Citizen Kane, a obra-prima e primeira obra de Orson Welles no mundo do cinema, conta-nos a história do magnata Charles Foster Kane na sua perseguição do sonho, numa tentativa de preencher um vazio insondável que vai crescendo debaixo do peso do mundo que tenta controlar, e que, eventualmente, o abandona e destrói.
A película de 1941 do realizador norte-americano é considerada, por inúmeros críticos e amantes da sétima arte, como um dos melhores e mais bem produzidos filmes de toda a história do cinema. Em 1998, o American Film Institute considerou-o mesmo como o melhor filme alguma vez feito. Recorrendo a técnicas pouco exploradas à época, quer no processo de filmagem, quer na estrutura da narração, Welles consegue encenar, numa só longa metragem, uma peça catártica do mundo, naquilo que ele tem de intemporal, mas também de presente; na qual o personagem central é aquele que sonha e que se sujeita à destruição implícita no próprio sonho; que tem como cenário um mundo em crescimento e em mudança; e que está, todo ele, rodeado de esperança, mentira e mistério. Sobretudo mistério.
Em Citizen Kane estão bem patentes a escola e a paixão pelo teatro de Orson Welles. Mas o filme não se limita a encenar uma peça no ecrã, antes serve-se das características da filmagem para empoderar a narração da história do ambicioso Kane. Retirado à família para ser criado na metrópole sob a tutela de um poderoso banqueiro nova iorquino, o jovem Kane cresce rebelde enquanto acumula uma fortuna colossal que herda da sua mãe. Pouco interessado, no entanto, no seu património, Kane assume apenas a direção de um pequeno jornal local, O Inquirer. É da sua ambição enquanto diretor do jornal que nasce um império da comunicação social que lança Kane para as bocas do mundo. Guiado somente pela sua própria lei, o magnata sonha com uma sociedade justa e livre, onde há alguém que defenda os interesses daqueles que ninguém defende. Esse alguém é o Inquierer, e o Inqueirer é Charles Foster Kane.
Todavia, há algo envenenado no seu sonho, ou talvez no próprio mundo que ele pretende proteger; e com o passar dos anos, com o acumular de derrotas que contrastam com o seu sucesso inicial, algo vai mudando no outrora ambicioso e tenaz empreendedor. Incessantemente à procura de algo, também o espectador procura ansiosamente Rosebud, o grande enigma e palavra-chave do todo o filme. Rosebud é, ao mesmo tempo, a base explícita da construção da narrativa e o orientador camuflado de todas as ações do cidadão Kane.
É absolutamente admirável que este tenha sido o primeiro filme de Orson Welles, que possuía então um pequeno conhecimento da escola cinematográfica. Talvez por isso, cheio de dramatismos que o tornam chocantemente real, o filme seja tão genuíno. Quanto à inovação arrojada e ingénua do filme, o próprio Orson Welles constatou: “Ignorance, ignorance, sheer ignorance—you know there’s no confidence to equal it. It’s only when you know something about a profession, I think, that you’re timid or careful.”
Título Original: Citizen Kane
Argumento: Herman J. Mankiewicz, Orson Welles
Realização: Orson Welles
Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore
EUA
1941