “Halftime”, em que Nas mostra o seu máximo potencial em termos de fluência e ritmo, com um refrão executado magicamente.
Outro exemplo é “Memory Lane” em que a batida e a letra encaixam na perfeição, para criar algo extremamente sólido. Nas é capaz de contar uma história detalhada, fazendo com que o ouvinte a consiga imaginar. Conseguimos capturar a essência das manhãs frias da cidade, a comoção das pessoas nas ruas, os becos escuros de Queens. Sentimos a dor das classes pobres, sentimos a miséria do povo negro, sentimos a raiva em relação à autoridade corrompida. Somos confrontados com uma realidade que não podemos ignorar, porque nos é apresentada de uma forma tão real e crua que arrepia. É a criação de um som distintivo, de um Hip-Hop como música de intervenção e como denunciador de desigualdades sociais, mas também como relatador da realidade que muitos não vêm.
O álbum é extremamente bem executado, desde a produção às letras, com algumas das melhores rimas que o mundo já presenciou e batidas que coordenam em perfeição com aquilo que se pretende passar. A produção é simplista, mas não é isso que a torna menos genial, pois o foco é o artista e a sua mensagem. É primário que seja aquilo que nos é dito que nos capte a atenção e não o instrumental. O papel das batidas é ajudar-nos nessa viagem mental à realidade de Nasir. É esta mistura cósmica que torna Illmatic icónico, especialmente para os apreciadores de Hip-Hop old school.
Ao ouvir Illmatic, 24 anos depois, somos transportados para uma época mais simples, especialmente no mundo da música. Onde o que importava era a mensagem por detrás daquilo que estávamos a ouvir e o que nos transmitia, e não o estatuto ou o dinheiro de quem nos falava. Nas não revolucionou o mundo da música com Illmatic só por ser rapper, mas porque milhares de pessoas puderam rever as suas histórias nas letras do álbum. Porque sentiram algo a ouvir a música e é isso que todos os músicos devem almejar.