O quarteto norte-americano deu corda à descoberta de novas formas de interpretar a música, numa sala cheia que se rendeu à criatividade do conjunto.

O Theatro Circo foi palco, na passada terça-feira, da atuação de Kronos Quartet, que, numa sublime demonstração de variedade musical, levou até à plateia bracarense intensas e profundas interpretações de temas integrantes do panorama musical contemporâneo.

O quarteto de cordas de São Francisco conta com 40 anos de história e já colaborou com grandes nomes do mundo da música contemporânea como Philip Glass e Terry Riley. O grupo apresentou-se em palco com David Harrington e John Sherba no violino, Hank Dutt na viola d’arco e Sunny Yang no violencelo e, durante duas horas de espetáculo, interpretou uma alargada panóplia de géneros musicais, desde o jazz de John Coltrane ao estilo experimental de Michael Gordon.

Com uma técnica irrepreensível, o quarteto foi capaz de tornar a música erudita numa experiência acessível a todos, sem nunca perder o rigor nem a qualidade da interpretação. O poderoso choque emocional criado pelos quatro instrumentos foi utilizado para aproximar a composição do sentimento humano.

Pela aparente simplicidade e ausência de aparato, o concerto ganhou uma dimensão de deslumbramento face ao som e a dinâmica criada pelos artistas como que hipnotizou a sala e comprimiu o tempo, num anacronismo que tantas vezes acompanha uma boa atuação. Foi sobretudo admirável a gestão dos temas de modo a que os espectadores se sentissem sempre presentes em todas as músicas, ovacionando com um entusiasmo pouco frequente num concerto de música aparentemente clássica.

O espetáculo foi aberto com a interpretação de “Zaghala”, um tema de Islam Chipsy, que remeteu o público para um lugar exótico e distante, que colocou o Theatro Circo mesmo ao lado das pirâmides de Gizé. Ficava assim claro que o quarteto não se ficaria pelo clássico, mas que apostaria a sua atuação num leque de sonoridades tão distintas quanto cativantes, rompendo com a ideia de que a música erudita é monótona e aborrecida.

Durante o resto da primeira parte, o ambiente sonoro tocou em diversos pontos da emoção humana, desde a aflição provocada por “My Desert, My Rose” (tema de Aleksandra Vrebalov) até à calma que foi transmitida por “Alabama” de John Coltrane.

A segunda metade foi aberta, para regozijo geral do público, pelo famoso tema dos The Who, “Baba O’Riley”. Continuando com um esquema de oposição de reações da plateia, a um arrepiante “God Shall Wipe All Tears Away” de Antonio Haskell seguiu-se uma extraordinária adaptação de “Pallavi”, de Zakir Hussain.

Apesar da hora tardia, houve ainda tempo para mais três temas que não estavam previstos e que se arrastaram até à meia-noite, hora que foi assinalada por David Harrington: “It’s Midnight in Braga.”