Hoje assinala-se o Dia Mundial do Xadrez. A falta de jogadores, principalmente no sexo feminino, e o amadorismo em Portugal são alguns dos problemas retratados pela atleta e treinadora Mariana Silva e pelo dirigente Mário Oliveira.

Velocidade, agilidade e condição física são conceitos que tradicionalmente se associam à maioria das modalidades. Já capacidades como força mental, raciocínio e paciência são, por vezes, desvalorizadas no desporto e conotadas mais rapidamente com outras áreas. Por essa razão, o xadrez ainda continua à procura do seu espaço, nomeadamente em Portugal.

Um rei, uma rainha ou dama, dois bispos, dois cavalos, duas torres e oito peões. Podíamos estar a falar da composição de um reinado modesto em qualquer parte do mundo, muito habitual no milénio passado. No entanto, estas são também as peças que cada jogador tem ao seu dispor quando começa uma partida de xadrez.

Mariana Silva começou a construir o seu reinado nesta modalidade há oito anos. “Convencida” pelo pai, que criou um clube de xadrez na escola onde a jovem natural de Braga andava, iniciou o percurso neste desporto juntamente com a irmã. “Não estava à espera de gostar, mas por acaso aconteceu e foi assim que comecei a jogar”, recorda.

Aos 20 anos, hoje é a rainha da modalidade na Universidade do Minho, onde é jogadora, treinadora e principal responsável pela equipa, além de frequentar o terceiro ano da Licenciatura em Línguas Aplicadas. Sendo a atual bicampeã nacional universitária, na época 2017/2018 foi considerada a atleta feminina do ano da academia minhota e esteve também nomeada para o prémio de monitora do ano.

Até chegar a este patamar, Mariana teve que percorrer um longo caminho no mundo das 64 casas (composição de um tabuleiro de xadrez). Em oito anos, sagrou-se sete vezes campeã nacional de jovens, entre os escalões de sub-14 e sub-20. O primeiro título conquistado, em Torres Vedras, foi o impulso para a sua ascensão na modalidade.

Deslocando-se para a frente, para trás, para os lados ou na diagonal, Mariana conseguiu chegar à casa mais desejada: a seleção olímpica de Portugal. Para a atleta natural de Braga, representar o país é uma sensação “inigualável”. “É uma experiência que qualquer jogador de xadrez adoraria ter e sinto-me muito sortuda por já ter experimentado esse ambiente”, afirma com um brilho no olhar.

Em 2016, em Baku, no Azerbaijão, e, em 2018, em Batumi, na Geórgia, Mariana teve a companhia da irmã Inês, dois anos mais nova, nas Olimpíadas de Xadrez. O percurso das irmãs Silva na modalidade tem-se cruzado várias vezes, seja como colegas de equipa ou como adversárias.

Num desporto em que o lado racional adquire uma importância acrescida, Mariana diz estar “muito habituada” a deixar a emoção de parte, mesmo quando joga contra a irmã.  “Eu gosto de jogar xadrez e então tento abstrair-me de tudo o que está à volta e jogar o jogo pelo jogo. Quando acaba somos amigas outra vez”, conta com um sorriso no rosto.

Numa modalidade jogada na esmagadora maioria por homens, ter a companhia da irmã acaba por ser um fator que pesa ainda mais. “Para uma mulher, como há poucas a jogar xadrez, não é fácil arranjar companhia para os torneios. É muito bom ter alguém que partilha o mesmo gosto que eu”.

Esta discrepância entre homens e mulheres é uma realidade que tem origens sociais, no entender de Mariana. A jovem atleta, que representa atualmente o Clube de Xadrez da Didáxis, considera que ainda há “um longo caminho a percorrer” para que sejam esbatidas as diferenças de estatuto entre os sexos masculino e feminino também nesta modalidade. Trata-se de uma situação bem distinta da verificada num tabuleiro de xadrez, em que a rainha tem mais poder do que o rei.

O xadrez continua há já vários anos à procura do seu espaço em Portugal. Para Mariana, este desporto é ainda “pouco reconhecido” no país e está “muito aquém” do que acontece noutras nações. A atleta dá o exemplo da Rússia e de outros países de Leste, de onde são originárias duas das principais figuras da história da modalidade: Anatoly Karpov e Garry Kasparov. “As crianças são ensinadas logo desde pequenas a jogar xadrez. É uma disciplina ensinada nas escolas e, assim, é normal que haja mesmo muita gente a jogar”.

Apesar disso, Mariana acalenta ainda esperanças de que o paradigma da modalidade em Portugal mude a médio/longo prazo. “Temos uma geração de jovens jogadores a aparecer”. A jogadora e treinadora minhota apoia-se também no facto de o atual campeão mundial de xadrez, Magnus Carlsen, ser da Noruega, um país que “nunca teve muita tradição” na modalidade, mas que acabou por ter “um grande impulso nos últimos anos, roubando audiências a outros desportos e programas”.

Seja como jogadora ou treinadora, Mariana pretende ser mais uma peça importante no tabuleiro de modo a que o xadrez ganhe mais protagonismo em Portugal. A curto prazo, isso passa por continuar a representar três casas: a Universidade do Minho, o Clube de Xadrez da Didáxis e a seleção nacional.

Há menos 1.000 atletas federados do que há dez anos

O número de atletas federados de xadrez tem oscilado nas últimas duas décadas. Se em 1996 havia uma quantidade semelhante de jogadores ao que acontece atualmente, nem sempre foi assim.

Nos primeiros anos do milénio chegaram a haver 4.449 (quase o dobro), o que constitui um recorde. No entanto, entre 2008 e 2012 houve uma descida abrupta de 1.654 atletas.

 

CX Didáxis tornou-se numa referência nacional em pouco tempo

Sediado na Escola Cooperativa Didáxis Vale S. Cosme, em V.N. Famalicão, o Clube de Xadrez (CX) Didáxis tem sido um viveiro de talentos. Mariana Silva é um desses exemplos. Esta coletividade é coordenada desde que foi fundada, na época 2003/2004, por Mário Oliveira, que considera a “força do coletivo” o principal trunfo deste projeto.

Criado com o intuito de formar jovens atletas, o clube começou por competir em torneios do Desporto Escolar. No entanto, com o passar dos anos e depois de vários títulos conquistados, o CX Didáxis ganhou um estatuto que permitiu aos xadrezistas jogar em provas federadas, inclusivamente a nível nacional e internacional.

Mário Oliveira destaca alguns momentos importantes vividos pela equipa nos últimos três anos: a conquista da Taça de Portugal, em 2016/2017 e a vitória na Supertaça, na época seguinte. Além disso, o mentor deste projeto, que conjuga esta atividade com a profissão de professor de Matemática, foi considerada a personalidade do ano, em 2015, pela Federação Portuguesa de Xadrez.

Xadrez

Diogo Rodrigues/ComUM

Ver atletas que iniciaram a atividade na modalidade no CX Didáxis tornarem-se referências a nível nacional é motivo de “grande regozijo” para Mário Oliveira. O mentor do projeto, natural de Guimarães, alerta para o facto da prática do xadrez poder refletir-se no aproveitamento escolar. “É reconhecido que as crianças que praticam desde cedo xadrez melhoram consideravelmente a sua capacidade de raciocínio, o que se reflete num melhor rendimento escolar”.

Mário Oliveira partilha da opinião de Mariana no que aos apoios (ou falta deles) à modalidade diz respeito. Considera que o xadrez em Portugal está longe de ser uma das prioridades das entidades responsáveis.

Atualmente, em Portugal, há pessoas que vivem só do xadrez. No entanto, isso não significa que sejam jogadores 100% profissionais. “Isso é uma situação impossível”, sublinha Mário Oliveira. Para conseguirem ter uma vida exclusivamente ligada à modalidade, esses atletas, que são poucos, têm de conciliar com o cargo de treinador e, em alguns casos, com o de dirigente.

Mário Oliveira fundou a secção de xadrez da Universidade do Minho, em 1997, quando tirava o curso superior de Ensino de Matemática. Um projeto que foi continuado por dois atletas do CX Didáxis e que, portanto, o professor conhece bem: primeiro por Luís Silva, atualmente o nº 7 do ranking nacional, e estudante de Medicina na academia minhota, e agora por Mariana Silva.

Mário Oliveira e Mariana Silva têm em comum o gosto pelo xadrez, o CX Didáxis e a Universidade do Minho. No entanto, partilham ainda algo maior: o desejo que o xadrez se torne peça-chave – rei, rainha ou bispo – no desporto português e que deixe de ser considerado um peão, a peça do xadrez mais desprezada e com menos poder do tabuleiro.

 

Imagem e edição: Diogo Rodrigues