Um homem. Uma mulher. Uma máscara. Milhares de homens, de mulheres e de máscaras. A Abertura 1812 de Tchaikovsky. Um grito à liberdade. Uma crítica ao fascismo. V de Vingança, mesmo com os seus defeitos, é um filme que merece ser visto.
“Dizem-nos que nos lembremos da ideia, não do homem, porque um homem pode ser preso, pode ser morto e esquecido, mas 400 anos depois, uma ideia ainda pode mudar o mundo.” V de Vingança coloca-nos frente a frente com o desconforto, lembra-nos de algo que não pode ser esquecido: as ideias às quais damos vida têm um poder imensurável, são indestrutíveis. É, possivelmente, para alguns de nós, como a expressão de algo que sempre sentimos, um tomar forma do sangue que nos corre nas veias e que ganha agora uma imagem.
O filme é uma adaptação de James McTeigue e dos irmãos Wachowski da banda desenhada de Alan Moore e David Lloyd e salta-nos à vista a sua principal temática: a da liberdade e da colisão entre anarquia e fascismo.
Esta temática é evidente no próprio enredo do filme: um homem misterioso, cuja identidade nunca é revelada, mas cuja imagem é marcada pelo uso de uma máscara de Guy Fawkes, inicia uma revolução para deitar abaixo um futuro governo fascista fictício na Inglaterra.
É praticamente impossível não nos sentirmos fascinados por esta figura. A sua inteligência, determinação, mistério e poesia destaca-a em relação ao mundo em que vive e às personagens que o representam. É conhecida apenas pelo nome “V”, mas V é como um quadro complexo sobre a parede destruída de uma museu, uma pintura para a qual nos dói olhar mas que, simultaneamente, nos magnetiza, até porque nos diz o que sentimos ser verdade, mesmo sendo esta diferente do que estamos habituados a ouvir. A máscara que usa é um símbolo mas, como ele próprio diz, “As pessoas dão poder aos símbolos.”
Há algo em V de fascinante e desconcertante, e o filme conduz-nos numa dança mental da qual não queremos sair. Os efeitos especiais, bem conseguidos, dão vida às ideias de V. Toda a imagem do filme parece prender-nos e é, especialmente, visualmente intensa e cativante em certos cenários, como na habitação de V. O argumento é fenomenal, as palavras parecem assentar na perfeição nas cenas, e é por isso que as frases deste filme são tão marcantes.
Os cenários transmitem a imagem que é essencial numa película onde a revolução se baseia em símbolos e a banda sonora acentua o sentimento, com peças musicais de Dario Marianelli, Anthony and the Johnsons, The Rolling Stones, The Velvet Underground, entre muitos outros.
Mas o filme também aborda o feminismo, sobretudo através da personagem principal que vai auxiliar V na sua revolução, Evey. Esta personagem transmite-nos, em parte, o estereótipo da personagem feminina: frágil, sem poder na sociedade em que vive, que para além de fascista é profundamente machista; e acaba por depender de V para sobreviver. Esta mulher passa, no entanto, por uma transformação ao longo da história, por uma experiência tão psicologicamente destrutiva que a liberta de todo o medo e que a “destrói”, não a eliminando, mas erguendo-a para um novo patamar na relação de si para consigo e com o mundo – à semelhança do que aconteceu com V. Mas V é o responsável por esta mudança. Podemos olhar para isto como uma confirmação do estereótipo. No entanto, é evidente que através deste filme todo o tipo de tirania é criticada. E vemos Evey igualada a V, quer na sua experiência, quer na sua determinação, quer na sua integridade.
Outro aspeto que nos atrai nesta filme, para além do que já foi mencionado, é a performance fantástica dos atores. Como não poderia deixar de ser, da fantástica Natalie Portman e do homem por trás da máscara, Hugo Weaving, bem como de muitos outros como Stephen Fry, John Hurt ou Stephen Rea.
O 5 de Novembro não deve ser esquecido. Nem o nosso direito à liberdade. Nem o termo-nos e mantermo-nos a nós mesmos.
Título Original: V for Vendetta
Argumento: Lilly Wachowski
Realização: James McTeigue
Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Fry, John Hurt
2005
EUA