Sete anos após o lançamento daquele que seria o suposto último álbum de Daughters, a banda lança um projeto que expande e progride a sua assinatura musical e artística. You Won’t Get What You Want é uma odisseia caótica e belissimamente feia, que define um dos mais inovadores álbuns de Noise Rock dos últimos anos.

Formada em 2002, Daughters é uma banda americana proveniente de Rhode Island, constituída por membros inicialmente associados ao Grindcore. Após o primeiro álbum, a banda decidiu tornar a sua assinatura sónica mais ligada ao Noise Rock, género que ainda atualmente se debruçam.

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A banda anunciou em 2010 que se ia separar após o lançamento do terceiro álbum, e foi preciso esperar até 2016 para o nome Daughters ser ressuscitado sobre a premissa de um projeto sem uma agenda ou limite previsto. You Won’t Get What You Want foi o produto deste esforço e representa uma grande mudança para o conjunto norte-americano, não só por contar com o dobro do tempo de rodagem habitual dos seus álbums, mas também por contar com o leque lírico mais refinado de sempre.

Somos introduzidos ao disco com “City Song” que, através da fusão entre percussão seca e loops sintéticos ruidosos, imediatamente nos choca e até assusta. E a paisagem que o vocalista Alexis Marshall nos pinta não se fica atrás, por ser apocalíptica, paranóica e bastante incomodativa.

A culminação bastante violenta é abruptamente interrompida por um momento sereno onde se assume um momento para o ouvinte respirar. Porém, a faixa seguinte, “Long Road, No Turns”, toma conta com guitarras desordenadas que nos deixam ainda mais desorientados. A faixa aborda temáticas como a repetição entediante do dia-a-dia, suicídio, inveja e até tece uma crítica a quem se limita ao status quo, com a aclamação de que na vida “Someone’s always got it worse”.

“Satan in the Wait” acalma um bocado o passo para se focar, ao longo de sete minutos, num contexto mais narrativo, tocando na forma como usamos o prazer e a ilusão para esconder temporariamente toda a destruição que nos rodeia. O narrador abandona, na reta final da canção, o pouco positivismo que tinha, sendo de certa forma, “engolido” pelos agudos sons que se intensificam.

“The Flammable Man” e “The Lords Song” colocam o pé no acelerador de novo, continuando as mensagens de paranóia, ansiedade, niilismo e insanidade. Com uma pesada sonoridade Rock sem misericórdia, estas faixas são implacáveis perante a apressada queda mental do narrador.

Porém, mais uma vez, é necessário abrandar um bocado para deixar o ouvinte descansar de toda esta exacerbação sónica. É ai que entra “Less Sex”, uma faixa mais pausada e que permite aos instrumentos ganhar maior dimensão e evitar a saturação perante a presença exagerada que têm noutras faixas. Os sintetizadores continuam intimidantes mas de forma mais suave e passiva, a bateria toma um papel mais secundário na ação, e a entrega lírica é mais monótona e traz à memória artistas como Nick Cave atuando em tandem com temas como o arco de dependência, perda de controlo e autodestruição sobre os quais o vocalista se debruça.

“Daughter” e “The Reason They Hate Me” é quase como uma ponte de regresso, localizada no meio-termo destes dois mundos. Cativantes e capazes de agarrar a audição mas não tão ferozes e violentas quanto isso, utilizam mais o Rock e o Industrial. A primeira com uma letra extensivamente metafórica e a segunda com uma abordagem sobre o lado mais negro do criticismo. Esta última refere que, mesmo que opinar possa ser uma ferramenta, pode servir também para esconder ódio e preconceito, gerando frustração e raiva a quem é atingido por o lado mais azedo desta cadeia tendenciosa.

Para terminar em alta, “Ocean Song” e “Guest House” proliferam nesta corrente sonora inquietantemente bela e carnalmente feia, ao explorar fortemente o lado mais cinematográfico deste álbum. “Ocean Song” constrói-se sobre um homem hipotético, chamado Paul, que lida com uma forte crise existencial e decide correr da grande sombra que o persegue, uma elaborada metáfora sobre o tédio e monotonia das nossas esmagadoras rotinas e escolhas de vida. É um autêntico furacão ruidoso de palavras e uma panóplia instrumental que nos coloca perfeitamente no epicentro da realidade atual de Paul. Na conclusão desta faixa, o homem finalmente abandona tudo na procura de “um oceano por detrás das ondas”.

E é aí que se inicia “Guest House”, um fim ridiculamente claustrofóbico e tenso, que nos agarra à cadeira, protagonizado por uma guitarra que divide a ação com agudos desorganizados e estrondosos. Aqui, o narrador procura fugir incessantemente de todo o horror e caos no qual este álbum nos afunda, tentando regressar desesperadamente a um lugar que lhe transmita conforto e segurança. Porém, vê-se incapaz de entrar neste lugar, clamando e bravando a todos os céus para o deixarem entrar, à forma que toda a música o absorve na sua insanidade.

De forma geral, You Won’t Get What You Want é uma incrível odisseia pelo buraco negro da sanidade mental humana, levando-nos pela mão pelo escárnio e violência que cada um de nós guarda dentro de si. O álbum tem uma visão sem restrições, que foge muitas vezes do harmónico ou convencional em prol da sua mensagem e dos debates que explora. Todavia, isto faz com que possa ser demasiado sonicamente inacessível para quem não estiver de braços abertos para esta cacofonia sonora.

Os sons dos projeto, a repetição e a sobre extensão de algumas partes acabam por contribuir para a geral finalidade do álbum e para aquilo que este ilustra, embora possam afastar bastantes ouvintes devido à sua agressividade. Mas mais importante é o facto de You Won’t Get What You Want também conseguir explorar e impactar de forma notável a mente humana da maneira que poucos grupos conseguiram nos últimos anos, ao invadir-nos de medo e pânico com facas sónicas e sentenças tão ou mais afiadas.