Entrei na sala de cinema com um despreocupado conhecimento acerca da banda mais icónica e irreverente de todos os tempos. Sentei-me confortavelmente na cadeira e uma poderosa batida conjugada com uma inconfundível guitarra remeteram-me para o banco de trás do antigo Ford Focus do meu pai. Estava prestes a começar Bohemian Rhapsody, um filme biográfico do eterno Freddie Mercury. Poderoso e arrepiante.
A história é previsível, tendo em conta que se trata de um filme biográfico, construído com factos e testemunhos reais. No entanto, conta com o fator novidade, no sentido em que procura partilhar com o espetador ambos os lados: o intimista e o social de Freddie Mercury. Assim como o processo de criação, ascensão e administração dos Queen e da família do vocalista.
Penso ser indubitável afirmar que, durante o período retratado no filme, a banda londrina formada em 1970 vive da música, inspira talento e expira inspiração. O momento de criação de êxitos como Love of my life, We will rock you e, o toque divino, Bohemian Rhapsody, conferem ao filme uma luz de exclusividade, como se nos cedessem, a nós, enquanto fãs, uma fatia daquele que é um enorme e complexo bolo de genialidade.
Bohemian Rhapsody conta com a banda sonora original dos Queen, que permite à história fluir com delicadeza entre as dificuldades associadas à entrada na indústria musical, os momentos de fama e os compassos de insucesso e instabilidade.
Freddie Mercury é espelhado como um visionário, um espírito inquieto e insatisfeito, que viveu em busca de algo que o impedisse de se sentir sozinho. Recorreu às loucas festas, à descontrolada ingestão de álcool, ao consumo desmedido de drogas e às numerosas relações sexuais. Estas distrações serviam-lhe como cortina que separava a realidade marcada pela tristeza e solidão do estado de encanto, efervescência e liberdade que a alucinação lhe proporcionava.
O diagnóstico de que tinha contraído SIDA mudou o modo como olhava o mundo, entendia a vida e se posicionava em relação aos outros e a si próprio.
Deixei fugir uma lágrima. Arrepiei-me com a harmonia de instrumentos, vozes, sorrisos e passos de dança. O próprio silêncio ganha uma dimensão poderosa e revigorante nesta obra.
Não posso deixar de destacar a brilhante performance do ator Rami Malek. Aliado aos profissionais encarregues do vestuário e maquilhagem, o ator que nos trouxe Mr. Robot surgiu com a postura, movimentos e modo de falar do eterno vocalista dos Queen.
Bom filme. Perspicaz realização. Júbilo generalizado. Saio da sala com uma inexplicável vontade de formar uma banda, mesmo sabendo que primeiro deveria aprender a tocar um instrumento para além da flauta, expandir a amplitude de voz para alcançar o estridente Galileo, e adquirir um casaco amarelo metalizado ou com um invulgar padrão.
Recomendo vivamente… refiro-me ao filme, claro. E não, de forma alguma, àquela hipótese mirabolante de enveredar pela vida artística. Não abandonem os estudos para perseguir um sonho isento de reflexão, com base no visionamento de cento e trinta e quatro minutos de puro êxtase, com pipocas à mistura. As pipocas condicionam o bom senso e causam sede, o que obriga a comprar uma bebida por dois euros e trinta e cinco cêntimos.
Título original:Bohemian Rhapsody
Argumento: Anthony McCarten, Peter Morgan
Realização: Bryan Singer
Elenco: Rami Malek, Lucy Boynton, Gwilym Lee
2018
EUA