Abre Los Ojos: a obra cinematográfica originaria de uma coprodução Espanhola, Francesa e Italiana de 1997, que desafia qualquer cinéfilo a encontrar uma classificação exata de género. Entre todo o drama, o mistério, o romance e um toque de ficção científica, qual será o mais adequado?
Esta obra conta a história de César, um homem jovem pertencente à classe alta e, talvez por isso, desejado por todos; “Soy aceptable, cuando no estás al lado”, desabafa Pelayo, seu amigo. Contudo, esta atração para si, principalmente por parte dos elementos femininos, leva-o a crer que a mulher dos seus sonhos não existe. No entanto, na noite dos seus 25 anos, aquando do encontro com Sofia, algo parece mudar.
Perante a não aceitação de possibilidade de troca, Núria, última mulher com quem César esteve, tenta reavê-lo. Ou, pelo menos, esse é o primeiro pressentimento que fica em todos aqueles que assistem ao filme pela primeira vez. Na verdade, ela comete suicído, com César dentro do carro, o que faz com que este fique com o rosto terrivelmente desfigurado. A partir deste momento, também o filme se transforma e passa a consistir numa contínua apresentação de flashbacks por parte de César.
Estes flashbacks apresentam uma dimensão quase que de pesadelo e jogam intensamente com a mente dos espectadores, fazendo trocas constantes entre momentos entendidos como reais, como meros sonhos, ou como perturbantes alucinações da personagem principal, sem que haja uma clara distinção visual ou sonora entre as diferentes categorias. Esta falta de clareza provoca uma constante procura, nunca levando à perda de foco.
Ao longo do filme, a dualidade entre amor e ódio transcreve-se através de comportamentos direcionados ao instinto de viver e ao instinto de morrer. Por um lado, observamos a tentativa de César de reconstrução do rosto, de aproximação daqueles que mais ama e de aceitação própria. Por outro, um constante reviver de traumas, a agressividade para com os outros, inclusive com os que mais ama, e o desenvolvimento de comportamentos de risco.
Esta dualidade permite a refleção sobre a realidade atual, como por exemplo, o facto de vivermos num encurralamento constante entre aqueles que são considerados os cânones de beleza – “¿Va a decirles que el físico no es importante? ¿Qué la belleza está en el interior?” -, num mundo onde o materialismo tenta superar limitações até então tidas como universais – “No soy un paciente cualquier. Y esto no es la seguridad social. Estoy dispuesto a pagar lo que sea necesario” -, num mundo onde o conceito de felicidade se encontra dúbio – “¿Qué es para ti la felicidad?”.
Abre Los Ojos conta com um elenco de excelência, maioritariamente espanhol: Eduardo Noriega (César), conhecido pelo seu papel em Vantage Point; Penélope Cruz (Sofia), uma das atrizes em Murder on the Orient Express e na série American Crime Story; Fele Martínez (Pelayo), com participações em Carmo, Hit the Road e Talk to Her; e Najwa Nimri (Nuria), atriz em The Method.
Durante a visualização do filme, apercebemo-nos que algumas escolhas sonoras parecem sobrepor-se a outras, como por exemplo, Sick of You dos Onion e Glamour dos Amphetamine Discharge. Esta sobreposição é propositada, uma vez que os seus versos transcrevem a realidade física ou imaterial a ser tratada. Sick of You, surge durante a viagem de despedida de Núria a César, na qual fica claro o amor que este tem por outra mulher (“I love another girl”) e que o passado que tiveram juntos já nada lhe diz (“I don’t care about what I did”), uma vez que está farto do que têm (“I’m sick of you”).
Após a ingestão de uma enorme quantidade de álcool, César desloca-se para a pista de dança de um bar e é nesse momento que Glamour começa a tocar, descrevendo os efeitos do consumo do mesmo – a imaginação de uma nova realidade, “You can change your mood, and see it’s beyond the moon”. Contudo, uma criação imaginativa que não passa de uma mera ilusão, uma vez que, para essa mudança, seria necessária força e “He lacks the nerve”.
Para além da associação de músicas a determinadas cenas, existe um conjunto imenso de repetições de elementos visuais, de diálogos e de ações, que se aliam de modo a intensificar as mensagens a serem transmitidas e a dar pistas sobre o desenvolvimento da história. Exemplos disso são o surgimento de um mimo em diversas ocasiões – um profissional de arte de rua, decorações em miniatura e um retrato do mesmo -, a repetição de certas frases – “¿Qué es para ti la felicidad?”, ¿Crees en Dios? -, e a insistência numa entrevista sobre criogenia com o Doutor Duvernois (interpretado por Gérard Barray).
Para todos aqueles que procuram um filme que exige atenção a todos os pormenores, que surpreende a cada segundo que passa e permite entender um pouco mais o funcionamento da mente humana, este será o filme ideal.
Título original: Abre Los Ojos
Realizador: Alejandro Amenábar
Argumento: Mateo Gil, Alejandro Amenábar
Elenco: Eduardo Noriega, Penélope Cruz, Fele Martínez
Espanha, França e Itália
1997